Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

31.7.07
 
QUE VAI SER IMPORTANTE NO PRÓXIMO ANO LECTIVO '
As férias ainda mal começaram e já temos que preparar estudos e intervenções para o próximo ano:

. A educação artística vai ser tema de conferência nacional no Porto, em 29 e 30 de Outubro - e bem preciso é que o Ministério da Educação e as escolas lhe prestem atenção. Até agora tem parecido mais ser um assunto do Ministério da Cultura...

. O CNE e a EUNEC (Rede Europeia de Conselhos Nacionais de Educação) organizam em Lisboa dois seminários , um sobre Evidence Based Policy Making e outro sobre Equidade e Eficiência. Serão no CNE, a 8 e 9 de Outubro.

.O CNE organiza também um seminário sobre as relações escola-família-comunidade. Pretende estimular-se a intervenção dos pais não só como meio de beneficiar o desempenho dos alunos mas também como meio de favorecer, directa ou indirectamente, a formação dos pais, uma atitude mais positiva perante a escola e a educação e a sua capacitação como cidadãos. Será em Lisboa, nas instalações do CNE, provavelmente a 16 de Outubro.

. Outra iniciativa do CNE será sobre a "governança" das escolas, no Porto, creio que a 6 de Novembro.

. E depois, claro, há as iniciativas da União Europeia ou no quadro da Presidência Portuguesa do Conselho de Ministros da União Europeia. É de consultar o portal do governo.

Não vai haver descanso para ninguém ! Que as férias nos iluminem para sabermos escolher, por entre a espuma dos dias, o que vale realmente a pena.

Maria Emília Brederode Santos

30.7.07
 


As crianças brincam
As crianças brincam, talvez descrevendo com risos os desenhos na areia e o seu saltitar, ou até, talvez, lançando o seu silêncio dentro do rugido do mar… Com o peito cheio de mar, vivem momentos intensos e ao mesmo tempo suaves, subtis. Indescritíveis!

Por favor, senhora professora, quando começarem as aulas, não peça uma “composição” sobre “As minhas férias”! …

Maria José Martins

 

MJM
BOAS FÉRIAS

27.7.07
 
Cuidar da Terra
Quem não tem ficado impressionado com as imagens das inundações no Reino Unido e dos incêndios em países do sul da Europa?
É arrepiante assistir às alterações do clima e ver a destruição do nosso planeta, sem que a maior parte dos seus habitantes entenda os riscos que todos corremos. Porventura para muitos o que vemos serão só imagens, como se de ficção se tratasse.
Mesmo se as grandes decisões não passam por nós, é urgente aprender a compreender o que se passa e sobretudo a intervir.
A educação ambiental vai fazendo caminho, mas infelizmente o papel da escola está longe de ser o que devia. A aprendizagem da cidadania através da acção, como defendia António Sérgio, não é uma prática corrente.
A escola portuguesa continua muito passiva, fechada sobre si própria, e com programas pesados, onde muitas vezes o essencial não é prioritário.
Ana Maria Bettencourt

24.7.07
 

Noesis nº 70

 
ESCOLAS COM PERNAS PARA ANDAR II -
ESCOLAS AUTÓNOMAS


ESTE É O TEMA DO DOSSIER que é introduzido por um artigo de João Formosinho e Joaquim Machado - "Autonomia e avaliação de escolas" - e pelo artigo de Pedro Guedes de Oliveira sobre o "Projecto-piloto de avaliação das escolas". Completam o dossier uma entrevista com José Pacheco, da Escola da Ponte, a primeira a fazer um contrato de autonomia; uma reportagem na Escola Secundária Quinta das Palmeiras na Covilhã e outra na EBI da Charneca da Caparica; e um levantamento de recursos onde sobressai um estudo de Mª José Martins sobre as "páginas de escola" na internet.

O "destacável" desta vez é dedicado aos meninos de j.i. e aos educadores de infância e baseia-se num livro da Kalandraka "Afinal a que sabe a lua?" Seguem-se os materiais onde a principal recensão é da autoria de José António Gomes e incide sobre o livro de Eric Many "Hipólito, o Filantropo". A visita de estudo é ao Museu da Luz, a campanha de sensibilização é do Fundo para a protecção dos animais selvagens (FAPAS) e o "Com olhos de ver" incide sobre a análise de uma fotografia de uma aluna do ensino secundário, proposta por Teresa Fonseca e Eduardo Cintra Torres.

E, mais uma vez, regalem-se com as ilustrações da Teresa Lima, aliás professora de Educação Visual de uma escola de Lisboa.

Maria Emília Brederode Santos

 

AMB
Noruega- BOAS FÉRIAS

 

A propósito dos computadores na escola
A generalização dos computadores e do acesso à Internet nas escolas, anunciada agora pelo Governo, pode ser decisiva para a modernização do país, mas só o será com profundas mudanças pedagógicas. ....e uma relação diferente com o saber, em que o professor deixa de ser a sua fonte principal .
Nas aulas em que o professor fala a maior parte do tempo e os alunos ouvem, os computadores e a Internet são inúteis. Por muito bem que fale o professor, e por muita sabedoria que possua.
Nas aulas organizadas, por exemplo, em torno de projectos que exigem pesquisa, leitura, compreensão, organização da informação, análise e crítica, respeito pelas fontes do saber, responsabilidade pela execução de tarefas, os computadores e a Internet são da maior utilidade. Assisti recentemente a projectos deste tipo que conseguiram recuperar alunos em insucesso escolar.. que aprenderam a trabalhar, desenvolveram competências essenciais no mundo de hoje e se reconciliaram com a escola.
Os alunos portugueses trabalham pouco nas aulas e é preciso que trabalhem muito mais. Todos.
A nossa escola continua a repousar demais no trabalho realizado em casa ou nas explicações. Passa-se muito tempo na escola, em que uma parte dos alunos ouve, ou finge ouvir, e não aprende....
Os alunos trabalham mais se envolvidos em projectos em que têm a responsabilidade de apresentar trabalho, ao fim de cada aula.
Mas é urgente formar os professores não só para a utilização das TIC, mas sobretudo para serem capazes de desenvolver nos alunos hábitos e competências de trabalho em sala de aula, esforço e responsabilidade.
Os computadores e a Internet podem ser instrumentos de saber, cultura e abertura ao mundo ou de dependência e ignorância.
Mudar os meios de trabalho na escola é essencial, mas o mandato dos professores e a pedagogia têm de se adaptar aos tempos....

Ana Maria Bettencourt

23.7.07
 
ESCOLAS COM PERNAS PARA ANDAR !
Saiu o nº 70 da Noesis !


A grande entrevista desta vez é com Ana Mª Bettencourt, uma inquieta de primeira água que ainda não desistiu de mudar o mundo através da educação.

Outras rubricas de interesse são :

. o "Diário de um professor" que, neste caso é uma professora invisual cheia de humor e resiliência, Mª Amélia Lopes, professora de Português e Francês, actualmente no D. Leonor, em Lisboa. A necessidade de acolhimento adequado aos novos professores - por maioria de razão aoa professores com alguma deficiência - é o principal tema do seu diário ambora não faltem as peripécias numa vida em que a alfabetização só ocorreu aos 18 anos porque a escola a recusava !
. "Políticas europeias de educação"é o tema do artigo de Teresa Gaspar. Também Filomena Matos apresenta e comenta um texto europeu recente intitulado "Modernizar a escola". Dois excelentes artigos para ficarmos a par das políticas europeias mais recentes, neste semestre de Presidência portuguesa e não só...
. O artigo de opinião defende o "jornal escolar" por quem "sabe da poda", António Santos, professor na Escola Secundária Manuel Laranjeiro em Espinho.

Amanhã continuo a apresentar esta Noesis nº 70 que está lindíssima graças também às ilustrações de Teresa Lima.

22.7.07
 
Ainda os jovens, a política e a educação para a cidadania
Os noticiários destes dias continuaram a transmitir uma triste imagem da política: a política assumida por homens sós, responsáveis por partidos de onde não saiem ideias. Neste plano os partidos não diferem muito uns dos outros...faltam ideias, debates, causas, susceptíveis de mobilizar os jovens. Por muito que se esforcem os líderes, a falta de trabalho de construção de soluções para os problemas, e de contacto permanente dos partidos com os cidadãos ( não reduzida a momentos eleitorais) é fatal..... e torna mais difícil educar para a cidadania .

Como mobilizar os jovens .?...para que ideias? Como educar para a cidadania, para a realização com autonomia de opções políticas?

Ana Maria Bettencourt

 


AMB
Boas Férias- Noruega

19.7.07
 
Política e Formação Cívica
Maria é uma aluna excepcional de uma escola da periferia de Lisboa. A melhor aluna da escola. Acabou agora o 9º ano de escolaridade. É trabalhadora, rigorosa e exigente consigo própria.
Apesar de nascida em Portugal, continua a não possuir a nacionalidade portuguesa. Mas sente-se portuguesa e quer exercer a cidadania....quando questionada diz-nos que não se identifica com a política e tem dela uma visão muito negativa, adquirida ao longo dos anos. Diz que quando era pequena gostava muito de ouvir falar de política e até já tinha preferências e políticos que admirava... foi perdendo o interesse desiludida com os políticos, que considera e não falarem a verdade.


Há muitos jovens que, como Maria, não querem ouvir falar de política.
O desencanto com os políticos e sobretudo com os partidos parece explicar em parte os resultados das eleições intercalares em Lisboa, designadamente a preferência pelos candidatos desalinhados . Os partidos deveriam interrogar as suas práticas, os seus rituais, o modo como excluem as pessoas e crucificam os líderes, a crueldade dos seus ambientes. O vazio de ideias e debates.

Por seu lado os cidadãos deveriam possuir mais competências, para avaliar o trabalho político e exigir mais daqueles que elegem.

Poderá a escola contribuir para alterar esta situação? Pessoalmente penso que sim, quer através de práticas de cidadania na escola, quer através da educação para os Direitos Humanos, que seria interessante discutir neste blog.

Ana Maria Bettencourt

18.7.07
 

AMB
BOAS FÉRIAS!


17.7.07
 


Boas Férias!

12.7.07
 
PELA FILOSOFIA
João Santos*

«Do mesmo modo se verá claramente que é muito contra a natureza da Filosofia que ela seja uma arte de ganhar o pão, na medida em que contraria a sua condição essencial o conformar-se com a ilusão da procura e com a lei da moda, e só a necessidade, cujo poder se exerce ainda sobre a Filosofia, pode obrigá-la a sujeitar-se à forma comummente aprovada»
Kant, trad. Leonel Ribeiro dos Santos, Revista Filosofia, Vol. II, 1/2, 1988, p. 176
A última vez que, nesta breve democracia, se discutiu o estatuto da filosofia no ensino secundário com algum vigor não foi, ao contrário do que se possa pensar, em 2006, a propósito da alteração ao regime de avaliação do ensino secundário ou da suspensão das Orientações de Leccionação do Programa de Filosofia.
O apelo quase inaudível de alguns, a inteira imobilidade da grande massa e um eco discretíssimo nos jornais, aí estão para mostrar a pouca receptividade da opinião ao sobressalto de exígua parcela da Universidade.
Na verdade, a dificuldade de pensar, hoje, em termos que vão além da simples e inane demanda de exame, a situação da filosofia no secundário tem raízes mais fundas do que pretende quem se limita a ver no fim anunciado da disciplina um esquecimento culposo das humanidades, ou na avisada eliminação do exame de 11º ano um laxismo-rousseauismo-construtivismo de esquerdíssima confecção.
O ensino da filosofia conheceu, nos últimos 30 anos, vários momentos de viragem com algum relevo. Em 1976-7, a filosofia ainda era ensinada apenas no hoje chamado 11º ano, então 2º ano do curso complementar dos liceus, sendo o 1º dedicado à Psicologia. Em 78-79, com a unificação dos ensinos liceal e técnico, nascem os cursos complementares do ensino secundário. A filosofia integra a componente de formação geral de todos os cursos e é ensinada, como disciplina autónoma, ao longo de dois anos (10º e 11º). No início da década seguinte, com a conversão do Ano Propedêutico em 12º ano, o ensino da filosofia conhece uma extensão relevante, nomeadamente na óptica dos conteúdos programáticos, sendo oferecida, com carácter obrigatório, no 3º curso da via de ensino.
Quando, em 89, é aprovado o Decreto-Lei nº 286/89, já o 12º ano adquirira, formalmente (LBSE, 1986), o estatuto de ano terminal do ensino secundário, mas restava vê-lo integrar, de pleno direito, este ciclo de estudos. Ao ser-lhe atribuída uma carga horária próxima da estabelecida para os dois primeiros anos, o 12º ano perde, definitivamente, o carácter de ‘ano propedêutico’ que até aí detivera, para se lhes assemelhar em tudo. Em tudo, sobretudo no que não interessava. Em lugar de constituir o ‘cume da abóbada’, o lugar da concentração e da síntese, o complexo jogo envolvendo as pretensões territoriais das diferentes disciplinas, a sempre imprudente gestão das cadeiras de opção e, caso singularíssimo, o estatuto particular das línguas e respectivas precedências, não permitiu que o secundário (em Portugal, apenas o que noutros países é ciclo terminal, upper secondary) e, neste, o 12º ano, adquirissem a estabilidade e a coerência ambicionadas.
Mas, no interior da reforma Roberto Carneiro, a ‘reforma Fraústo’ (currículo), com a proposta de programa subscrita pela equipa de Manuel Maria Carrilho, traz consigo a promessa de uma ruptura nos hábitos, nos léxicos, nas mundividências profissionais, nas bibliografias, que poderia ter resgatado, assim o pensaram alguns, não apenas o ensino da filosofia, como, em larga medida, o conjunto das formações secundárias, da improfícua, desconcertada e desconcertante proliferação de ofertas avulso no campo das ‘ciências humanas e sociais’. Quase duas décadas depois de vetado por uma boa parte da Universidade e dos professores do secundário, o programa Carrilho aí está como um excelente exemplo de que é possível ter visão e perder. Derrota sobremaneira injusta quando contrastada com as alterações subsequentes e com o formato programático adoptado para o 12º ano.
Com o virar do milénio, não é só a perda do 12º ano (perda, em boa verdade, sobretudo simbólica) que devemos assinalar, nem o suposto retrocesso representado pela ‘extinção’ do exame do 11º ano, nem a suspensão das Orientações..., piedosamente descritas como «documentos que introduzem conteúdos científicos sérios num programa que carece deles»[1].
Para ser breve: o que se vem dissipando é, em primeiro lugar, a memória, e com ela a hipótese de uma narrativa coerente e de um projecto educativo que lhe corresponda. Mas, em segundo lugar, não se vislumbra a vontade de um tal projecto.
Por isso, a defesa da filosofia no ensino secundário terá de ser um pouco mais articulada e plural. Para ser bem sucedida, terá de ser fruto de um movimento cultural e profissional muito amplo, associado à indagação colectiva sobre o lugar, função e propósito do trabalho filosófico. Por enquanto, o que se vai observando é quase o contrário disso.
Por um lado, são os não profissionais quem mais facilmente ‘explica’ quão útil e relevante é a filosofia, e por que razão deve ser poupada à morte que se lhe antecipa. Que ou qual morte, com efeito, não pode deixar de merecer, se não encontra já um modo próprio de se descrever e fazer impregnar pelas instituições, e não só as de educação secundária. O tom de nostalgia culta, na verdade, dificilmente supre a inexistente reflexão e a ofuscada memória.
Por outro lado, é uma pequena parte dos professores, recém-chegada a uma convivência mais próxima com os poderes do dia (agora experimentando uma bizarra viuvez em relação ao ministério David Justino), a crer-se portadora do aggiornamento por que todos deveríamos esperar, e a rebelar-se intensamente quando se apercebe da inutilidade do seu esforço perante (1) a incerta pertinência e qualidade das alternativas que oferece, (2) a sempre pendente, e justa, interrogação sobre a legitimidade da representação de núcleos associativos que não conhecem meio-termo entre o pariato hereditário e a exangue condição de nuvem que se queria Juno, e, já agora, (3) o reconhecido conflito entre as tradições filosóficas insular e continental, e a sua incapacidade dogmática para co-protagonizar uma aufhebung produtiva (que alguns de nós julgámos entrever em 90).
Finalmente, e agora mais a sério, a inexistência de um discurso articulado, prudente, construído a partir da observação e da crítica do dispositivo curricular, das regras de avaliação, transição e precedências, da compreensão da diversidade dos contextos sociais de aprendizagem ou dos paradoxos da actual condição das humanidades, origina diagnósticos de curioso, que se quedam pelo sintoma e, com isso, mais não fazem do que multiplicar febres e alucinações em joana(o)s d’arc sempre em busca de sacrifícios redentores.
O combate pela filosofia na escola era, há um ano (dois, três...), indispensável e urgente como parte de um projecto – que é também o seu – de formação para uma cidadania universal, esclarecida pela razão. Hoje, ainda sem um plano, mas largamente amplificados os sinais de esvaziamento da esfera pública política, sem dúvida também por falta de uma cultura filosófica temperada no cepticismo e na crítica, torna-se porventura ainda mais importante defender a filosofia como parte da afirmação genérica da cidadania democrática e de uma educação orientada para o respeito pelos valores da justiça, da liberdade individual e do conhecimento.
O que não deveria surpreender-nos, em todo o caso, é o mesmo recorrente anúncio da morte por vir, pois é essa, em boa medida, a marca da sua condição originária (e uma das primeiras ‘anedotas’ que a tradição impõe). E que alguns de nós tenhamos aceite ignorá-lo, só revela imprudência de assalariado, não a menor importância da filosofia no processo civilizador que é, no fundo, todo o processo educativo.
Admita-se que a filosofia escolar não está, hoje, em posição de dar o seu melhor contributo para o programa recentemente fixado por Vasco Pulido Valente (VPV): fazer de toda a «criatura “instruída” [...] uma criatura “educada”, intelectualmente educada, pelo menos». E, muito menos, de responder sozinha à pergunta sobre a finalidade, o objectivo da educação – «para que se educa?» –, embora saibamos que «o que se educa é, afinal, um homem ou uma mulher para o que gostaríamos que eles fossem»[2]. Mas isso não impede que sustentemos ser a filosofia, ainda e cada vez mais, indispensável à formação de ‘criaturas educadas’, para usar a expeditiva fórmula de VPV.
Num texto clássico de Hannah Arendt fixa-se, com cristalina transparência, o programa perene para a escola, como instituição que faz a mediação entre a família e o mundo. E esse programa compreendem-no bem os filósofos e os professores de filosofia. Através da educação, sustenta Arendt, realizam-se três tarefas indissociáveis: introduzir a criança ao/no mundo, proteger a criança do mundo, proteger o mundo da vaga de novos recém-chegados que, a cada geração, nele é lançada. O educador é «responsável pelo mundo»:
«Frente à criança, é um pouco como se fosse um representante de todos os adultos, que lhe mostraria as coisas, dizendo: “Eis o nosso mundo.”»[3]
Ao assumir a responsabilidade pelo mundo, esse mundo que designa e vai revelando gradualmente, o educador compromete a criança, o jovem, com as gerações passadas, com o mundo presente, com a sua comunidade política.
É por isso que a defesa da filosofa não pode ser só relativa à escola. Ou só relativa aos exames, como dupla garantia – da seriedade do empreendimento educativo e do merecimento do ‘ganha-pão’. Ou só fundada numa pretensão à ‘cientificidade’ (noção tornada obscura e «violenta»[4], de tão insistente e indiscriminadamente usada) dos seus conteúdos. E não pode, seguramente, ser vinculada a uma só tradição, embora seja certo que também não pode deixar de se enraizar na língua e na história. Como disse o Prof. Cerqueira Gonçalves, «[n]enhuma linguagem melhor do que a natural, devido ao seu poder de articulação e de acumulação progressiva de sentido, se mostra capaz de construir a mais rica topografia do mundo, cumprindo assim a trajectória fundamental deste.»[5]
Por isso, é negar a natureza mesma da filosofia querer ignorar a sua íntima vinculação à língua materna, como campo de possibilidade e efectuação, nem que seja, do mero exercício escolar. Ou à inscrição temporal dos problemas e conceitos, e, por esta via, à história como corpo e carne da sua problematicidade, não obstante a indiscutível pertinência da objecção de Franco Alexandre: «ainda assim, será no presente atemporal definido pelas questões filosóficas que levantarmos e formularmos hoje que se jogará a dialéctica das teses»[6].
O combate pela filosofia, enquanto parte do combate pelo homem e mulher que gostaríamos que fossem, conduz à defesa do «direito à filosofia» como direito do jovem a um módico de proficiência, crítica, na utilização da língua materna e à imersão, crítica, no tempo e na história – no tempo humano.
Para Jacques Derrida, a materialização do direito à filosofia, «de um ponto de vista cosmopolítico», tem como consequência fundamental que uma política da filosofia não seja apenas «uma política da ciência e da técnica, mas uma política do pensamento que não ceda nem ao positivismo nem ao cientismo nem à epistemologia, e reencontre, à medida de novos desafios, na sua relação com a ciência, mas também com as religiões, mas também com o direito e a ética, uma experiência que seja simultaneamente de provocação ou de respeito, mas também de autonomia irredutível»[7].
O sentido de tal interpelação não é estranho aos professores. Mas os termos da sua concretização têm de ser obtidos numa disputa que deve abandonar o exíguo território ao qual se tem visto, nos últimos anos, dócil e debilmente confinada a apologia da filosofia na escola secundária
_________________________
*Professor do Ensino Secundário

[1] Desidério Murcho, «O Ministério Pimba da Educação», Público, 4.1.07
[2] Vasco Pulido Valente, «Que educação?», Público, 8.5.07
[3] «La crise de l’éducation», in La crise de la culture, idées/Gallimard, p. 243. Cf. a tradução de Olga Pombo, em Quatro textos excêntricos, Relógio d’ Água, 2000. A propósito deste texto, lembra OP ter sido publicado originalmente em inglês, no ano de 1957, com o título «The crisis in Education».
[4] Dizia Fernando Gil, a propósito da intolerância no campo filosófico: «Violência significa o contrário de defesa e refutação – significa não se sentir obrigado a argumentar suficientemente a tese própria e empurrar sistematicamente o adversário para a obrigação de justificar, ele, a sua posição – exactamente ao invés das regras do ónus da prova, tal como Aristóteles as fixou definitivamente». Acentos, INCM, 2005, p. 239.
[5] Fazer Filosofia – Como e Onde?, Braga, Faculdade de Filosofia da Universidade Católica, 1990.
[6] «Perspectivas e limites do ensino da filosofia», in Filosofia Vol. II, 1/2, 1988 (1986), p. 20
[7] Le droit à la philosophie du point de vue cosmopolitique, Éditions UNESCO, 1997, pp. 39-40.

Publicado pelo Jornal de Letras - Educação Junho 2007

11.7.07
 
ENSINAR/APRENDER FILOSOFIA
ENSINAR/APRENDER FILOSOFIA[1]
Celestino Froes David*
As características próprias da disciplina de Filosofia no ensino secundário e as condições actuais em que se desenvolve o ensino da Filosofia nas escolas mostram uma acentuada degradação, devido a constrangimentos que afectam os professores em geral, como todos reconhecem. Trata-se de problemas que afectam a autoridade do professor na sala de aula, na sua relação com os alunos, na avaliação, no quotidiano da actividade docente que transformam os professores em funcionários burocratas, mais atentos a problemas administrativos do que às tarefas que constituem a sua verdadeira função de ensinar e desenvolver em si próprios e nos alunos o gosto e o prazer pelo saber filosófico. Sem esta satisfação pelo trabalho desenvolvido não há certamente resultados satisfatórios nem compensadores.
Neste contexto o ensino da Filosofia tem sido desqualificado e/ou esquecido por quem tem responsabilidades no Ministério da Educação. É este esquecimento que nos alerta, numa altura em que se menospreza a formação filosófica nos curricula dos alunos e se extingue a necessidade de um exame nacional desta disciplina como acesso ao ensino superior. Perante estas preocupações os professores das três escolas secundárias de Évora reuniram-se e sintetizaram as suas reflexões num manifesto que exprime os aspectos considerados essenciais no debate sobre este tema. Que este problema ultrapassa largamente os aspectos institucionais relacionados com o ensino secundário e superior e tem consequências negativas óbvias no desenvolvimento social e cultural do país, eis o que parece notório para todos, excepto talvez para os que têm a função de tomar decisões desta gravidade.
Em primeiro lugar devemos acentuar que a manutenção da disciplina de Filosofia, anteriormente designada como Introdução à Filosofia, não está posta em causa nos curricula dos 10º e 11º anos de todos os cursos científico-humanísticos e cursos tecnológicos do ensino secundário como disciplina de formação geral, pelo que nada nos leva a supor que a situação se venha a alterar. Acresce que as indicações da União Europeia, como por exemplo o Relatório Delors (1996)[2] e documentos da UNESCO, vão neste mesmo sentido de reconhecer e favorecer a formação filosófica no ensino secundário.
A criação de um exame nacional de Filosofia no 11º ano que teve a sua primeira época em 2006 e terá ainda continuidade em 2007, foi um episódio lamentável que veio substituir o exame nacional de acesso ao ensino superior até então realizado no 12º ano. Foi esta substituição, realizada sem qualquer fundamentação sólida, que veio lançar a confusão e dar origem a outros equívocos que os professores de Filosofia do ensino secundário bem conhecem. Refiro-me à introdução de umas chamadas Orientações para a Leccionação dos programas de 10º e 11º anos e a um novo modelo de exame para o 11º ano que foram adoptados pelo Ministério com o beneplácito da Sociedade Portuguesa de Filosofia, da Associação de Professores de Filosofia (APF) e ainda da equipa responsável pelas reformulações do Programa de Introdução à Filosofia (aprovado em 1991). Apesar das reservas manifestadas pela Associação de Professores de Filosofia[3] os documentos foram aprovados depois de várias reuniões no Ministério. Os argumentos utilizados para justificar as ditas Orientações acentuavam a necessidade de compatibilizar o programa com um novo exame nacional. Também não compreendemos a posição da equipa revisora dos programas em vigor ao aceitar estes documentos que desvirtuam todo o trabalho realizado.
Quem quiser ter uma noção mais fiel do que aqui estava em causa deverá consultar estas duas peças de má memória onde se detecta a influência preponderante da Sociedade Portuguesa de Filosofia: as Orientações já referidas e a prova de Exame Nacional de 11º Ano de 2006. As primeiras, como dizia inicialmente a APF, constituem uma substancial e ilegítima alteração do Programa – e dizemos nós, uma subversão do Programa tornando-o doutrinário no sentido da Filosofia Analítica, reduzindo significativamente a pluralidade filosófica, pedagógica e didáctica que o caracterizavam. Os constrangimentos a que as ditas Orientações obrigam vão ao ponto de estipular como devem ser leccionadas certas temáticas e quais os autores e textos de referência obrigatórios. Trata-se evidentemente de condicionar professores e alunos a um modelo de exame que não tem antecedentes no ensino da Filosofia e que chega ao cúmulo de apresentar questões de escolha múltipla! Este fenómeno espúrio aconteceu pela primeira vez no exame nacional de 11º ano de 2006 e vai repetir-se este ano no último exame nacional previsto. Em boa hora o Ministério da Educação resolveu suspender estas Orientações no início do actual ano lectivo, último ano em que se prevê a realização do exame de 11º ano.
A questão que colocamos é muito simples: vale a pena propor um exame nacional de 11º ano para o ingresso no ensino superior? Se tivermos em conta os condicionalismos já apontados anteriormente, a resposta é claramente negativa. Reconhecemos a necessidade de exames nacionais e a sua função de proporcionar uma avaliação independente, justa e equitativa. Aliás, o Documento de Revisão Curricular já previa a realização de um exame no final do 11º ano. Ora as competências que o Programa prevê para os alunos no final do 11º ano são: saber recolher informação, clarificar o significado e saber utilizar conceitos fundamentais, redigir textos, participar em debates, analisar e compor textos argumentativos, realizar um pequeno trabalho monográfico. Não são estas competências comparáveis com as assinaladas para o 12º ano, onde se propõe uma verdadeira preparação para o ensino superior? Percebe-se assim que os primeiros anos de ensino da Filosofia, cujos programas tinham a designação de Introdução à Filosofia, não são necessariamente os mais indicados para serem utilizados no ingresso ao ensino superior, e muito menos num exame com este propósito.
O que propomos é a reintrodução do exame nacional de Filosofia no 12º ano como prova de acesso ao ensino superior. Este Programa, sem as alterações recentes que o tornaram inoperacional para provas de exame, é sem dúvida o melhor instrumento propedêutico para o ensino superior. Centrado na leitura integral e interpretação de três obras filosóficas de três épocas diferentes, este programa proporcionava condições únicas e estimulantes de trabalho hermenêutico e fornecia aos alunos a oportunidade do contacto com as obras de filósofos marcantes na história da filosofia. Os resultados obtidos nos exames de 12º ano corroboram as virtudes do programa e mostram que o critério dos professores de Filosofia é plenamente justificado e pode apresentar resultados satisfatórios.
É a inexistência do exame nacional de 12º ano que está a provocar a diminuição do número de alunos e de turmas, bem como a desqualificar o ensino da Filosofia, pois como já referimos, era esse programa que sempre tinha servido de acesso ao ensino superior e nunca o do 10º e 11º anos.
Apelamos à ponderação sobre esta proposta que consideramos ser a que melhor defende a qualificação dos alunos e do ensino da Filosofia no ensino secundário, permitindo uma melhor qualidade no trabalho desenvolvido com repercussões positivas no ingresso no ensino superior.
_____________________________
*Professor da Ensino Secundário

[1] *Comunicação apresentada no Encontro “Olhares sobre a Filosofia”, realizado no Centro Nacional de Cultura no passado dia 23 de Março.
[2] Delors, J. (dir.) (1996), Educação – um Tesouro a Descobrir, Porto, Asa.
[3] Boletim Informativo da APF, III série nº7, Julho 2005 – "Ao primeiro documento (modelo de exame) respondemos com sérias reservas, mas construtivamente. Tratava-se de aperfeiçoar apenas um modelo. Porém, quando num curto espaço de tempo tivemos que tomar posição perante um texto de trabalho intitulado Orientações para a Leccionação do Programa, do qual nos dissociámos quase sem reservas, verificámos que não se tratava de melhorar um Programa e a sua leccionação mas de o alterar substancial e ilegitimamente."

Publicado no Jornal de Letras - Educação Junho 2007

10.7.07
 
Pelos Estados Gerais da Filosofia
Celestino Froes David e João Santos*

Os números não mostram que a ‘filosofia dos liceus’ esteja em declínio:
. Há 30 anos, a taxa real de escolarização no ensino secundário (nº de alunos /nº de portugueses na faixa etária correspondente) era de 8,9%;
. Há 30 anos, na melhor das hipóteses, cada um dos 9 em 100 portugueses, entre os 15 e os 17 anos, que frequentavam o ensino secundário estudava Filosofia durante um único ano lectivo;
. Em 1999-2000 frequentavam o ensino secundário 331 mil alunos (a esmagadora maioria dos quais no ensino diurno), sendo a disciplina de Introdução à Filosofia obrigatória nos 10º e 11º anos e Filosofia opcional no 12º ano;
. As escolas de ensino superior resistiram longamente à fixação de nota mínima positiva (9,5 ou +) para ingresso, parecendo, em boa medida, indiscriminada a eleição das disciplinas específicas;
. Em 2004-5, a taxa real de escolarização no secundário era de 59,8% e a esmagadora maioria dos alunos frequentava cursos com oferta obrigatória de Filosofia ao longo de dois anos;
. Com a entrada em vigor do dispositivo curricular criado pelo DL 74/04, a carga lectiva semanal da disciplina de Filosofia cresceu de três para 4 tempos, nos dois anos em que é obrigatoriamente estudada, na componente de formação geral dos cursos de ensino secundário geral e tecnológico.
E no entanto,
- No ensino secundário, nunca foi explorada, com a indispensável determinação, a hipótese de uma disciplina de filosofia trianual com uma inteiramente diferente repartição das matérias, ponderados a diferente natureza dos cursos e o nível etário dos alunos;
- Também não tem havido disposição para discutir, serena e longamente, o estatuto e os recursos da filosofia, tanto no conjunto das formações secundárias (e não só nos cursos gerais e tecnológicos) como na formação inicial e contínua de adultos (nomeadamente nas profissões da justiça, da educação e da cultura);
- Finalmente, também não é geralmente discutida a questão das opções profissionais para os jovens licenciados e mestres sem vocação ou colocação no ensino;
Por isso, justifica-se, a nosso ver, apelar a um grande debate sobre as condições e os objectivos do ensino da filosofia e do trabalho filosófico em geral. Lembramo-nos dos anos, já longínquos, em que líamos as actas dos encontros do GREPH (Groupe de recherches sur l’ enseignement philosophique), nomeadamente as relativas aos Estados Gerais de 1979;
Parece-nos que vai sendo tempo de reunir os professores e os professores de professores e os filósofos para, num clima de abertura e genuína vontade de partilhar experiências e perplexidades, darmos expressão concreta, mais uma vez, à declaração de Jankélévitz na sessão de 16 de Junho de 1979:
«[A] função [da filosofia] é contestar, mas o seu destino é ser contestada; é portanto necessário reconquistá-la incessantemente, e sobretudo merecê-la.»

*Professores do Ensino Secundário

Publicado no Jornal de Letras - Educação Junho 2007