Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

27.4.06
 
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O PROCESSO DE BOLONHA*
O QUE SE PASSA COM O 2º CICLO DO BÁSICO

Ao longo de mais de trinta anos, a experiência demonstrou que as rupturas entre ciclos são demolidoras nos percursos dos alunos. Foram-se fazendo progressos, mas o facto é que não houve capacidade política para estabelecer unidade e coerência em matéria de formação, de gestão de pessoal e de equipamentos, e da própria gestão do currículo na escola básica.

1. Diplomas diferentes para a Formação Inicial de professores?

Foram recentemente anunciadas medidas para o reconhecimento de habilitações e condições de acesso à docência que condicionarão fortemente a formação inicial de professores do 1º ciclo e dos educadores de infância. Mantendo embora o princípio do grau de licenciatura para a profissão docente em todos os níveis de escolaridade, essas condições são atravessadas por subtis diferenciações que põem em causa a coerência da formação inicial e a própria unidade da escolaridade básica. [1]

A confirmarem-se, virão a perpetuar clivagens de prestígio, enraizadas na cultura docente, e que têm sido muito nocivas na constituição de equipas de trabalho transversais, necessárias para a qualidade do ensino, no âmbito dos agrupamentos de escolas.

Levada ao limite, esta lógica conduz-nos a um curso /diploma, para a docência em cada ciclo: um para a educação Pré- Escolar, outro para o 1º ciclo (de 4 anos), outro para o 2º ciclo (de 2 anos) e sobre o qual não se têm ouvido referências, e ainda outros dois, para o 3º ciclo e para o Ensino Secundário!

Acresce a necessidade de formação para a acção com os 0-3 anos e (porque não?) para o Ensino Superior…E, já agora, será também de configurar diplomas específicos para os Ensinos Técnico-profissional e Artístico…E devo estar a esquecer alguns ramos!!...


2. O que se passa com o 2º ciclo?

De lugar onde germinaram muitas das boas mudanças no sistema educativo, nos anos 70, o 2º ciclo do Ensino Básico passou a ser um patamar “entalado” entre o 1º e o 3º ciclos.

Na sua criação, na reforma dos anos 60, o ciclo “Preparatório” (do Ensino Secundário), que a Lei de Bases de 1986 veio confirmar, tinha um sentido de sequência do Ensino Primário em regime de professor único.

À sua estrutura de áreas bidisciplinares, corresponderam a profissionalização e a formação inicial de professores que confere um diploma “duplo”, dirigido à docência no 1º ciclo e numa área do 2º ciclo. [2]

Mas, ao longo de mais de três décadas, a organização do serviço dos professores no 2º ciclo foi mantendo o ensino em disciplinas separadas e os alunos continuaram a ter de transitar de 1, para 10 professores. Esta prática agrava o contraste entre os dois ciclos, provocando uma transição muito difícil para os alunos, o que é um factor determinante de insucesso escolar.

Ora as naturais inquietações quanto ao alcance da formação inicial para o ensino em seis anos de escolaridade, têm polarizado o debate em torno das diferenças entre os ciclos, em vez de se analisarem os benefícios e as implicações da continuidade do currículo nessa faixa do sistema escolar, dos 6 aos 12 anos.


3. O currículo da escola básica e o sentido dos agrupamentos de escolas

A reorganização da rede escolar, com a criação dos agrupamentos, visou”favorecer um percurso sequencial e articulado dos alunos …” (do DL 115-A/98).

No entanto, na estrutura dos quadros de pessoal docente de cada agrupamento, mantêm-se os estratos profissionais herdados do tempo do Estado Novo, que correspondiam a diferentes níveis académicos, sem traduzirem a organização escolar adequada ao acompanhamento sequenciado dos alunos.

E, como consequência nefasta, tem-se desperdiçado, sem avaliação, a vantagem que pode ter representado a formação inicial de uma geração de jovens professores (já cerca de 10 anos de atribuição de diplomas), potencialmente capazes de lidarem com uma sequência de trabalho mais adequada às necessidades de aprendizagem dos alunos, correspondente a uma unidade curricular consistente, nesse período escolar de seis anos.

O 2º ciclo é visto, agora, como uma escola de tutela, a sede do agrupamento, e como um remate de cúpula do ciclo antecedente e, o que é pior, tem contaminado este com o conceito de que o somatório de múltiplos conteúdos especializados constitui um currículo.

Por onde passa, então, a identidade dos 5º e 6º anos?

Como tirar partido da coexistência, na mesma organização escolar, de profissionais que actuam dos 3 aos 15 anos, para delinearem percursos coerentes para os alunos?

Ao viabilizarmos, na rede escolar, processos de articulação “vertical” entre os ciclos, seria agora oportuno analisar os sentidos do trabalho do professor da classe, com apoios em áreas não abrangidas pela sua formação, e aplicar esse conceito a um ciclo mais longo do que o actual 1º ciclo de quatro anos.

Assim, o 2º ciclo, ou poderia considerar-se como um prolongamento do 1º e abrangeria 6 anos, ou poderia “repartir-se”, constituindo-se então um 1º ciclo com os primeiros 5 anos e um seguinte, abrangendo do 6º ao 9º ano.

Essa é a alternativa à compartimentação por disciplinas, já de si excessiva nos 5º e 6º anos, e que está actualmente a alastrar para a organização do 1º ciclo, subvertendo completamente o sentido do currículo integrado.

Qualquer dessas soluções não é contemplada pela Lei de Bases da Educação, que teria que redefinir a estrutura do Ensino Básico. No entanto seria do maior interesse, no momento actual, valorizar estratégias de articulação entre os ciclos, e prevenir que se acentuem as fracturas entre eles.


4. Para a continuidade do percurso escolar …que formação?

A Formação Inicial, agora a ser delineada no quadro do “processo de Bolonha”, não pode ser dissociada da lógica que se aplica à concepção do Ensino Superior, no seu conjunto

A determinação de graus diferenciados e a correspondente formatação dos planos de estudos, à partida associados aos ciclos da escolaridade a que se dirigem os diplomas, compromete um dos critérios apontados no acordo de Bolonha, que é o da flexibilidade, o qual implica uma formação de banda larga, facilitadora da permeabilidade entre percursos no ensino superior.

Essa clivagem é ainda acentuada com as diferenças na composição dos diplomas, também anunciadas entre Ensino Politécnico e o Universitário [3] .

Se tivermos também em conta as (im)previsíveis mudanças sociais, demográficas, culturais e outras, nos próximos tempos e nas décadas por vir, reconheceremos o valor desta flexibilidade. Ela facilitará o ajustamento dos profissionais, a aquisição e a renovação de competências, enfim, a movimentação no sistema.

Estas são condições que se articulam com outro princípio, o da Aprendizagem ao longo da Vida, o qual faz salientar a importância política a atribuir urgentemente à Formação Contínua, como um dispositivo permanente de valorização pessoal e profissional.

A necessidade de configurar agora os modelos da Formação Inicial evidencia a importância de avaliar e rentabilizar a experiência adquirida e os recursos existentes, de modo a evitar fórmulas que, pela sua rigidez, sejam dificilmente reversíveis ou ajustáveis a novas conjunturas sociais e culturais.



[1] Ver na página do Ministério da Educação http://www.min-edu.pt/Scripts/ASP/medidas.asp, a proposta de diploma e o esclarecimento inserido na sequência de reacções e de dúvidas provenientes de diversos sectores, segundo a qual “a licenciatura dos educadores de infância e dos professores do 1.º ciclo contempla entre 180 a 240 ECTS”, enquanto as dos outros ciclos têm, como mínimo, 240.

[2] os cursos de licenciatura para docência no 1º ciclo com Variantes para o 2º, integrando duas disciplinas, realizado desde os finais da década de 80, nas Escolas Superiores de Educação.

[3] DL nº74/2006 - Regime jurídico dos graus e diplomas do ensino superior, recentemente publicado

Maria José Martins

* Publicado no Jornal de Letras - Educação - Abril de 2006

25.4.06
 
O 25 de Abril na Educação
E hoje, antes que acabe o 32º aniversário do dia inteiro e limpo, celebremo-lo pensando qual terá sido o principal contributo do 25 de Abril para a educação :

A expansão enorme a todos os níveis ? O pré-escolar público ? A dignificação dos professores ? E mais ? Que dizem ?

Apesar das nossas insatisfações, apesar das nossas inquietações, esta é (ainda) a Primavera do nosso contentamento... Por isso hoje não há críticas !

Maria Emília Brederode Santos

23.4.06
 
Reaparecimento da NOESIS
Reaparecimento da Noesis

Para que a inovação educativa seja consistente não pode ser improvisada. Necessita de vários ingredientes, entre os quais estudo, reflexão sobre a prática, acompanhamento, modos de agir que favoreçam a implicação dos professores, e dispositivos que permitam apoiar, difundir e avaliar as inovações.
Em 2002 foi extinto o Instituto de Inovação Educacional (IIE) desaparecendo com ele um centro decisivo para o apoio à inovação. Os responsáveis por essa acção leviana, que nunca foi explicada, deixavam transparecer que eram inúteis os estudos em torno da inovação. Para eles bastaria provavelmente regressar ao passado e fazer tudo como dantes. Desprezavam a dificuldade trazida pelos desafios do mundo actual, designadamente as TIC e ignoravam também os efeitos da democratização do acesso a todos os níveis de ensino.
Cortaram assim as antenas entre o Ministério da Educação as escolas e os professores que no terreno queriam inovar para melhorar as aprendizagens dos alunos. Destruíram projectos de coordenação interescolas e redes que trabalhavam as mudanças.
Porque para se fazer um trabalho sério, rigoroso e adaptado aos novos desafios do mundo actual e da democratização do ensino, a inovação é indispensável, saúdo o reaparecimento da Noesis, que pode, com a qualidade comprovada da sua direcção e equipa, vir a ocupar de novo um espaço importante como instrumento de apoio, difusão e produção de conhecimento sobre as inovações.

Ana Maria Bettencourt

 
L'école est finie?
Arrêt sur images: http://www.france5.fr/asi/007548/32/

L'école est finie ? Dernière diffusion le 23 avril 2006
Invités : Christophe Nick, Marie Satrin, Martine Storti, Jean-Paul Brighelli
Comment le réalisateur de la série documentaire Ecole(s) en France a-t-il choisi les classes et les enseignants filmés pendant plusieurs semaines ? Cette sélection est-elle représentatve des méthodes d'enseignement dans l'Education nationale ? Le niveau des élèves baisse-t-il en France ?
L'enseignement scolaire, dit classique, bride-t-il la créativité de certains enfants, comme le montre les documentaires ? La grande majorité des enseignants fait-elle vraiment preuve d'autoritarisme dans les classes ? Les documentaires Ecole(s) en France accentuent-ils délibérément leurs rigidité et sévérité ?

Les vidéos seront disponibles dès dimanche, après la diffusion de l'émission.

Cette semaine, nous avons voulu savoir comment on enseigne à nos chères têtes blondes
Ecole(s) en France : montage(s) en cause ?
Pédagogie : la querelle des anciens et des modernes
Quand les profs envahissent le Net

22.4.06
 
NOESIS
A NOESIS - a revista do malogrado IIE - vai regressar !

Apresenta-se à sociedade no dia 26 de Abril, às 15 horas. Apadrinha-a a Ministra da Educação, acolhe-a a Directora Geral da DGIDC, Cristina Paula, apresentam-na a abaixo-assinada e directora da revista Maria Emília Brederode Santos e a sua numerosa redacção constituída por Elsa Barros e Teresa Fonseca.

Segue-se um debate, animado pela Maria José Martins, em que participam professores de diferentes níveis de ensino e da formação : Manuel Rangel do 1º ciclo e também director de um colégio; Filomena Matos do 2º e 3º ciclos; Armandina Soares, presidente dum Conselho Executivo; Paula Teixeira do Secundário; Mª Céu Roldão da formação de professores. O tema será a apreciação da NOesis como instrumento para a reflexão e para o debate entre professores.

Em fundo existirá uma pequena exposição - sobre "20 Anos de Noesis" - organizada pela Cecília Guimarães e o Rui Seguro.

Todos os/as Inquietos/as e seus leitores estão convidados a aparecer !

Maria Emília Brederode Santos

16.4.06
 
Contra o retrocesso
Dinamizar uma campanha para acabar - já! - com a violência contra as crianças (no cumprimento da da ONU) é a sugestão que um Anónimo (mas porquê anónimo ? Não seria mais interessante identificar-se ?) faz às Inquietacoes Pedagógicas.

Que acham ? Como começar ? (Melhor : como continuar - visto que já dedicámos por duas vezes a nossa dupla página no Jornal de Letras a esse tema)

Entretanto (ia escrever "entrementes" mas receio abusar dos vossos olhos modernaços) seguem mais algumas informações legais e factuais sobre a situação em Portugal :

Portugal surge, em vários documentos do Conselho da Europa e das Nações Unidas, como um país que, não tendo legislação específica que proiba expressamente os castigos corporais, apresentou, no entanto, jurisprudência nesse sentido (uma decisão do Supremo - sim, sim, este Supremo Tribunal de Justiça que agora produz este acórdão - de 1994, interpretando o art. 143 do Código Criminal como proibindo o uso de qualquer forma de violência física contra crianças, susceptível de constituir uma ameaça à sua integridade física, dignidade pessoal ou ao seu desenvolvimento físico ou psicológico (ver "Ending legalised violence against children, Report for Europe and Central Asia Regional Consultation -the UN Secretary General Study on Violence against Children, 2005, p. 11).

Que tal ? Podemos ou não falar de retrocesso ? Uma via possível para esta campanha e para evitar estes retrocessos seria a produção de legislação interna que regulamentasse as normas internacionais assinadas por Portugal sobre esta matéria.

De novo : I shall return !

Maria Emília Brederode Santos

"

 

Respondendo ao comentário de quem assina "admirador antigo" ao meu post de 13/4/06, aqui vão algumas informações :

A Convenção dos Direitos da Criança (em cuja feitura Portugal participou amplamente) foi assinada em N.Y. a 26 de Janeiro de 1990, aprovada para ratificação pela Assembleia da República pela Resolução nº20/90 e ratificada pelo Decreto do PR nº49/90 de 12 de Setembro.

Esta Convenção não só reconhece e define os direitos de todas as crianças (ser humano menor de 18 anos), sem discriminação alguma, como reconhece às crianças com deficiência outros direitos que incluem a obrigação do Estado de desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com elas, de assumir o encargo da realização dos seus direitos e ainda de proporcionar respostas específicas a problemas especiais .

Veja-se designadamente o Art. 74, nº 2, g) da Constituição da República Portuguesa; o Art. 16, nº 1 a) e 2 da Lei 46/86 de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo); o DL nº 35/90 de 25 de Janeiro e nº 319/91 de 23 de Agosto sobre regime educativo especial.

E por hoje é tudo. I shall return !

Maria Emília Brederode Santos

14.4.06
 
Vêem como é pertinente - e urgente - a campanha da ONU "Acabar já com a violência contra as crianças" em Portugal ?
ESta campanha da ONU não tem sido levada a sério em Portugal, como se os casos de violência familiar denunciados - as Vanessas torturadas por pais e avós - fossem produtos de monstros numa sociedade de bons - e brandos - costumes.

Mas não é assim. A tolerância à violência familiar é enorme : nas instituições que deviam defender as crianças, nas mentalidades de vizinhos e amigos, nas expressões populares como "de pequenino se torce o pepino", "quem dá o pão dá o pau", "um safanão dado a tempo nunca fez mal a ninguém"...

O pior é mesmo quando essa tolerância toma roupagens académicas e científicas. É contra isso que me insurjo no caso deste acórdão e não contra a decisão propriamente dita. A arguida, trabalhando das 7 h da manhã às 23 h e ainda passando a noite na instituição,nãoestaria certamente em condições para o desempenho do cargo mesmo que tivesse preparação para tal ( o que também não era o caso).

Não se trata portanto de crucificar ninguém mas de denunciar uma cultura vigente de tolerância para com a violência (física mas não só...) contra as crianças,contrária ao direito positivo e aos compromissos internacionais assinados por Portugal nessa matéria.

Maria Emília Brederode Santos

 
Reagindo ao acórdão
Um acórdão do STJ
O profissionalismo dos que lidam com crianças portadoras de deficiência deverá abranger competências relacionadas com dificuldades específicas, quer no relacionamento pessoal com os educandos, quer no funcionamento das instituições.
Ele implicará, certamente, a capacidade de resposta a situações ainda mais imprevisíveis do que noutras circunstâncias e a segurança dos próprios profissionais, mas não pode contemplar soluções de exercício violento da autoridade, como é o caso do castigo corporal ou de punições que põem em causa a dignidade dos educandos enquanto pessoas. Soluções deste género bloqueiam qualquer sentido educativo e configuram actos de natureza vindicativa e de pura agressão a seres com poucas defesas.
Como pode o Supremo Tribunal, um órgão de soberania com responsabilidade na salvaguarda de princípios constitucionais, legitimar e até louvar tais actos e emitir doutrina de tipo moralista, baseada em estereótipos socioculturais retrógrados?
No actual contexto social, com casos tão frequentes de maus-tratos infligidos a crianças, que noção têm os respectivos autores sobre o impacto de um acórdão com este conteúdo, podendo ser tomado como precedente ou influir na criação de doutrina?

Maria José Martins

13.4.06
 
DISCIPLINA, CASTIGOS CORPORAIS e APRENDIZAGEM DA DEMOCRACIA
Disciplina, castigos corporais e aprendizagem da democracia.

A polémica instaurada a propósito do acórdão do STJ sobre os castigos corporais tem sido reveladora do que se pensa sobre disciplina e castigos corporais.
Tudo gira em torno do entendimento do que pode ser uma acção educativa visando o cumprimento da disciplina.
É chocante a falta de informação. É chocante que um órgão com a responsabilidade do STJ assuma que os castigos corporais podem constituir um meio de educação!
Em democracia têm de existir regras e leis. Considero por isso que nas instituições educativas da democracia “é permitido proibir”...a questão é saber com que meios se fazem cumprir as regras e as leis.
Não se pode fazê-lo nunca através de castigos corporais, porque eles são um atentado aos Direitos Humanos e prejudicam o desenvolvimento das pessoas. O medo que suscitam não é uma base para aprender o que quer que seja.
Abolir os castigos corporais é sem dúvida uma iniciativa que deve mobilizar os cidadãos deste país. Mas não podemos ficar por aqui. A democracia exige que se pense nos meios a usar, para gerir a autoridade e a disciplina em meios educativos. Não posso concordar com a frase atribuída ao Ministro do Trabalho e Solidariedade Social, Público 13/4, “A nossa orientação é que todos os instrumentos de disciplina que sejam necessários devem ser implementados, mas isso não deve, em nenhum caso, incluir instrumentos de violência física”.
Porque queremos formar cidadãos com competências para viver em democracia, temos de pensar nos instrumentos que usamos para fazer cumprir as leis (e não servem quaisquer instrumentos).
O cumprimento de regras e de leis é essencial a um desenvolvimento dos alunos em segurança e à aprendizagem da cidadania.
Mas é importante que as regras e as leis sejam compreensíveis e que haja uma atitude de negociação, sendo claro para todos, educadores e alunos, o que é negociável e o que é constitucional num espaço educativo, e por isso não deve ser transgredido. Numa instituição educativa bem organizada, onde existe respeito mútuo e auto-estima, onde existem condições para um desenvolvimento harmonioso das pessoas, é muito importante que se aprenda, por exemplo, a participar na gestão da vida colectiva.
No regime autoritário, estas aprendizagens eram consideradas inúteis e mesmo perigosas para o funcionamento das instituições...... O papel do educador era fazer cumprir a disciplina de forma autoritária, calando argumentos que os educandos pudessem apresentar.
Agora que os tempos são outros, os instrumentos de regulação da autoridade que utilizamos nas instituições educativas são muito importantes. As alternativas não podem situar-se entre a falta de regras, onde vale tudo, ou a obediência sem direitos.
Há assim competências a exigir aos educadores e professores, ainda mais quando lidam com situações em que existem crianças e jovens portadores de deficiência, como acontecia no polémico caso.

Ana Maria Bettencourt

 
Cambridge

Andava há uns dias em Cambridge no meio de inúmeros grupos de estudantes do ensino secundário das mais variadas nacionalidades, a pensar nos alunos portugueses que tão poucas oportunidades têm de viajar, nos problemas que encontram os professores que resolvem tomar a iniciativa de sair do país com os seus alunos, nas preferências em matéria de destinos escolhidos pelos finalistas portugueses.....quando, à porta do King’s College, dei com um grupo de alunos portugueses. A minha primeira reacção foi pensar que vinham de uma escola privada, onde as oportunidades deste tipo são, em geral, maiores. Afinal vinham de uma escola pública, a Anselmo de Andrade, em Almada. Foi bom ver ali aqueles jovens cheios de curiosidade e felizes por lá estarem. Felicitei as professoras responsáveis pela organização da viagem.
Ainda bem que me enganei......
Seria bom que estes exemplos fossem muito mais frequentes e que os jovens portugueses tivessem cada vez mais oportunidades de conhecer a Europa e os desafios culturais que ela oferece. Estas visitas valem pelos conhecimentos que os alunos adquirem sobre esta lindíssima cidade, mas sobretudo pelo contacto com o ambiente numa grande universidade europeia onde se cruzam, mesmo que brevemente, com jovens de muitos países.
Seria importante que a desburocratização chegasse também aos procedimentos para a realização de visitas de estudo dos jovens portugueses a outros países da Europa.
E, já agora, que fossem criados estímulos nesse sentido, e reconhecido o mérito aos professores que desenvolvem estes projectos.

Ana Maria Bettencourt

 
Estudar e conhecer o património
Ainda a propósito de Rembrandt

Divulgam-se e vendem-se nas lojas dos museus de Amesterdam, múltiplas edições sobre Arte, em diversos suportes.
Destaco o DVD Rembrandt & Kids (em holandês e inglês), na colecção “Famosos Artistas”. Consiste num “percurso” por obras-primas do pintor, explorando-as por meio de jogos, guiando o olhar e oferecendo informação que contextualiza no período histórico e na vida do pintor.
Está apresentado na página da Internet dedicada à colecção, que abrange as obras de outros pintores:
http://www.kunst-kids.nl/index.html

Outro exemplo:
O livro I spy with Rembrandt’s eye –Children’s guide. É dirigido a crianças a partir dos 9 anos e baseia-se em “olhar, ler e fazer”. A figura do jovem Rembrandt (desenho a partir do auto-retrato aos 22 anos) conduz a exploração de peças do Museu.
https://rijksmuseum.nl/webwinkel/index.jsp?group=Spellen%20/%20Kinderen&lang=en

Ambos estes documentos têm chancela do Rijksmuseum e é interessante notar que o DVD resulta de uma parceria com a English Photographic Library (Londres) e o Museu do Louvre (Paris) e que entre os patrocinadores do livro se encontra uma empresa de multinacional.
Se refiro estes factos, aparentemente pouco relacionados com as temáticas habituais neste blog, é porque deverá também inquietar-nos, nos nossos meios culturais e educativos, o incentivo à educação para o património e designadamente a educação para a fruição artística (chamemos-lhe assim…).
No nosso país, foi criado há décadas um serviço educativo no Museu Nacional de Arte Antiga que foi verdadeiramente pioneiro, e têm vindo a alastrar esses serviços, tanto nos Museus Nacionais, como em Museus pertencentes às Autarquias e em outros de entidades privadas.
Sabemos também que em muitos deles se desenvolvem dinâmicas de relação com as escolas, gerando projectos de grande significado educativo que envolvem professores, crianças e jovens.
Existe também um crescendo de formação e de produção de conhecimento neste campo, com Mestrados e outros programas de formação, em numerosas instituições portuguesas do ensino superior.

Porém, é forçoso reconhecer que não estão suficientemente divulgadas as experiências que se desenvolvem e que não existe uma prática generalizada de educação para o património. Quantas crianças portuguesas nunca visitaram um museu?
Um dos motivos de inquietação é a falta de produção documental, em diversos suportes, que ofereça aos educadores (famílias, professores de vários níveis de escolaridade e outros profissionais educativos) material para explorar as peças museológicas com prazer e com segurança na informação.
Por falta de meios? Também, mas não só…

Para além das sugestões que nos são oferecidas pelas duas obras holandesas aqui citadas, refiro as Medidas 4.1 ("Reforçar as Infra-estruturas de Banda Larga") e 4.2 ("Dinamizar a produção de conteúdos e aplicações de Banda Larga" do Programa Operacional da Sociedade do Conhecimento (no âmbito do FEDER) que promovem a criação de dispositivos e a produção de conteúdos para o desenvolvimento do acesso e da utilização de recursos e da comunicação em linha.

É, portanto, muito desejável, que surjam iniciativas de produção documental e de constituição de redes virtuais (quer de âmbito nacional, quer internacional), que reforcem de um modo eficaz este importante campo educativo.
Entidades e profissionais e envolvidos na educação para o património, eis uma dinâmica em que estamos, mesmo, com tudo por fazer!

 
"ACABAR - JÁ - COM A VIOLÊNCIA CONTRA AS CRIANÇAS !!!.."
Lê-se e não se acredita : "Na educação do ser humano justifica-se uma correcção moderada que pode incluir alguns castigos corporais ou outros . Será utópico pensar o contrário e cremos bem que estão postas de parte, no plano científico, as teorias que defendem a abstenção total deste tipo de castigos moderados (...) a finalidade educativa pode justificar uma ou outra leve ofensa corporal simples ..." etc.etc (espero que em breve seja aqui introduzido o acórdão dos juizes João Bernardo, Pires Salpico, Henriques Gaspar e Políbio Flor, do Supremo Tribunal de Justiça, referente a crime de maus tratos a crianças deficientes mentais.

Não pretendo discutir a decisão final e sim a argumentação usada - de que acima se dá um exemplo - e que parece extraída doutras eras. Saberão os doutos juizes que existe uma Convenção dos Direitos da Crianças, assinada por Portugal há mais de uma década ? Saberão os doutos juizes que está em curso uma campanha mundial promovida pela ONU que se intitula justamente "Acabar - já ! - com a violência contra as crianças!" ?

Recordo que as Inquietações Pedagógicas já publicaram, aliás, duas páginas no Jornal de Letras sobre esta problemática : uma, sob a minha coordenação, a propósito desta campanha da ONU e dos contextos onde é preciso combater esta violência (casa, escola, internatos, comunidade); e outra, coordenada pela Conceição Moita, mais especificamente sobre a violênica contra as crianças nestes lares de acolhimento e internatos.

Enquanto não voltamos a este assunto aconselho que leiam os posts sobre esse tema no blog www.bichos-carpinteiros.blogspot.com

Maria Emília Brederode Santos

12.4.06
 
Estudar e conhecer o património
No Rijksmuseum


A qualidade das fotografias não está à altura da intensidade e da beleza das cenas, mas testemunha uma acção educativa de grande significado, o contacto das crianças com o museu, no Rijksmuseum.
Em quase todas as salas do museu, como uma ilha no meio de um mar de dezenas de outros visitantes, havia um grupo de crianças ou de jovens das mais variadas idades, orientados por um monitor/a e acompanhados por um ou mais professores.
As visitas de estudo são pagas, por grupo e por adulto
Vejam a página do Museu, onde se apresentam as condições da realização das visitas
http://www.rijksmuseum.nl/onderwijs?lang=en
A barra à esquerda abre, entre outros, para o campo da Educação. Aí se apresentam as condições das visitas (dimensão dos grupos, custo do acompanhamento por um guia, temas) e ainda outras vias para explorar o espólio do Museu. E com muito melhores fotos do que estas…

Há ainda outras vias para explorar o espólio do Museu: uma base de dados, com informação que viabiliza a exploração e apresentações interactivas das peças.
Vale a pena seguir: para cada peça, várias fichas contextualizam historicamente, referem as técnicas de pintura, desvendam sentidos, questionam (Por exemplo a Ronda da Noite tem 14 entradas).
É um percurso de estímulo ao estudo autónomo e sistematizado, ou simplesmente à fruição das obras.


Maria José Martins

11.4.06
 
Rembrandt faz 400 anos

Rembrandt faz 400 anos. Está vivo, como sempre, e Amesterdão está de parabéns!
Celebra-se com exposições temáticas, em vários museus, tanto no Rijksmuseum, como no Museu Van Gogh, há concertos com música do tempo de Rembrandt, edições de catálogos e de produtos de investigação e os inevitáveis e infindáveis produtos de consumo.
Espera-se, neste ano de 2006, mais de um milhão de visitantes e eu dei o meu modesto contributo para este número.
Amanhã conto mais coisas.
Maria José Martins

IMAGEM - Um saco /envelope com o logótipo das comemorações

5.4.06
 
O Ser e o Ter : Moral da História
Respondendo ao comentário de Henrique Santos, diria que não sei as condições legais em que foi feito o filme. No entanto, não creio que professor e alunos tenham sido enganados. Creio que sabiam e concordaram em participar graciosamente num documentário sobre a sua vida na escola. Mas a vida num filme nunca é "a vida em si" : há sempre uma parte de mise-en-scène, há sempre um trabalho de preparação (pelo menos um esforço de concentração para além das luzes e da presença de intrusos), há sempre uma exposição com lados positivos e negativos... Perante o êxito comercial do filme a tentação deve ter sido grande de também ver esse trabalho financeiramente recompensado...

Mas a moral da história parece-me ser :

Quando o ser sucumbe ao ter, perde o ter e perde o ser !

Maria Emília Brederode Santos

2.4.06
 
"Etre et avoir" : epílogo
Lembram-se daquele excelente documentário, "Etre et avoir", que tornou famoso o seu autor, o realizador Nicolas Philibert e relançou comercialmente os documentários ? Tratava-se aí de uma escola primária rural, daquelas que parecem em vias de extinção e o documentário mostrava esse pequeno mundo pacífico onde nove ou dez alunos, de várias idades e várias classes, exercitavam a cabeça com o professor Georges Lopez, por entre trabalhos no campo e tarefas familiares.

O professor era bom ? Era mau ? Era diferente ? Era sobretudo um profissional : punha uma intencionalidade educativa em todos os seus actos e as conversas com os alunos revelavam ora a inesgotável vontade de aprender ora a sua dificuldade. Recordo-me em particular do diálogo professor-aluno em que o professor perguntando sempre "E depois ?" vai levando o seu aluno mais novo à descoberta da infinitude do número.

Ora este professor, entretanto reformado, ao ver o êxito do filme que a si tanto deveu - e êxito também comercial - deu-lhe para alimentar sonhos dourados, talvez pela primeira vez na vida, quem sabe ?! E vá de exigir em tribunal uma parte dos lucros. Segundo o Le Monde de 31 de Março, o tribunal não só não lhe deu razão como o condenou ao pagamento das custas. Os argumentos interessarão certamente ao mundo cinematográfico mas também a todos nós :

Disse o Tribunal da Relação de Paris que às aulas do prof. Lopez não podem ser atribuídos direitos de autor porque, embora "uma aula possa ser considerada, como uma conferência ou um sermão (...) une oeuvre d'esprit", ela deve responder ao critério da originalidade. Ora, segundo o tribunal, não haveria aqui "método pedagógico original" nem "escolha inédita de exercícios e textos".

Por outro lado, tratando-se de um filme documentário, cujo objecto é filmar pessoas que não estão a representar nem seguem um argumento e sim que desempenham, perante as câmaras , as suas tarefas e funções habituais, "não faz parte dos usos prever uma remuneração para os intervenientes para preservar a autenticidade das cenas filmadas". Só a N. Philibert coube "a escolha do tema, o relato da vida quotidiana de uma escola de classe única". As aulas e os diálogos "não foram concebidos para a obra audiovisual".

O professor Lopez também não pode ser considerado como "artista intérprete" já que foi sempre filmado no exercício da sua profissão de professor primário e como sujeito de uma entrevista e não como intérprete de um papel que não fosse o seu. Ou seja, se não há ficção, não há interpretação, não há remuneração.

Claro que esta decisão foi acolhida com satisfação pelo lado do realizador, sobretudo porque 8 das 9 famílias de crianças participantes já tinham seguido o exemplo do professor e também queriam uma compensação... A "economia do sector documentário está salva" concluíu o realizador. E a justiça ? Decerto também . Os argumentos são convincentes. Mas... há aqui qualquer coisa incómoda não é ? Apesar de tudo... o filme muito deve ao professor... e às crianças...E se o professor fosse doutro nível de ensino também não lhe reconheceriam "originalidade" ? E se...?

Maria Emília Brederode Santos