Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

24.7.08
 
PROJECTO KNOWandPOL

PROJECTO KNOWandPOL – O PAPEL DO CONHECIMENTO NA CONSTRUÇÃO E NA REGULAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE NA EUROPA



Caro(a)s colegas:

O projecto KNOWandPOL – “The role of knowledge in the construction and regulation of health and education policy in Europe: convergences and specificities among nations and sectors” – é um projecto de investigação financiado pela União Europeia no âmbito do “Sixth Framework Programme Research, Technological Development and Demonstration – Priority 7 - Citizens and governance in a knowledge based society”. Tem a duração de 60 meses e teve início em Outubro de 2006.

O projecto KNOWandPOL integra 13 equipas de investigação de 8 países (Alemanha, Bélgica, França, Hungria, Noruega, Portugal, Reino Unido, Roménia), distribuídas pelos sectores da saúde e da educação. O consórcio é coordenado pela Université Catholique de Louvain (Bélgica) e integra as seguintes instituições parceiras: Ludwig-Maximilian Universität München (Ale.), Université de Liège (Bel.), Centre National de la Recherche Scientifique (Fra.), Établissement Public de Santé Mentale – Lille (Fra.), Eötvös Lórand Tudományegyetem - Eötvös Lórand University (Hun.), Szociológiai Kutatóintézet - Magyar Tudományos Akadémia (Hun.), Høgskolen i Østfold - Ostold University College e Universitetet Bergen (Nor.), Norwegian Institute for Urban and Regional Research (Nor.), Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educaçăo da Universidade de Lisboa (Por.), Sapientia – Hungarian University of Transylvania (Rom.), The University of Edinburgh (R.U.)

A equipa portuguesa é coordenada por João Barroso, professor catedrático da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, e integra os professores Luís Miguel Carvalho, Natércio Afonso e Madalena Fontoura, da mesma Faculdade, as bolseiras de investigação Estela Costa (doutoranda) e Carla Menitra (mestranda), contando ainda com a colaboração dos professores António Nóvoa e Rui Canário. Os estudantes que frequentaram o 1º curso (2005/06) e o 2º curso (2007/08) de Formação Avançada de Doutoramento em Ciências da Educação, área de especialização em Administração Educacional, desenvolvem os seus projectos de investigação na mesma temática e em articulação como o projecto KNOWandPOL.


Para mais informações, por favor consultar o portal do projecto http://www.knowandpol.eu onde, para além do projecto, estão disponíveis os relatórios produzidos durante o primeiro ano, bem como diversa documentação de apoio.

Pela equipa do projecto
João Barroso

22.7.08
 
III COLÓQUIO DE SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO EDUCACIONAL
21 e 22 de Novembro de 2008 em Braga - Universidade do Minho

GOVERNAÇÃO E POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

Actores, Contextos e Práticas


Ver o programa em: http://webs.iep.uminho.pt/cseae/page5/assets/Desdobravel.pdf

17.7.08
 
A ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Considerações sobre um Relatório e um Debate*

Maria José Rau*


1 - A IMPORTÂNCIA DE UM ESTUDO

Ao Relatório do estudo "A Educação das Crianças dos 0 aos 12 Anos " coordenado pela Prof.ª Isabel Alarcão a que, no último número, o JLEducação já se referiu, seguiu-se um Seminário que teve lugar no Conselho Nacional de Educação no passado dia 20 de Maio. Pelas questões que levanta, pelas análises e informações que faz e presta, pela pertinência e oportunidade das considerações o Relatório será um instrumento de trabalho indispensável para o momento em que, em tempo politicamente mais oportuno, se queira e existam condições para rever a estrutura e a organização do educação básica.

Mas tudo isto não satisfaz plenamente. É que as questões podem estar na forma como a educação se organiza e se projecta, mas estão, para além disso e sobretudo na forma como essa organização se aplica e se pratica.

O que falta então? Que riscos este relatório pode comportar? Quais os grandes vectores prioritários de actuação que se apontam?

2 - OS OBSTÁCULOS À MUDANÇA

Muito do que está em lei está por cumprir e como exemplo mais evidente veja-se a realidade das nossas escolas de hoje e o que é proposto para o Ensino Básico pela LBSE de 1986 aprovada, julgo que por unanimidade, na Assembleia da República.

Seria importante caracterizar o porquê e perceber se as resistências que têm existido ainda se mantêm, se são contornáveis e se têm mesmo de ser contornadas.

Com carácter anedótico mas exemplificativo não posso deixar de referir o que, com muito surpresa minha, em 1975 encontrei quando fui trabalhar para o Ministério da Educação e chefiar um serviço que se designava por de Acção Pedagógica. Para a Educação pré-escolar nem existia qualquer serviço de âmbito semelhante e tudo se passava dentro de uma única divisão indiferenciada, já no ensino preparatório o serviço subia de nível e passava a ser uma Divisão, mas quando chegava ao ensino secundário o nível e o estatuto eram ainda superiores e de Divisão passava-se a Direcção de Serviços. Ao SAP (Serviço) do Primário, sucedia a DAP (Divisão) no Preparatório e a DSAP (Direcção de Serviços) no Secundário! Para quem conhece a administração pública compreenderá bem de que esta hierarquia significa na consideração que se tem pelo seu conteúdo e do peso que representa, peso que, assumindo várias facetas terá sustentado e sustenta muitas formas de resistência à mudança a que temos assistido.

3. PRINCÍPIOS VERSUS ESTRATÉGIAS OU DISCURSO VERSUS PRÁTICA.

As palavras ditas pelo Prof. Jorge Alarcão no Seminário representam uma realidade terrível: "uma lei má mas bem aplicada pode ser melhor do que uma boa lei mal aplicada".

Ou como num episódio que sucedeu, julgo que nos anos 80 em Paris, durante "A Análise da Política Educativa da Suiça" feita pela OCDE, em cuja apresentação e debate tive a oportunidade de participar. Dizia uma das examinadoras que ao iniciar o estudo e ao ver a descrição do sistema educativo suíço ficara perplexa porque o achou mau, pedagogicamente inadequado e mesmo pouco democrático. Mas mais perplexa ainda ficou quando, ao visitar as escolas e entrevistar os vários intervenientes, se apercebeu que ele funcionava bem e de forma coerente e que os resultados até eram, em muitos aspectos, positivos.

Ora é esta relação princípios/estratégias ou teoria/prática na educação das crianças dos 6 aos 12 anos que no Relatório surge em segundo plano, apesar da insistência e atenção que se dá à necessidade de coerência e de articulação

É que pode ser grave ficar só na definição e caracterização da estrutura de um sistema educativo sem avançar claramente para as medidas organizativas e as práticas que a ele têm de estar necessariamente ligadas. Como muitas vezes tem acontecido entre nós, as estruturas ficam suspensas e, sem a necessária sustentação, acomodam-se ao conforto do molde que existia previamente.

4 - O RISCO DA UTOPIA

No capítulo do Relatório da responsabilidade de Teresa Vasconcelos há uma secção - "Uma penúltima proposta em jeito de utopia" - em que é feita uma citação com que julgo se querem valorizar as utopias "por não providenciarem descrições de mudança".

Mas é que exactamente por não conterem essas "descrições providenciais", que as utopias têm permitido e propiciado:
- que, como diz Natércio Afonso no Relatório, no caso do segundo ciclo do Ensino Básico, "o peso da tradição mono-disciplinar se impusesse ao normativo", normativo em total dissintonia com os quadros profissionais que sustentavam (ainda sustentam) o sistema de colocação de professores;
- que o perfil profissional do professor a formar pelas Escolas Superiores de Educação que se iam criar - e que envolveram elevados investimentos e um vultuoso empréstimo do Banco Mundial - perfil que sustentou todos os estudos financeiros que justificaram essas escolas, fossem, logo de seguida esquecidos e pervertidos;
- que o entendimento dos critérios de criação de escolas e de constituição de agrupamentos escolares tivessem facilitado, ainda num tempo muito pouco longínquo, tanto promover, numas regiões, as escolas C+S e a relação preferencial dos jardins de infância com escolas do 1º ciclo, como noutras os centros escolares dos 3 aos 12 anos e, mais grave ainda, de uma forma muito generalizada e ainda hoje, propiciar a colonização do 1º ciclo pelo 2º , se não no tempo curricular pelo menos no tempo extra-curricular!
- que, ao dissertar sobre os muitos modelos organizativos possíveis para o ensino básico, incluindo nessa dissertação a questão magna das repelências ou das progressões automáticas (progressões anuais como se diz num dos capítulos do relatório) quase sempre se não refiram, como sustentáculos essenciais de qualquer estrutura, as respostas necessárias para a magna questão: que fazer aos repetentes ou como ajudar os que, não existindo o escape da repetência, não querem/conseguem aprender mas precisam de ajuda para progredir. E há tantas e diversas práticas institucionalizadas, com diferentes tipos de sucesso, mas com razoável coerência com o que se pretende da educação e da sociedade nos vários países com que regularmente nos confrontamos (das progressões automáticas com "learning mentors" na Finlândia à diferenciação de fileiras de ensino na Suiça ou na Alemanha, etc.)!

Outro risco da utopia e que resulta directamente de "não (se) providenciarem descrições de mudança", é surgirem expressões - a sustentar estratégias - como "aproximações progressivas" ou, mais perigoso ainda, avanço em "geometria variável". Prefiro a ideia de progressão faseada, porque, não podendo deixar de prever ajustamentos de percurso, implica que se descrevam os passos das mudanças e neles se considerem momentos e fundamentos para as previsíveis reacções, para as difíceis e prolongadas negociações, para a obtenção de consensos (ou para a coragem de ir avante sem os obter!) e para a consideração e institucionalização das imprescindíveis medidas/estruturas de apoio.

Neste percurso pelo passado não posso deixar de lembrar como descreveram o nosso sistema educativo, os examinadores da OCDE, quando, em 1981, fizeram o exame da política educativa de Portugal: "Era como se arquitectos com concepções radicalmente diferentes tivessem sido nomeados, em sucessão rápida, para um mesmo projecto. Cada arquitecto, antes de ser substituído, teria tido o tempo exactamente suficiente para apresentar um projecto de grande envergadura e, por vezes, para derrubar ou pelo menos minar qualquer estrutura já existente que lhe fizesse obstáculo!". Já estamos melhor do que em 1981, e já conseguimos ter alguns Ministros da Educação que se mantêm os 4 anos de uma legislatura, mas o vício está lá e a falta de planeamento e capacidade de sistematizar a previsão pode fazer que no fim das progressivas aproximações se atinja o oposto do que se pretendia. É que a aproximação pode passar ao lado do essencial, nem que seja para evitar conflitos ou contrariar o antecessor!

Como mero exemplo recente vejam-se os recuos e avanços que tem tido o processo da avaliação externa das escolas entre 1998 e 2008! E não se está a por em causa a bondade, o mérito e a dedicação à causa pública dos sete Ministros/Ministras da Educação que tivemos durante esses 10 anos!

5- CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES

Estou em total consonância com as áreas de intervenção identificadas "com vista a uma coerência educativa global" e com as recomendações feitas de que destaco, por afinidade electiva:
- a dimensão educativa alargada;
- a articulação das políticas educativas com as políticas familiares e sociais;
- a reconfiguração da escola;
- a avaliação da qualidade e monitorização.

No conjunto de medidas de política acertadas e corajosas que se têm tomado nos últimos tempos, não quero terminar sem referir, ao reboque destas recomendações, um percurso arriscado (para não dizer errado) que se está a fazer e que só me parece poder ser justificado pela pressão social (e o papel ameaçador que representam os "fazedores de opinião") que quer bons resultados "já" e que tem um medo, que não consegue bem perceber, da confusão entre educação e "eduquês".

É que se repararem na comparação com os outros seis países que o Relatório refere, as crianças e os jovens daqueles em cujos resultados no PISA pomos olhos ávidos têm, durante o calendário escolar, mais tempo livre e tempo livre menos escolarizado. Gostei do que foi dito por Miguel Zabalza (da Universidade de Santiago do Compostela) quando contou que a "LOE sofreu vários percalços por confundir educação com escola", ou como também alguém disse no Seminário o importante que é as crianças e os jovens, no seu percurso de aprendizagem para a vida, poderem "deambular entre territórios diferentes".

Que com alguns próximos bons resultados cessem os medos das comparações internacionais e se mantenha a exigência de rigor e esforço numa escola a tempo inteiro mas que não "absorva" o tempo que não é nem deve ser da escola, nem permita que a estrutura disciplinar do ensino secundário colonize outras práticas, outros intervenientes e outros espaços bem mais interessantes e mais essenciais para a educação das nossas crianças e jovens!

* Técnica de Educação

Publicado no Jornal de Letras - Educação - Julho de 2008

 
POR QUE CAMINHOS ANDA O CURRÍCULO DO 1º CICLO DO ENSINO BÁSICO?
Manuel Rangel*


Há cerca de 2 anos, aquando da publicação por parte do Ministério da Educação(ME) da legislação sobre as chamadas “actividades de enriquecimento curricular” (AEC) e da implementação da Escola a tempo inteiro, no 1º Ciclo do Ensino Básico, em artigo publicado na Revista 2 Pontos (*) intitulado “Gostamos de Tapar o Sol com a Peneira!”, afirmei o meu receio quanto ao caminho que estavam a tomar as perspectivas acerca do currículo neste Ciclo.

De então para cá, e à excepção dos programas de formação de professores lançados pelo ME, as medidas, directa ou indirectamente, ligadas ao currículo não parecem menos perigosas ou avulsas.

Chamei, então, especialmente a atenção, para o significado e concepções curriculares implícitas no Despacho do Secretário de Estado da Educação, com as designadas “Orientações para a Gestão Curricular no 1º Ciclo do Ensino Básico” (Despacho n.º 19 575/2006, de 25 de Setembro): através dele se pretendeu condicionar a acção das escolas e o papel dos professores, como não há memória de ter acontecido em Portugal, em relação a este ciclo. Nem nos tempos da visão mais autoritária e centralizadora da execução do currículo tal se tinha verificado.

De forma inédita, em relação a este ciclo, o Despacho tentou fixar o número de horas semanais, obrigatórias, para cada disciplina ou área de aprendizagem. Com essa medida, mais ou menos avulsa, se invertia – pelo menos em termos de princípios e filosofia “oficial” – todo o movimento, dos últimos anos, no sentido de atribuir ao professor e à Escola um maior papel e autonomia na gestão do currículo e que encontra a sua razão de ser, não em meros argumentos ideológicos, mas na constatação de muitos anos de investigação, provando que é no professor, na sua competência profissional e na sua formação que assenta a qualidade do ensino.
Voltar a uma perspectiva de execução rígida e cega de prescrições superiores, raramente entendidas e adoptadas na sua verdadeira intenção pelos executantes, é uma permanente tentação totalitária, em termos pedagógicos, mas não parece ser solução, nem poder levar a uma melhoria significativa do ensino.

Afirmei também, nessa altura, que embora tal não seja dito no diploma, nem aí impedido, a verdade é que, implicitamente, o Despacho contrariava a perspectiva de um currículo integrado e, sobretudo, de uma perspectiva integradora do desenvolvimento das crianças. A medida vinha, de resto, ao encontro das tentativas de “disciplinarização” (“licealização”) deste ciclo, tão desejada por alguns interesses corporativos e pelos sectores mais conservadores e retrógrados da sociedade portuguesa, ligados à educação.

A concepção do currículo do 1º Ciclo, implícita na legislação em causa, está, aliás, bem patente na distribuição que é feita das horas pelas diferentes áreas, e que a ambiguidade do texto do preâmbulo ao Despacho, desde logo evidencia.
Dele sai reforçada a perspectiva das áreas “sérias” e matérias “nobres”, de um lado, e, do outro… o “resto”! Transporta-se, assim, para a legislação, para a voz oficial, o mero senso comum, a conversa “primária” – de café ou autocarro! – do “ler, escrever e contar”, do “regresso ao básico”, na sua pior versão.

Afirma-se no Despacho, sem mais análise que “Com estas medidas, criam-se as condições para que, nos primeiros anos de escolaridade, as vinte e cinco horas lectivas de trabalho semanal sejam orientadas para o reforço dos saberes básicos e para o desenvolvimento das competências essenciais nas áreas de Língua Portuguesa, Matemática e Estudo do Meio”. O resto é desnecessário! É brincadeira! Está lá para enfeitar, ou para satisfazer os caprichos de alguns “poetas” da educação. Não há qualquer perspectiva sobre a ligação e articulação entre as áreas, em termos da aprendizagem e desenvolvimentos das crianças. Desde logo, na própria exigência de contabilização das horas para cada “disciplina”.
(Note-se, aliás, que o próprio site da DGIDC, a propósito deste assunto, “Princípios e Sugestões para a gestão do currículo do 1º ciclo” contempla apenas a Língua Portuguesa, a Matemática e o Estudo do Meio – Ensino das Ciências.)
As reacções ao despacho, então observadas, são, aliás, elucidativas. A satisfação, por um lado, dos responsáveis de algumas sociedades científicas e associações de professores (de outros ciclos): “finalmente!”; estas medidas “só pecam por tardias!”; “isso do currículo integrado sempre foi uma treta!”; etc. Depois, a reacção dos próprios professores do 1º ciclo, uns satisfeitos, outros nem tanto, mas que quase generalizadamente afirmavam, na altura, que “o ‘currículo’, agora, era apenas a Língua Portuguesa, a Matemática e o Estudo do Meio”; “as ‘expressões’ e a ‘educação física já não fazem parte do currículo; agora vão para as actividades de enriquecimento!”.

Afirmei, ainda, então, que o aspecto mais grave, subjacente a este Despacho, me parecia ser o facto de continuarmos a gostar de criar ilusões sobre os problemas reais e continuarmos à espera que tudo se resolva por obra de despachos.

Só quem não conhece, de todo, o 1º Ciclo e as práticas dominantes das escolas portuguesas é que poderá pensar que o problema da qualidade das aprendizagens, em áreas, sem dúvida, tão importantes como o Português e a Matemática, vem do reduzido número de horas que lhes é dedicado pelos professores. Aliás, e perversamente, se o despacho se viesse realmente a cumprir, contrariando as práticas, seria no sentido oposto ao insinuado: seria para “reduzir” a LP para 8 horas e a Matemática para 7, passando a despender-se 5 horas com as Áreas de Expressão e “restantes”.

O problema da qualidade das aprendizagens nessas disciplinas não está, efectivamente, no número de horas que se lhes dedica ao longo da semana. Aliás, se for para fazer mais do mesmo, o aumento de horas só poderá ser contraproducente!

O problema, todos o sabemos (em consciência e por estudo), reside fundamentalmente em três aspectos:
- numa consciência mais clara dos objectivos centrais, para os alunos, em relação à aprendizagem nessas áreas;
- no domínio efectivo, actualizado e aprofundado, dos conteúdos a ensinar;
- na forma de abordagem e nas metodologias utilizadas no seu ensino.
E isso assenta numa questão decisiva: a formação e as práticas dos professores. Mas esse é, de facto, um problema difícil de resolver e que não se soluciona (ou julga solucionar!) por um mero despacho!

Quase dois anos depois, qual me parece ser o balanço relativamente às perspectivas curriculares neste ciclo? Julgo haver três aspectos positivos a reconhecer e salientar:
- o mais significativo, tal como já referi, prende-se com o lançamento dos programas nacionais de formação nas áreas da Matemática, Língua Portuguesa e Ciências Experimentais;
- um segundo aspecto importante, refere-se ao cumprimento do objectivo de uma escola a tempo inteiro, na sua dimensão de resposta social (de resposta às necessidades das famílias), pelo prolongamento dos horários para quem disso necessita;
- o terceiro, enquadrado no anterior, diz respeito à oferta generalizada do Inglês, como complemento da formação neste nível de escolaridade.

No entanto, no que respeita especificamente ao currículo, e tal como há dois anos receava, a confusão parece generalizada. As medidas são avulsas, dispersas, não articuladas, quando não mesmo contraditórias:
- reina, desde logo, uma total confusão no que respeita a programas e orientações curriculares: um Programa ainda em vigor, a que se sobrepõe um longuíssimo documento de Competências Essenciais, que tende a ser até priorizado, mas cujas áreas nem sequer coincidem totalmente com as do Programa; um novo Programa saído há alguns meses, de forma totalmente desgarrada para a Matemática; o anúncio da elaboração para breve de um outro, também isolado, para a Língua Portuguesa… (será caso para perguntar como se pode esperar que coordenem os professores aquilo que o ME não é capaz coordenar?!);
- em todos as medidas tomadas, mesmo nas mais positivas, se passa e prolonga uma visão de “primeira” e “segunda” relativamente às diferentes áreas que compõem o currículo; passa-se do currículo uma visão desarticulada e desintegrada, que há longos anos se procurava inverter;
- existe, neste momento, uma sobreposição e confusão generalizadas entre o currículo e as actividades de complemento curricular (aliás o próprio nome de “enriquecimento curricular ” já traduz essa ambiguidade, fazendo lembrar a “escola cultural” de há uns anos atrás!): não se faz no currículo porque “agora foi para as AEC”; e nas ditas AEC reproduz-se de um modo geral a organização e o estilo do currículo, no seu sentido mais tradicional e indesejável.

A situação exige, pois, uma enorme reflexão e grande esforço para que se “arrume a casa”. Ninguém ganha com este estado geral de confusão e os alunos – razão de ser de todo o sistema! – perdem, de certeza, na sua aprendizagem.

No momento em que se discute uma aproximação entre o 1º e o 2º ciclo e uma perspectiva integrada para educação dos 0 aos 12 anos, em Portugal, esta confusão é incompreensível e indesejável.


* Director da Escola "A Tangerina"

Publicado no Jornal de Letras - Educação - Julho de 2008

16.7.08
 

Educação para Todos
Desde o início da década de 90 do século passado, que a Unesco lidera um movimento mundial designado por Educação para Todos, com o qual se pretende que todas as crianças tenham acesso à educação, uma educação inclusiva em que todos aprendam efectivamente.
Em Portugal todas as crianças são obrigadas a ir à escola, mas apesar de grandes progressos realizados, a escola ainda não garante que todas tenham condições para aprender. Com efeito ainda não temos uma educação em que todos os alunos sejam eficazmente apoiados ao primeiro sinal de dificuldades, sendo muitos percursos escolares perturbados e abandonados precocemente.
Em muitos dos discursos dos últimos dias não tem existido capacidade de olhar para as escolas que temos, e reconhecer os seus progressos e esforço dos professores e famílias. Insiste-se em ver facilitismo em tudo, muitas vezes porque se sonha com um passado em que a escola era para muito poucos. As repetências que se insiste em considerar como o símbolo mais representativo da exigência, são efectivamente a forma mais fácil de tratar as dificuldades de aprendizagem. A fórma mais exigente passa por aumentar o tempo de trabalho dos alunos na escola, o esforço pedido aos alunos e o enquadramento realizado pela escola.
Enquanto o sucesso educativo depender das explicações não teremos uma Educação para Todos.
Ana Maria Bettencourt