Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

26.5.08
 

O tribunal condenou autores de praxes violentas!
Finalmente vamos poder por fim às lamentáveis cenas a que se assiste no início dos anos lectivos na maioria das escolas do país?
A violência física é absolutamente condenável e ela assume várias formas . Mas com ou sem violência física, a maioria das praxes são simbolicamente violentas- quando por exemplo se obrigam alunos a ajoelharem, a transportarem correntes e latas amarrados aos pés, ou a repetirem frases obscenas.
Num momento em que tanto se fala de violência nas escolas seria bom falar-se também destas formas de violência.
Segolène Royal, enquanto ministra das escolas, fez aprovar uma lei que proibe as praxes em França.
Seria bom que em Portugal encontrassemos os meios para que no início dos anos lectivos as escolas de ensino superior não continuassem a ser palco de cretinice e violência!
Ana Maria Bettencourt

10.5.08
 
UM NOVO CICLO NA GESTÃO DAS ESCOLAS
Será que a publicação do Decreto-lei n.º7572008, de 22 de Abril abre, como aqui se diz, "um novo ciclo na forma de gestão das escolas"? O que vai mudar, o que vai ser difícil mudar, o que ainda está por esclarecer e o que é preciso ainda fazer? Nada melhor que, para dar resposta a estas interrogações, lermos o essencial das conclusões dos debates públicos promovidos pelo Fórum Português de Administração Educacional, associação de que se f apresenta uma breve biografia.
Não temos dúvidas de que é uma medida de política de enorme importância, muito embora alguns percalços havidos no processo de decisão. Também não temos dúvidas da relação entre a forma como as escolas se organizam e como são geridas com a violência dentro das escolas e disso falaremos no próxima edição.


UM NOVO CICLO NA GESTÃO DAS ESCOLAS!

O novo regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário


Beatriz Bettencourt*

Com o Decreto-Lei n.º 75/2008 de 22 de Abril abre-se um novo ciclo na forma de gestão das escolas portuguesas. De professor, “primus inter pares”, o novo gestor da escola/agrupamento passa a ser um Director, com amplos poderes, eleito por um Conselho Geral, formado por representantes da comunidade local, do município, dos pais, dos alunos, do pessoal docente e não docente. Aprofunda-se a distância entre professores e gestores e dá-se mais um passo na funcionarização dos docentes.
O presente texto dá conta das principais mudanças introduzidas com o novo regime de administração e documenta os seus aspectos mais polémicos, com base em pareceres e em debates que o FPAE (Fórum Português de Administração Educacional - ver caixa) promoveu e para os quais convidou membros dos órgãos de gestão de escolas/agrupamentos, especialistas e representantes dos sindicatos[1].

A discussão pública do projecto
Para a discussão pública do projecto de decreto-lei foi estabelecido pela tutela um período de tempo demasiado breve; mesmo com o adiamento do prazo que veio a ser autorizado, houve um escasso mês e meio, coincidente com a regulamentação e o início do processo de avaliação dos docentes. Diversas entidades, entre elas o FPAE, solicitaram o alargamento do período de discussão, dada a dificuldade em organizar um debate sério em tão curto espaço de tempo.
Ao lermos o documento legal agora publicado em Diário da República de 22 de Abril, podemos concluir que foram tidas em conta muitas das críticas formuladas nestes debates, sobretudo no que respeita à especialidade, e que foram reconsideradas e modificadas algumas soluções concretas constantes do projecto, não obstante terem-se mantido as suas opções de base. (ver “As Grandes Opções”)
Contudo, apesar de ter sido útil do ponto de vista do resultado final, não se pode deixar de assinalar que este processo de discussão pública não pecou unicamente por falta de tempo. Para que estes processos de debate não sejam meros rituais da democracia, é preciso que a administração passe a disponibilizar os resultados de avaliações existentes e que sejam relevantes para as decisões em causa. Trata-se de respeitar um imperativo de transparência, que só credibiliza as propostas da tutela que visem superar os constrangimentos ou inoperância da legislação vigente. No caso em apreço, não foram disponibilizados os resultados do processo de acompanhamento e avaliação do Decreto-Lei n.º115-A/98, o que se lamenta.
Dos muitos argumentos apresentados e de alguns consensos alcançados nos debates organizados pelo FPAE vamos - para maior clareza e evidência - sintetizá-los nas seguintes caixas:

- AS GRANDES OPÇÕES
- OS ASPECTOS POLÉMICOS
- O QUE AS ESCOLAS VÃO TER QUE FAZER
- O QUE SE EXIGE AO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

AS GRANDES OPÇÕES

1. A participação das famílias e comunidades na direcção estratégica dos estabelecimentos de ensino
O novo decreto aumenta a representação parental e comunitária no órgão de direcção estratégica, agora denominado Conselho Geral, e amplia os poderes deste órgão, que passa a eleger o Director da escola/agrupamento.
Prevê-se a criação de uma comissão permanente do Conselho Geral que assegure uma efectiva supervisão da gestão dos estabelecimentos e da vida escolar em geral.

2. A liderança das escolas
Cria-se o cargo de Director e atribui-lhe poderes muito amplos, nomeadamente a presidência por inerência do Conselho Pedagógico e a faculdade de designar os responsáveis pelas estruturas de gestão intermédia.
O seu recrutamento é feito por via de um procedimento concursal, a que se segue a eleição pelo Conselho Geral.

3. A autonomia das escolas
Prevê-se uma ampliação da margem de manobra dos estabelecimentos na definição da sua organização interna, em função da especificidade do serviço de educação que prestam e tendo em vista criar condições institucionais e organizacionais para a melhoria da qualidade educativa.


OS ASPECTOS POLÉMICOS DO NOVO DECRETO

Autonomia da escola
versus
controlo e postura excessivamente regulamentadora da administração
A ênfase regulamentadora do legislador deixa transparecer uma certa falta de confiança nas escolas, a quem se concede o que alguns chamam “autonomia sob suspeita”. A postura excessivamente regulamentadora da administração não se manifesta só na legislação, mas é reforçada na acção dos seus órgãos. A esta velada desconfiança da administração, responde a desconfiança dos governados, para quem a “dádiva da autonomia” aparece como mais controlo, sob outras formas. Será que, neste clima de desconfiança mútua, se pode estabelecer a indispensável colaboração entre os diferentes níveis de administração da educação? O que é necessário fazer para restabelecer a confiança?.
Sobre o cariz regulamentador do Decreto-Lei, registamos estas duas apreciações:
«A intenção de “reforçar a autonomia das escolas” é claramente minimizada face à necessidade de regulamentar (“blindar”) a sua gestão. Na verdade, o projecto de diploma agrava, neste aspecto a excessiva formalização dos normativos sobre a gestão, com clara desvalorização dos aspectos relativos à autonomia das escolas, já patente no Decreto-Lei 115-A/98. (...). A retórica sobre a autonomia das escolas aparece assim como um leitmotiv para o reforço dos instrumentos de controlo estatal da gestão naquilo que alguns autores designam por uma governação de “mão de ferro em luva de veludo.» (Prof. João Barroso, Universidade de Lisboa, parecer de 8/1/2008)

“Entendo como muito relevante a intenção de limitar o enquadramento legal ao mínimo indispensável, alargando a margem de auto-organização dos estabelecimentos, como forma de assegurar condições de efectiva capacidade de direcção e de gestão por parte dos respectivos órgãos. A formatação institucional excessiva da organização e gestão dos estabelecimentos, expressa na lei, na regulamentação administrativa e na prática da burocracia da administração educacional, têm constituído um factor poderoso de ineficácia, de ineficiência, e de inibição da emergência de lideranças escolares de elevado potencial de inovação e criatividade.” (Prof. Natércio Afonso, Universidade de Lisboa, parecer de 7/1/2008).

O cargo e as funções de Director

A concentração de poderes na figura do Director confere-lhe os meios necessários para gerir, mas suscita o receio de que eles não sejam utilizados da melhor forma. Coloca o Director perante a tentação autocrática, a que ele deve resistir, até para ser eficaz, e desafia os que querem uma vivência democrática na escola a dinamizar as formas de participação.
“O problema actual da gestão escolar é o de saber como é possível dispor de boas formas de coordenação da acção pública sem que isso ponha em causa o funcionamento democrático das organizações. Neste sentido, o “director” de uma escola deve assegurar, no quadro de uma gestão participada, a mediação entre lógicas e interesses diferentes (pais, professores, alunos, grupos sociais, interesses económicos, etc.), tendo em vista a obtenção de um acordo ou compromisso quanto à natureza e organização do “bem comum” educativo que a escola deve garantir aos seus alunos. Isto significa que ele deve possuir, não só, competências no domínio da educação, da pedagogia e da gestão, mas também capacidade de liderança e sentido de serviço público, necessárias ao exercício da dimensão político-social da sua função.” (...)
“A existência de um órgão de gestão unipessoal ou colegial não é, em si mesma, uma questão fundamental para a garantia da democraticidade, qualidade e eficácia do exercício das funções de gestão de topo de uma organização. A operacionalidade de um ou outro “modelo” depende de um conjunto diversificado de factores contextuais que tornam descabida uma discussão em abstracto sobre as suas virtualidades. Acresce ainda que a existência formal de um “órgão colegial” nunca impediu a emergência de lideranças individuais e permitiu, em alguns casos, reforçar a emergência de lideranças colectivas. Neste sentido, a solução adoptada no Decreto-Lei 115-A/98 de remeter a decisão sobre as duas modalidades (unipessoal ou colegial) para o regulamento de cada escola parecia-me ajustada. É de reconhecer, contudo, que o facto de a quase totalidade das escolas ter optado pela solução “colegial”, leva a pressupor que isso resultou, em muitos casos, de reflexos corporativos ou de um deficiente debate na Assembleia e não, necessariamente, da preocupação de encontrar a solução mais adequada para melhorar o funcionamento da escola. Para obstar ou reduzir estes “efeitos perversos” seria necessário criar condições para qualificar o processo de decisão das assembleias, podendo admitir-se que o ordenamento jurídico determinasse a existência de um “órgão unipessoal” desde que não impedisse, em sede de “contrato de autonomia”, o recurso à “opção colegial”, devidamente fundamentada. O manter esta possibilidade, para além de ser coerente com o reconhecimento de uma autonomia efectiva no domínio organizacional, permitiria desfazer qualquer equívoco quanto a uma eventual intenção de reforço do centralismo e autoritarismo da gestão que os argumentos utilizados no preâmbulo para defender o “director” (como órgão unipessoal) claramente induzem.” (Professor João Barroso, Universidade de Lisboa, parecer de 8/1/2008).

Os requisitos e o recrutamento do director

Sendo a liderança educativa um factor decisivo no funcionamento das escolas, temos que analisar como se escolhem e se formam os dirigentes. O facto de já ter sido dirigente pode ser a única qualificação específica dos candidatos a gestores. Dado que não existe uma avaliação do desempenho dos gestores, será este requisito uma condição suficiente para o exercício do cargo? Será que, perpetuando a base de recrutamento sem lhe acrescentar novas valências e exigências, vamos conseguir uma melhoria das lideranças nas escolas?

No que respeita ao recrutamento do director, o dispositivo adoptado prevê um procedimento concursal desencadeado pelo Conselho Geral a que se segue um procedimento eleitoral. Sou de parecer que a solução adoptada é geradora de ambiguidades e equívocos, em nada favorece a necessária transparência do processo de selecção, e tende a enfraquecer a autoridade e legitimidade do cargo. No limite, o procedimento concursal, onde não há lugar a reclamação, pode ser transformado numa formalidade irrelevante, repondo-se assim, por essa via, a lógica tradicional da eleição entre pares. (...) Ainda sobre o procedimento concursal, e no sentido de reforçar a dimensão profissional da função de direcção, e por essa via a sua autonomia, considero que, nas condições de qualificação seja identificada a habilitação específica (Artigo 21º 4. a) como uma condição necessária para a oposição ao procedimento concursal, e que as condições de experiência profissional, referidas nas alíneas b) e c), sejam entendidas como elementos a considerar na avaliação do curriculum vitae de cada candidato, nomeadamente nas situações, a considerar explicitamente como excepcionais, em que nenhum dos candidatos seja portador de habilitação específica.” (Professor Natércio Afonso, Universidade de Lisboa, parecer de 7/1/2008).
“Reconhece-se como muito positiva a existência de um artigo específico (artigo 28º -1) sobre o direito de o director e os adjuntos terem acesso à formação específica para as suas funções, em termos a regulamentar por despacho do membro do governo respectivo. Contudo, sabendo-se que esta mesma disposição estava igualmente prevista no Decreto-Lei 115-A/98 (onde era referido que ela devia “assumir um carácter prioritário”) e que, dez anos depois, tão pouco se fez nesta matéria, seria de esperar maior precisão.” (Professor João Barroso, Universidade de Lisboa, parecer de 8/1/2008.

A participação dos municípios

Na ausência de uma política de reordenamento da administração da educação, é por via da regulamentação da gestão das escolas que se estabelecem os vínculos institucionais entre a administração autárquica e a direcção das escolas. Este deficit no que respeita à descentralização municipal é um dos problemas centrais da administração da educação a que o presente diploma continua a não dar resposta.
“Quanto à representação das autarquias locais no Conselho Geral, a solução proposta no diploma retoma a situação actualmente em vigor, a qual considero ser fonte de ambiguidades e de resistências quanto a uma envolvimento eficaz dos municípios na administração da educação. De facto, a lógica da constituição do Conselho Geral pressupõe a valorização da participação da sociedade civil (nas dimensões parental e comunitária) na gestão local da educação, num quadro de fomento do controlo social da educação e de prestação de contas por parte das autoridades públicas responsáveis pela prestação do serviço. Num processo político de crescente envolvimento autárquico na administração da educação, pela via da transferência de competências da administração central, os municípios são já responsáveis directos pela provisão de algumas dimensões do serviço público de educação. Nestas circunstâncias não parece adequado que se insista numa representação autárquica no Conselho Geral. Tal representação tem sido fonte de equívocos pois atribui implicitamente ao município o estatuto de uma entidade da sociedade civil, obscurecendo o seu papel como entidade pública envolvida na provisão do serviço de educação. Assim, considero desadequada a previsão da manutenção da representação autárquica neste órgão, devendo ser eliminada. Sou de parecer que o envolvimento dos municípios na provisão local da educação se deve concretizar preferencialmente pela via da transferência de competências da administração central, e que a relação de cada estabelecimento com o respectivo município se deve canalizar pela via da representação, por exemplo, através do Presidente do Conselho Geral, no Conselho Municipal de Educação.” (Natércio Afonso, Universidade de Lisboa, excerto do parecer de 7/1/2008)




O QUE AS ESCOLAS VÃO TER DE FAZER

Num quadro geral de permanência em funções dos órgãos actualmente existentes, o Decreto-Lei n.º 75/2008 de 22 de Abril estabelece um calendário exigente para, a curto e médio prazo, as escolas/ agrupamentos se adequarem ao novo quadro legal:
- Procedimentos de eleição e designação dos membros do Conselho Geral Transitório iniciados até 30 dias após a entrada em vigor do decreto-lei;
- Procedimentos de recrutamento do novo director desencadeados até 31 de Março de 2003;
- Eleição do director até 31 de Maio de 2009;
- Elaboração do regulamento interno do Conselho Geral e demais órgãos de gestão até 31 de Maio de 2009.


O QUE SE EXIGE AO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

O presente diploma é omisso em relação a questões que são essenciais a uma efectiva melhoria da administração das nossas escolas. São respostas a essas questões que uma opinião pública informada tem que exigir ao Ministério da Educação, nomeadamente:
1.O reordenamento da administração central, regional e local da administração da educação e, nomeadamente, a redefinição das funções de pilotagem e regulação que incumbem a estas instâncias, num quadro de autonomia das escolas.
2. A criação de mecanismos de acompanhamento e avaliação do novo regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei n.º 75/2008 de 22 de Abril.
3. O estabelecimento de um programa de formação de dirigentes educacionais (das escolas e da administração central e descentralizada) a contractualizar com instituições de formação, definindo metas claras e balizas temporais de forma a melhorar significativamente, num prazo adequado, a gestão da educação.
4. Que seja dada sustentabilidade a estas políticas, pela criação de um consenso social em torno das soluções instituídas, mediante um debate democrático.



O FORUM PORTUGUÊS DE ADMINISTRAÇÃO EDUCACIONAL

O FPAE é uma associação sem fins lucrativos que tem por principal finalidade o estudo e desenvolvimento da administração da educação. Foi constituída em 1994 e conta actualmente com cerca de 500 associados, na sua grande maioria ligados à gestão das escolas (de topo e intermédia), a instituições de ensino superior que leccionam nesta área, e contanto ainda com uma representação significativa de técnicos da administração educativa central, regional e local.
O FPAE não visa a representação dos interesses profissionais dos seus membros, mas pretende constituir um espaço de diálogo e de troca de experiências entre a teoria e a prática, a formação e a acção. Publica anualmente a Revista “Administração Educacional” que é a única revista nacional especializada nesta área do conhecimento.
Está filiado no EUROPEAN FORUM OF EDUCATIONAL ADMINISTRATION, associação fundada em 1977, que congrega associações nacionais congéneres de mais de três dezenas de países europeus e se encontra filiada no PLEASE (Comissão Permanente de Ligação de Associações Europeias de Educação), organismo financiado pela União Europeia. Colabora regularmente com a Associação Nacional de Política e Administração da Educação do Brasil (ANPAE), e em 2007 levou a cabo o V Congresso Luso-Brasileiro de Política e Administração da Educação, que teve lugar em Porto Alegre, tendo subscrito a Declaração de Porto Alegre referente à administração da educação.



* Presidente do Fórum Português de Administração Educacional
[1] O FPAE contribuiu para a discussão pública realizando um debate na Universidade de Lisboa, em Janeiro de 2008 e outro na Universidade do Porto, em colaboração com o CIEP, já depois de terminado o período de discussão, a 20/2/2008.


Publicado no Jornal de Letras - Educação em Maio de 2008

4.5.08
 

Dessous les pavés c'est la plage... slogan de Maio de 1968, Sorbonne

O Maio 1968 teve uma dimensão que mudou para sempre o modo como se olha o mundo, as instituições ..... a família, a sexualidade, a escola, a justiça, as instituições psiquiátricas, os asilos, a sociedade de consumo....Foi uma ofensiva libertária, que se cruzou com com a luta contra o aparelho de estado, que questionou profundamente a sociedade. Ofensiva que deu origem a movimentos que marcam a sociedade de hoje, e nos obrigam a pensar o futuro.Há quem considere o Maio de 68 na origem de todos os males da sociedade francesa.....Mas aquele movimento, único, e que apaixonou o mundo só pecou por defeito... apesar de ter marcado a evolução das ideias no século XX, grande parte das instituições francesas, como a escola, são ainda profundamente conservadoras na sua organização e nas suas práticas e persistem em não cumprir os ideais republicanos da igualdade.
Mas aprendemos a ver o mundo de outro modo a questionar as instituições tal como elas se apresentam...
Aprendemos a ver debaixo das pedras da calçada...
Ana Maria Bettencourt

2.5.08
 

Para que serve o "Chumbo?"
Pelos jornais desta semana ficámos a saber o elevadíssimo custo das retenções dos alunos portugueses. São custos para o país e custos ainda mais graves para os alunos. (Tenho encontrado no nosso sistema alunos retidos três e quatro vezes no mesmo ano! São situações aberrantes impossíveis de encontrar na esmagadora maioria dos países europeus.)
Sabemos, por outro lado, através de estudos consistentes, que o chumbo fragiliza os percursos educativos causando em geral desmotivação e muitas vezes abandono. (Sei que existem exemplos pontuais em que a retenção ajudou um ou outro aluno, mas não se pode continuar a fazer generalizações abusivas destes casos!)
Surgem muitas vezes argumentos de justiça...seria injusto para um aluno que estudou, que outro que não estudou passasse o ano (quem utiliza este argumento, não vê em geral, que estes alunos que não estudam muitas vezes não têm ninguém para os ajudar, ou nem sequer uma mesa para trabalhar em casa ). A justiça será criar condições para que o aluno que não estuda seja capaz de trabalhar mais e receba os apoios de que necessita para o fazer.....o facilitismo é chumbar e deixar que os alunos abandonem o sistema ..a via mais exigente é fazer com que todos trabalhem na escola muito mais do que o fazem.
O chumbo é a solução mais fácil para a escola resolver problemas de aprendizagem.
Não faltam pessoas para defender a importância pedagógica do chumbo e o seu papel como garante da justiça!
Por mim preferiria ver as verbas gastas, em processos alternativos ao chumbo ( para bem dos alunos e do país). Processos mais exigentes do ponto de vista da escola e dos alunos, como por exemplo mais apoios dentro e fora das aulas, um maior enquadramento dos alunos, planos individuais de trabalho, estratégias de diferenciação pedagógica, tutorias, estratégias para ensinar os alunos a trabalhar....(não esqueçamos que aqui reside a base das desigualdades de sociais, sobre as quais a escola pode actuar!) .
Acredito que grande parte dos problemas se podem resolver na escola e na sala de aula. E por isso é preciso formar os professores para trabalharem nesse caminho. O trabalho colaborativo dos professores em torno de estratégias para resolver o insucesso escolar e a responsabilização da escola pelos percursos dos alunos são essenciais.
Enquanto considerarmos que a estratégia essencial para a lidar com o insucesso escolar é o "chumbo" ....teremos problemas graves ao nível da eficácia do nosso sistema.
Ana Maria Bettencourt