Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

26.9.08
 
Notícias de educação no New York Times
http://webmail.ips.pt/exchweb/bin/redir.asp?URL=http://lessonplans.blogs.nytimes.com:80/2008/09/25/the-cross-cultural-classroom/?th%26emc=th

Este jornal de grande dimensão mantém uma secção intitulada Lesson Plans que vale a pena apresentar pelas suas próprias palavras:
About Lesson Plans


In an age of charter schools, home schools, No Child Left Behind, standardized testing, overstretched public schools, the battle for resources, voucher plans and evolving notions about special education and special needs, the act of teaching has never been more complicated. In Lesson Plans, a group of teachers chronicle their experiences during the first weeks of the school, offering first hand accounts of today's classroom challenges from diverse perspectives.

A crónica de hoje, 27 de Setembro, é da autoria de Christina Shunnarah e tem por título: The Cross-Cultural Classroom
Duas notas a reter -
- a existência de crónicas sobre educação que focam o interior dos actos educativos, o quotidiano desses seres humanos que vivem a escola. Nem dramas, nem actos heróicos, nem momentos de catástrofe, nem medidas políticas delineadas ou a cumprir,...nem... nem...
- a clareza e a simplicidade da narração da professora, revelando um fenómeno que nos nossos dias é universal, o da aula trans-cultural.
Mas importa reparar como ela descreve o que se passa - que tarefas, que dúvidas, que potenciais conflitos, O QUE PENSA a professora, o que responde, o que significam, afinal estes momentos dessa aula...

Porque na educação, todos os momentos contam e nas notícias dos jornais, nem sempre o que se conta é o que tem significado...

Maria José Martins

23.9.08
 
Um adeus à Rita Canário
Não conhecia "bem" a Rita, mas fui-a conhecendo através dos Pais, Beatriz e Rui. A eles, aos amigos consternados que estiveram na 6ª feira passada no Alto de S. João a dizer-lhe adeus, eu deixo ficar o belíssimo texto que encontrei num livro do Mia Couto:

Os que morreram não se retiraram.
Eles viajam na água
Que vai fluindo.
Eles são a água que dorme.
Os mortos não morreram.
Eles escutam
Os vivos e as coisas
Eles escutam as vozes da água.

(Birago Diop. In: Mia Couto, O Outro Pé da Sereia, 2006)
Teresa Vasconcelos

 
IV ENCONTRO DE BLOGUES - CALL FOR PAPERS
Nos próximos dias 14 e 15 de Novembro de 2008, realizar-se-á o IV Encontro de Blogues, em instalações da Universidade Católica Portuguesa, sob o título Blogues e cultura. O encontro é promovido pelo Centro de Estudos de Comunicação e Cultura (CECC).Os temas em discussão em três painéis sucessivos serão: blogues e segmentação da blogosfera, blogues culturais e educação, e blogues e negócio.Convidamos todos os interessados a apresentar comunicações para o email encontrodeblogues@fch.lisboa.ucp.pt, até 15 de Outubro, dentro dos temas acima referidos. Os candidatos serão notificados até 25 de Outubro da sua aceitação ou não.O tipo de letra a utilizar na comunicação é Times New Roman, corpo 12, com espaço e meio de intervalo entre linhas e título das secções em bold. O texto da comunicação proposta deve incluir título, nome do autor e instituição a que o autor pertence, não ultrapassando 10 páginas A4.

Com os meus cumprimentos,
Rogério Santos
(da Comissão Organizadora do Encontro)

22.9.08
 

12 anos de escolaridade obrigatória?
Subitamente retomámos o debate sobre os 12 anos de escolaridade obrigatória. Mas será esta a prioridade para a educação?.
Defendo uma escolaridade longa e a rápida criação de meios para que ela se desenvolva, mas a análise das dificuldades da evolução do ensino básico nos últimos anos recomenda prudência .
Considero que o investimento prioritário tem de ser, ainda, em Portugal, o ensino básico.

Se cerca de 20% dos alunos não termina o ensino básico de 9 anos ou o termina com idades muito avançadas, se a acumulação de repetências e abandonos liquida ainda grande parte dos percursos educativos, não nos deveríamos preocupar prioritariamente com estes problemas?
A escola do ensino básico tem tido grande dificuldade em se adaptar à expansão e diversidade dos públicos que a frequentam. Fenómeno semelhante acontece no ensino secundário, abandonado por cerca de 40 % dos alunos antes de o concluírem.
Os organismos internacionais recomendam que o processo de expansão da escolaridade seja acompanhado do profundas mudanças ao nível da organização das escolas e do mandato e formação dos professores.
Há que conhecer bem as práticas organizativas e pedagógicas e as dificuldades até agora encontradas com o alargamento do ensino secundário, identificar melhor as razões do abandono e encontrar estratégias de prevenção deste grave problema, antes de serem tomadas decisões que implicam uma alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo, que deveria reunir um consenso alargado.

É que o problema não está nas leis .

Ana Maria Bettencourt

21.9.08
 

Insucessos da escola
Conheci J. esta semana, no seu primeiro dia de aulas. É um menino com um olhar inteligente e triste. Alguém perguntou que ano de escolaridade frequenta. A avó que o acompanhava, visivelmente incomodada respondeu que repete a 1ª classe. Passado um dia explicou-me, já sem a presença de J. , que este se encontra pela terceira vez no 1º ano de escolaridade. Que as professoras dos anos anteriores tinham considerado que os problemas familiares causados pela separação dos pais não lhe permitiam aprender como os colegas e, por isso, deveria repetir o ano para aprender mais.
Como em muitos outros casos a escola não se considerou parte do problema e assumiu uma atitude de um determinismo inaceitável, tanto mais que se sabe que o efeito do trabalho na turma pode ser decisivo .
Tenho conhecido escolas em que os professores organizam o acompanhamento dos alunos e o trabalho na escola de modo a que todos os alunos aprendam. Escolas que assumem a responsabilidade pelas aprendizagens.
Se J. vivesse num outro país da Europa possivelmente já estaria a frequentar o 3º ano e teria adquirido os conhecimentos equivalentes a esse ano de escolaridade. Estaria seguramente muito mais motivado para aprender.
Em Portugal não é, em princípio, permitido "chumbar "duas vezes o 1º ano de escolaridade, mas isso acontece, considerando-se que se fez justiça e pedagogia!
....e as consequências recaem unicamente sobre os alunos e as famílias.
O "chumbo" é a solução facilitista, a solução em que a escola assume o seu insucesso.
Ana Maria Bettencourt

18.9.08
 
Rita Canário
Um abraço das Inquietações Pedagógicas aos nossos colegas Rui Canário e Beatriz Bettencourt . A Rita Canário, sua filha, deixou-nos e deixa muitas saudades. Era uma jovem e brilhante cientista, generosa e cheia de boas qualidades.
Pertencia à nova geração de portugueses que estão a mudar a face do país.
A vida foi cruel com ela .
Um abraço de nós todos

13.9.08
 

Ainda o insucesso escolar
Nos últimos dias falou-se muito em insucesso escolar...para a maior parte o "chumbo" surge como uma inevitabilidade e um instrumento de justiça. E no entanto se quem escreve e fala fosse analisar o que se passa em grande parte dos países europeus verificava que não é uma estratégia nem para aprender mais, nem para motivar para o trabalho .
No caso português, o "chumbo" é, com frequência, um instrumento de exclusão .
Nos países da OCDE onde os sistemas educativos são considerados mais eficazes não existem retenções.
É confrangedor constatar a incapacidade de olharmos de outro modo para os percursos dos alunos. Para o modo como são regulados, apoiados. Para o modo como afastam tantas pessoas dos caminhos da educação e da cultura!
O insucesso escolar é, em grande parte, um falhanço da escola, ao não ser capaz de promover as aprendizagens de todos os alunos e continuar organizada só para uma parte.

Os alunos trabalham pouco e têm de trabalhar mais sobretudo na escola e nas aulas. As aulas têm de ser (e já são muitas vezes) lugares de trabalho e aprendizagem...não podem ser lugares onde se ouve para depois se trabalhar em casa.

Algumas estratégias para combater o insucesso escolar :
•Intervir de modo intensivo ao primeiro sinal de dificuldade; acompanhar sistematicamente os alunos de risco ,
•Evitar as rupturas/descontinuidades nos percursos escolares
•Desenvolver formação de professores em técnicas de apoio, importância da avaliação formativa
•Melhorar a comunicação escola-família,
•Medidas especiais de apoio aos alunos migrantes (formação dos professores nesse sentido),
•Dar prioridade ao pré-escolar e à educação de base
• Medidas de discriminação positiva,
•Reforçar a avaliação nacional das competências adquiridas no ensino básico,
•Definir metas e apoiar os estabelecimentos de ensino com piores resultados.

(Propostas retiradas de :
En finir avec l’échec scolaire , OCDE
DIX MESURES POUR UNE ÉDUCATION ÉQUITABLE
Simon Field, Malgorzata Kuczera, Beatriz Pont)


Ana Maria Bettencourt

12.9.08
 
CRIANÇAS E INTERNET:
OPORTUNIDADES E RISCOS

Portugal: o Fosso Digital entre Crianças e Adultos

Cristina Ponte*

Como as crianças de outros países europeus, também as crianças portuguesas vivem com entusiasmo as oportunidades da Internet fixa e das plataformas móveis. O contexto português apresenta, contudo, traços que importa ter em conta na definição de políticas de intervenção e de regulação. Portugal é um dos poucos países europeus onde as crianças usam mais as novas tecnologias do que adultos, e os pais portugueses são dos que menos conhecem o que os seus filhos fazem on-line.

A identificação desses sinais foi feita pelo Projecto EU Kids On-line, na comparação de 21 países europeus[1]. Equipas de investigadores de cada país caracterizaram os acessos e usos do on-line por crianças e jovens (até 18 anos) e o ambiente nacional quanto à penetração e regulação dos media, os discursos públicos dominantes, as características do sistema educativo, a existência de uma educação para os media e as atitudes e valores culturais em geral e sobre as crianças em particular. Os resultados deste estudo europeu estão disponíveis na Internet a partir de 26 de Setembro[2].

A comparação dos 21 países (Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Dinamarca, Eslovénia, Espanha, Estónia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Islândia, Itália, Noruega, Polónia, Portugal, República Checa, Suécia e Reino Unido) incidiu ainda sobre a mediação dos pais, indicadores como a idade e sexo da criança, a situação socioeconómica das famílias, as intervenções de professores e de pares. Se é da conjugação de todos estes factores que resultam os riscos e as oportunidades, considera-se também que, como no mundo real, as oportunidades e a atenção aos perigos do mundo virtual estão relacionadas com as atitudes e as capacidades das crianças, desenvolvidas não só pela sua literacia digital mas também pelos ambientes de promoção de segurança, de autonomia e de responsabilidade cívica.

O levantamento da informação disponível fez emergir uma paisagem europeia a diferentes velocidades no que toca à penetração da Internet na vida das crianças e às considerações de risco que estas e os pais exprimem. Em Portugal, como noutros países do sul da Europa, a penetração e a atenção aos riscos e às oportunidades ainda são relativamente baixas, por contraste com outros países do norte e centro da Europa. As crianças ainda acedem mais na escola do que em casa mas a tendência é para o crescimento nos lares. Enquanto isso, as crianças portuguesas estão entre as que têm mais telemóveis, explorando por esse meio o ambiente interactivo e procurando as experiências de comunicação em rede, como as mensagens SMS e a partilha de imagens.

Esta situação vai a par de uma maior exclusão digital por parte dos pais: Portugal é um dos dois únicos países onde a taxa de acesso e uso da Internet é mais elevada nas crianças do que nos adultos (o outro é a Polónia). Nestes dois países existe assim da parte dos pais uma intervenção maior nas regras sobre a televisão do que sobre a Internet.

Estes ambientes não devem ser ignorados quando se pensa em políticas públicas de promoção do acesso e do uso do digital por crianças. Como o estudo aponta, em países como Portugal, considerações de que os pais devem e podem, na prática, ser os responsáveis pela segurança da criança na Internet precisam de ser cuidadosamente apreciadas nos seus limites e viabilidades. Por isso, acrescentamos, o discurso público favorável à penetração das novas tecnologias na sociedade portuguesa (o famoso “choque tecnológico”) precisa de ser acompanhado por medidas de mobilização e de responsabilização de todos os parceiros envolvidos, das instâncias de regulação às escolas, dos produtores de conteúdos aos fornecedores de acesso. A promoção de ambientes de segurança e de consciencialização cívica deverá envolver também as crianças de um modo activo, ter em conta aquilo que elas fazem na experiência em linha (muito para além da dimensão escolar e dos currículos disciplinares), onde e como fazem: jovens formadores, enquanto pares, podem ser eficazes mediadores entre os mais novos a nível da tecnologia e das práticas sociais.

Um outro padrão, transversal aos países, aponta para diferenças relacionadas com a situação socioeconómica das famílias. Como apontam estudos relativos às regras sobre a televisão, também parece existir maior mediação parental sobre a Internet em famílias de posição social mais elevada. Tendo em conta que o nível de escolaridade dos pais portugueses (com mais de metade a não ir além do ensino básico) está muito abaixo dos padrões europeus, este factor associado à menor inclusão digital por parte das famílias, exige atenção na informação disponível para uso dos novos meios em segurança, nos lares.

Talvez por esta falta de experiência digital, os pais portugueses distinguiram-se também nas considerações de que na Internet as crianças mais novas correm mais riscos do que as mais velhas e de que raparigas correm mais riscos do que rapazes. Estas posições vão contra o que a pesquisa tem confirmado: que há uma correlação positiva entre os riscos e as potencialidades do uso da Internet (mais exploradas pelas crianças mais velhas) e que ambos os sexos realizam actividades que tiram partido dessas potencialidades e que comportam situações de risco.

O retrato português entre os 21 países levanta por isso “inquietações pedagógicas” que decorrem de uma quase ausência de sensibilidade para as questões da educação para os media na agenda pública em geral e do Ministério da Educação em particular, apesar das recomendações europeias sobre a necessidade de os Estados-membros definirem linhas para o fortalecimento da literacia mediática ao longo da vida. Tendo presentes estes traços de fragilidade do contexto nacional, não estaremos a cair no “determinismo tecnológico” e a perpetuar o fosso digital – entre gerações e entre crianças com diferentes recursos socioeconómicos?



*Professora da FCSH-Universidade Nova de Lisboa, coordenadora em Portugal do projecto EU Kids Online
[1] O Projecto EU Kids Online, liderado por Sonia Livingstone, do Reino Unido, é financiado pelo Programa europeu Safer Internet Plus. Mais informações em www.eukidsonline.net ou pelo site português, disponível em www.fcsh.unl.pt/eukidsonline
[2] Hasebrink, U., Livingstone, S. e Haddon, L. (2008). Comparing children’s online opportunities and risks across Europe: Cross-national comparisons for EU Kids Online. Relatório disponível nos sites indicados.


Publicado no Jornal de Letras - Educação Agosto de 2008

11.9.08
 
A SEGURANÇA NO MUNDO DIGITAL
Teresa Gaspar*


Um pouco por todo o lado e da parte de pais, educadores e autoridades, crescem as preocupações com os malefícios que podem advir para as crianças do acesso a conteúdos potencialmente perigosos para a sua segurança e bem-estar, dada a massificação absoluta das novas tecnologias.

No sentido de prevenir os potenciais riscos, o governo inglês acaba de aprovar um Plano de Acção para melhorar a segurança das crianças na Internet, na sequência da apresentação do relatório do estudo realizado por Tanya Byron[1], conhecida psicóloga especializada em problemas de desenvolvimento da criança e do adolescente. O estudo foi encomendado pelo governo no sentido de conhecer com objectividade os riscos do contacto com material inapropriado e prejudicial difundido na Internet e em jogos de vídeo, avaliar a eficácia das medidas de prevenção existentes e ajudar os pais a perceberem e a gerirem melhor a vulnerabilidade dos seus filhos no mundo digital. Pelo interesse de que se reveste a investigação realizada, as recomendações que foram formuladas e os compromissos assumidos pelas autoridades inglesas para tornar mais segura para as crianças e os jovens a utilização da Internet e dos jogos de vídeo, apresentamos uma síntese do relatório Byron e das linhas de acção que as autoridades inglesas se comprometem a desenvolver.

A investigação de Tanya Byron centra-se na relação que as crianças e jovens estabelecem com as novas tecnologias e vai procurar identificar as probabilidades de risco que existem em diferentes circunstâncias, de acordo com o estádio de desenvolvimento em que estas se encontram. Reconhecendo o enorme potencial de diversão, aprendizagem e desenvolvimento da navegação na Internet ou dos jogos de computador, a investigadora assume também que as crianças se encontram muito desprotegidas e os próprios pais têm grande dificuldade em acompanhar a facilidade com que as crianças aprendem a jogar jogos ou a explorar as múltiplas possibilidades da Internet. Daí que o seu ponto de partida para a observação e recolha de dados tenha sido o de procurar encontrar um equilíbrio entre a liberdade da criança correr riscos, condição inerente ao seu próprio desenvolvimento, e a garantia de que sabe defender-se e pode utilizar de maneira segura e informada as novas tecnologias.

A recolha de dados baseou-se nas respostas de crianças a um questionário, 75% das quais com idades compreendidas entre os 8 e os 15 anos, e nos resultados de inquéritos dirigidos a empresas e instituições do sector das novas tecnologias, a profissionais que trabalham com crianças e jovens, a pais, investigadores e a responsáveis de um certo número de instituições públicas. Para além disso, foi feita a revisão de toda a literatura científica existente sobre o impacto dos media no desenvolvimento da criança, bem como foi analisado material da chamada área cinzenta, isto é, jogos de vídeo classificados para menores de 18 anos e uma enorme variedade de conteúdos existentes on-line que, embora legais, pudessem representar riscos para as crianças.

Para identificar esses riscos, a autora relacionou as etapas de desenvolvimento da criança e os processos característicos de cada idade com o desenvolvimento do córtex frontal na infância, cuja actividade é essencial na mediação da experiência e do comportamento. São estes os referenciais com que vai defender a revisão dos sistemas de classificação dos jogos e alertar para as condições em que a navegação das crianças na Internet pode apresentar riscos. A sua perspectiva é essencialmente globalizante e centra-se no modo como podemos ajudar as crianças a gerir os riscos a que estão expostas, da mesma maneira que as ensinamos a atravessar a rua em etapas sucessivas, primeiro dando a mão e ensinando a simbologia dos sinais, depois atravessando lado a lado, a fase seguinte em que as deixamos atravessar sozinhas mas as observamos à distância, até ao momento em que ficam entregues a si mesmas. É neste envolvimento que as crianças aprendem os diferentes códigos, reconhecem os comportamentos dos outros e aprendem a defender-se dos riscos.

Quanto à classificação dos riscos em termos de conteúdo, facilidade de contacto e influência no comportamento, Tanya Byron adopta o modelo proposto no projecto EU Kids On-line. Os dados obtidos mostraram que há uma crescente exposição das crianças e jovens a conteúdos sexualmente inapropriados, a atitudes e ideias negativas, a conflitualidades (cyberbullying) e acesso a sites cujos conteúdos promovem comportamentos prejudiciais. Por outro lado, a investigação tem mostrado que dada a natureza da Internet – anonimato, omnipresença e potencial de comunicação –, o comportamento das pessoas tende a ser diferente quando estão na rede e o seu código de valores morais altera-se, situação que se agrava nas crianças e jovens, numa idade em que ainda estão a interiorizar as regras sociais e não possuem capacidade de interpretar e avaliar criticamente a informação ou de perceberem como se devem comportar on-line. Quanto aos jogos de vídeo, sabe-se que a excitação provocada por alguns jogos pode gerar sintomas de stress nas crianças, as suas percepções sobre o mundo real podem ser afectadas pela dificuldade em distinguir entre os factos e a ficção e, ainda, a natureza interactiva dos jogos pode ter um efeito mais profundo que o de filmes, por exemplo, pois a criança aprende fazendo, num constante movimento de estímulo-resposta.

Para a prevenção destes riscos, a autora recomenda a adopção de uma estratégia nacional organizada em torno de três objectivos: reduzir a existência de material inapropriado e prejudicial nos sites mais vistos da Internet, o que terá de ter a colaboração da indústria; restringir o acesso das crianças, implicando mais os pais no modo como controlam e gerem o acesso dos seus filhos a esse material; e melhorar a capacidade das crianças parnsão e melhorar o controlo dos pais sobre as idades aconselhadas para os mesmos.


*Assessora do Conselho Nacional de Educaçãoa navegarem de forma mais segura, desenvolvendo a sua consciência dos riscos.

O governo inglês aceitou todas as recomendações feitas no Relatório Byron e lançou, no passado mês de Junho, um Plano de Acção para a sua concretização. Entre outras medidas, prevê-se a criação dum Conselho para a Segurança da Criança na Internet onde estarão representados todos os sectores directamente envolvidos, desde a indústria, aos pais e à educação, uma melhor regulação do sector das novas tecnologias, acções de informação do público e consciencialização das medidas de e-safety, maior intervenção educativa junto das crianças e das suas famílias, revisão do sistema de classificação de jogos de vídeo e melhor esclarecimento das famílias sobre a adequação dos mesmos.
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A título de exemplo, para a regulação do sector prevê-se que a indústria possa desenvolver, de forma independente e voluntária, um código de boas práticas que modere o acesso a conteúdos, fixe os limites de busca na Internet e permita introduzir nos computadores vendidos para uso doméstico um controlo de software por parte dos pais. Quanto aos jogos de vídeo será feita a alteração do sistema de classificação, tornando-o mais acessível aos pais e serão dadas orientações claras à indústria de produção sobre o modo de fazer publicidade aos jogos, prevendo-se ainda a criação de estímulos para acções que visem aumentar a compree


[1] Safer Children in a Digital World. Byron Review Children and New Technologies. Londres, 2008. www.dfes.gov.uk/byronreview/


Publicado no Jornal de Letras - Educação Agosto de 2008

10.9.08
 
O TUDO QUE AFINAL É NADA
Uma breve nota a propósito do Despacho n.º 19308/2008

Maria José Rau*


1 - A SEQUENCIALIDADE ENTRE OS CICLOS DO ENSINO BÁSICO

A falta de coerência entre os três ciclos do ensino básico, em especial entre o primeiro e o segundo, é uma das dificuldades/singularidades do nosso sistema educativo que há muito se identificou, há muito se pretende alterar e há muito que não se consegue combater com sucesso. O mais meritório dos esforços terá sido a Lei de Bases do Sistema Educativa do 1986.
Ao ouvir a notícia de que o Ministério da Educação ia procurar finalmente organizar o ensino básico "tal como preconizado pela Lei de Bases do Sistema Educativo Português" no que respeita a esta urgência de sequencialidade e coerência, vários terão exultado. Outros tantos ou mais terão duvidado quando se aperceberam que esse "arrumar de casa" ia ser feito através de um despacho "abrangente", mais desconfiaram ainda quando viram a dimensão e falta de clareza e concisão do referido despacho. Será que afinal algo que tem sido sucessiva e reiteradamente tão difícil, se ia facilmente resolver (ou resolvendo) através de um despacho?


2 - OS ESPAÇOS DE AUTOMOMIA DAS ESCOLAS

Para promover essa sequencialidade e coerência o despacho pretende que também se faça uso das ACND (áreas curriculares não disciplinares) que "constituem espaços de autonomia curricular da escola e dos professores". E já que são de autonomia e temendo que as escolas não os saibam utilizar de forma adequada, o despacho bondosamente sugere orientações, propõe deveres, faz recomendações e manifesta preocupações.

3. SOMOS TODOS BEM-AVENTURADOS

As escolas e os professores que, não se sabe bem porquê, nunca quiserem/conseguiram cumprir o que estabelece a LBSE, irão por certo ouvir e pôr em prática o que estabelece este despacho embora fique bem claro que, com pés de lã, ele apenas sugere, com toda a precaução que se faça "sempre que possível", que se assegure "preferencialmente, que se "possa" integrar, que se realize "quando necessário"!

Todos fomos objectos e até talvez sujeitos de despachos deste tipo, bondosos nas suas intenções, previsivelmente ineficazes nos efeitos pretendidos, mas sobretudo prolixos, complexos e até contraditórios com outras orientações que se expressam e outras práticas que se mantêm: espaços de autonomia que se oferecem e a todo o momento se retiram, resultados que se gostariam de ter mas que apenas se sugerem, condições de exequibilidade que constituem pressupostas mas que se não criam.

Mas nada nos tira a fé de que lá chegaremos por esta via!

4 - A AVALIAÇÃO

A exigência de uma avaliação através de relatórios descritivos não deixa de constar do despacho, no final do ano e através de sucessivos patamares de avaliação (escola, direcção regional, direcção geral). Os critérios, processos e indicadores a construir são inexistentes o que prefigura um relatório final maciço mas provavelmente inútil.

Ora se algum efeito ainda se acredita que venha a ter este despacho só a avaliação criteriosa dos seus resultados o pode confirmar. Para isso é imprescindível que desde o início se desenhe a avaliação que se pretende fazer e se recolham os dados imprescindíveis a um posterior tratamento que interesse e seja significativo para mudanças mais sólidas que se pretendam fazer..

É por essa avaliação que ficamos à espera.

* Técnica de Educação

Publicado no Jornal de Letras - Educação Julho 2008

 
O MEM

O MEM

Movimento da Escola Moderna

O XXX Congresso

O Movimento da Escola Moderna acaba de realizar o seu 30° Congresso em Tomar, entre os dias 23 a 26 de Julho.

Os Congressos do MEM destinam-se à apresentação de relatos de práticas profissionais e de investigação levadas a cabo no seio do movimento e à reflexão sobre os grandes temas do ensino e da formação

O Congresso constitui sempre o grande momento de avaliação e de debate do trabalho realizado ao longo do ano lectivo nos mais variados contextos escolares, na formação de professores e na investigação, assumindo-se o princípio de que reflectir e avaliar com os pares se torna indispensável para melhorar e aprender com o trabalho desenvolvido, projectando-o no futuro.

Estes momentos de encerramento do ano escolar são também uma das formas de concretização de um dos eixos fundamentais da reflexão e da intervenção pedagógica desta associação: a autoformação cooperada entre pares, baseada na ideia de cooperação, de autonomia, de vivência democrática, de produção cultural e de intervenção social.

Ao longo dos quatro dias do Congresso, professores e investigadores apresentaram comunicações e relatos de práticas e dinamizaram quatro sessões plenárias que contemplavam os diferentes graus de ensino - do pré-escolar ao ensino superior - e múltiplas áreas curriculares, sendo abordados temas como o desenvolvimento de competências na matemática e na escrita/leitura, a educação para a ciência, a educação estética e artística, o desenvolvimento sócio-moral, a luta contra a exclusão na escola e a organização social das aprendizagens.

Quem é o MEM em Portugal?

O Movimento da Escola Moderna é uma Associação Pedagógica de Professores e de outros Profissionais da Educação. Criado nos anos 60, a partir do trabalho iniciado por um grupo de promoção pedagógica e de aperfeiçoamento profissional de professores, foi formalizado juridicamente em 1976.

O MEM tem como principal finalidade a formação permanente dos seus associados, em sistema de autoformação cooperada, bem como a animação pedagógica e a formação destinada a muitos outros professores e escolas. Paralelamente, pela interacção entre professores de todos os graus de ensino com outros profissionais da educação e em parceria com Associações Pedagógicas e Instituições Universitárias, vem desenvolvendo novas propostas de educação escolar e de formação democrática, integradas nas práticas profissionais dos seus associados, que são difundidas, desde 1974, na Revista Escola Moderna e em múltiplas actividades públicas.

Constituído por muitos profissionais, encontra-se hoje espalhado pelo país e organiza-se em 17 Núcleos Regionais. Através destes Núcleos desenvolve anualmente um Plano de Formação, que se concretiza quer através de acções integradas nas estruturas de autoformação, quer no quadro da formação contínua de professores — formação acreditada — promovida pelo Centro de Formação do MEM.

Colabora sistematicamente com um largo número de Centros de Formação de Professores, de Câmaras Municipais e de Instituições de Investigação e de Ensino Superior, por via de protocolos de cooperação formalizados com essas entidades (Consultar: www.movimentoescolamoderna.pt).

E a Escola Moderna no Mundo?

Em França, a Escola Moderna está representada pelo ICEM (Institut Coopératif de l'École Moderne), fundado por Freinet que o dirigiu até à sua morte em 1966. Depois da morte de Freinet o ICEM afastou-se progressivamente das ideias de Freinet passando a receber diversas influências e assumindo, a partir de uma matriz comum com alguma identidade, orientações diversificadas (Consultar: www.icem-freinet.info/icem.info).

O ICEM tem como objectivo e base de trabalho a investigação e inovação pedagógicas, a difusão da pedagogia Freinet através da organização de estágios, a concepção e experimentação de instrumentos e materiais pedagógicos e a edição de publicações de educação.

A FIMEM (Fédération Internationale des Mouvements de l'École Moderne) fundada em 1957, agrega mais de cinquenta movimentos nacionais com especial relevância para os dos países francófonos, os dos países do Sul e Centro da Europa e da América Latina e organiza todos os dois anos um congresso internacional (RIDEF) em que os professores e investigadores se reúnem para formação e troca de ideias e práticas. A próxima RIDEF está a decorrer no México entre 25 de Julho e 3 de Agosto (Consultar: http://www.freinet.org/).


* Texto elaborado por Maria José Rau a partir dos "sites" do MEM, do ICEM e da FIMEM e do comunicado de imprensa do XXX Congresso.

Publicado no Jornal de Letras - Educação Julho 2008

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COM EXAMES ISTO VAI?
A Questão da Qualidade da Educação …

Fátima Alonso Guimarães*

Parece existir uma ideia generalizada de que, hoje em dia, embora o acesso à educação formal seja indiscutivelmente maior, em geral, se sabe menos e com menor compreensão, em comparação com tempos passados. Assim, dos mais variados sectores tem-se vindo a afirmar que temos mais escola mas não melhor escola, multiplicando-se as opiniões e os diagnósticos sobre o desempenho dos alunos nos diferentes níveis de escolaridade – básico, secundário e universitário - e trazendo à discussão a questão da qualidade da educação.
Ora, não é de estranhar que, desde há uns anos para cá, principalmente quando são tornados públicos os resultados dos exames nacionais dos alunos do ensino secundário, na opinião pública surjam discussões acaloradas, se levantem polémicas e se explorem contradições à volta do nível de aprendizagem dos alunos, nesta ou naquela disciplina, mas também à volta da qualidade do ensino, da escola e até da educação.
Muitas das vozes que se fazem ouvir sobre os únicos dados quantificáveis que o senso comum conhece, alvitrando assertivamente sobre matérias e realidades que lhes são estranhas, quais treinadores de bancada, mais não fazem do que repetir ideias feitas, trivialidades, evidenciar tabus, pouco conhecimento e confusão de ideias que em nada contribuem para a clarificação e informação da opinião pública.
Nos jornais e outros órgãos de comunicação surgem também opiniões, comentários e reacções de putativas personalidades com responsabilidades no campo educativo que considerando que a qualidade das aprendizagens dos alunos se pode exclusiva e directamente medir através do desempenho dos alunos em provas de exames, fazem extrapolações simplistas para o ensino ministrado e até para a qualidade da educação, sobrevalorizando e separando este tipo de provas dos demais componentes da avaliação do sistema educacional, e desta forma, pouco ou nada contribuindo para a compreensão do assunto em causa e muito menos para o debate educativo.
Para contornar a discussão sobre a precariedade de anteriores políticas educativas ou pela dificuldade de mexer em interesses instituídos, durante vários anos as questões relativas à avaliação na educação foram subvalorizadas. Hoje, assume-se, correctamente, que o serviço público tem de prestar contas e apresentar resultados. Pressionado política, financeira e socialmente, o discurso oficial dos responsáveis desta área elege como preocupação central transmitir uma imagem de responsabilidade e empenho na prossecução dos objectivos, demonstrar a eficácia de medidas adoptadas e apresentar mudanças rápidas que acalmem a ansiedade dos cidadãos. Numa análise rigorosa dos resultados (neste ano, positivos) obtidos pelos alunos nos exames, por um lado terá de ser considerada a possibilidade de poderem constituir falsas evidências relativamente a melhorias significativas das suas aprendizagens. Por outro lado, os resultados obtidos são um entre os múltiplos factores e produtos do trabalho dos professores, pelo que há igualmente que evitar a tentação de os tomar como (únicos) indicadores de prováveis mudanças ao nível das aprendizagens dos alunos bem como de se fazerem inferências genéricas sobre as razões para essas mudanças. Como bem sabemos, em educação os progressos são lentos e requerem continuidade. As várias medidas e planos postos em prática — embora louváveis e podendo produzir efeitos significativos na melhoria do ensino, se, de forma coerente e consistente, neles se continuar a investir— são ainda de implementação recente e em fase de alargamento.
As inquietações com os resultados que os alunos obtêm em exame são legítimas e devem ser encaradas com a maior seriedade. São um dado objectivo de níveis de desempenho dos alunos que os professores e as escolas seguramente precisam de ter em conta, numa perspectiva de auto-avaliação, e que devem ser analisados, interpretados e integrados em qualquer reflexão crítica sobre a aprendizagem, o ensino, a escola e a educação. É, porém, essencial saber do que falámos quando falámos de qualidade de educação, de como deve ser apreciada, de quem responsabilizar pelos resultados obtidos e que modalidades permitem avaliá-la, por forma a que tenha como ponto de partida e de chegada o processo pedagógico que ocorre na escola.
O debate, neste campo específico, a meu ver, terá de ser orientado para a atribuição do real valor aos exames em termos daquilo que, por essa via, se pode, ou não, diagnosticar, dos limites da informação que fornecem, dos processos de os utilizar por forma a que não ocupem um papel central, sobrepondo-se à própria aprendizagem, ou provocando enviesamentos ao nível da definição das prioridades do ensino. Deverá também integrar a discussão sobre os fundamentos e significados atribuídos às práticas de avaliação— em estreita ligação com os instrumentos utilizados — sobre o modo de as melhorar visando obter uma interpretação mais ampla e profunda dos resultados dos alunos. Existirá então uma oportunidade excelente de discussão pública séria sobre a qualidade da educação, em que especialistas dos vários quadrantes, investigadores das mais diversas áreas, professores, alunos, pais e outros actores e instituições educativas, associações de professores e responsáveis políticos podem fazer ouvir a sua voz.

* Professora de matemática na Escola EB23 de Telheiras

Publicado no Jornal de Letras - Educação Julho 2008

 
Sísifo. Revista de Ciências da Educação
Sísifo. Revista de Ciências da Educação

06 (Mai Jun Jul Ago 2008)

Educação, Trabalho e Identidades Profissionais

Caros leitores,

A Unidade de I&D de Ciências da Educação acaba de editar, em versão portuguesa e inglesa, o número seis da Sísifo – Revista de Ciências da Educação, subordinado ao tema:

Educação, Trabalho e Identidades Profissionais, o qual pode ser consultado no seguinte sítio web: http://sisifo.fpce.ul.pt


Está também disponível a versão completa do número 5 da Sísifo (para download e/ou impressão).

Saudações cordiais,
Rui Canário
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Dossier temático (Educação, Trabalho e Identidades Profissionais)

Responsáveis editoriais: Natália Alves e Rui Canário

Luísa d’Espiney Enfermagem. De velhos percursos a novos caminhos

Isabel Passarinho Assistente Social – Percursos e construção identitária

David Tavares Identidade, socialização e processo de profissionalização. Contributos de um estudo sobre os técnicos de cardiopneumologia

António José Almeida A profissionalização da gestão de recursos humanos. Composição sociográfica de um grupo profissional em construção

Alda Bernardes Políticas e práticas de formação em grandes empresas. Situação actual e perspectivas futuras

Maria Cristina Martins Práticas de trabalho e produção de saberes no cotidiano de mulheres pescadoras

Veleida Anahí da Silva e Ana M. F. Teixeira Contestando profecias. Trajetória de jovens universitários de origem popular


Recensões:
Wilson Abreu Escola e identidade profissional: o caso dos técnicos de cardiopneumologia, de David Tavares


Conferências:
Albano Estrela Delfim Santos. Um inovador e um precursor no campo da educação


Outros artigos:
Joan Josep Solaz-Portolés e Vicente Sanjosé López Tipos de conhecimento e suas relações com a resolução de problemas em ciências. Orientações para a prática