Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

10.9.08
 
COM EXAMES ISTO VAI?
A Questão da Qualidade da Educação …

Fátima Alonso Guimarães*

Parece existir uma ideia generalizada de que, hoje em dia, embora o acesso à educação formal seja indiscutivelmente maior, em geral, se sabe menos e com menor compreensão, em comparação com tempos passados. Assim, dos mais variados sectores tem-se vindo a afirmar que temos mais escola mas não melhor escola, multiplicando-se as opiniões e os diagnósticos sobre o desempenho dos alunos nos diferentes níveis de escolaridade – básico, secundário e universitário - e trazendo à discussão a questão da qualidade da educação.
Ora, não é de estranhar que, desde há uns anos para cá, principalmente quando são tornados públicos os resultados dos exames nacionais dos alunos do ensino secundário, na opinião pública surjam discussões acaloradas, se levantem polémicas e se explorem contradições à volta do nível de aprendizagem dos alunos, nesta ou naquela disciplina, mas também à volta da qualidade do ensino, da escola e até da educação.
Muitas das vozes que se fazem ouvir sobre os únicos dados quantificáveis que o senso comum conhece, alvitrando assertivamente sobre matérias e realidades que lhes são estranhas, quais treinadores de bancada, mais não fazem do que repetir ideias feitas, trivialidades, evidenciar tabus, pouco conhecimento e confusão de ideias que em nada contribuem para a clarificação e informação da opinião pública.
Nos jornais e outros órgãos de comunicação surgem também opiniões, comentários e reacções de putativas personalidades com responsabilidades no campo educativo que considerando que a qualidade das aprendizagens dos alunos se pode exclusiva e directamente medir através do desempenho dos alunos em provas de exames, fazem extrapolações simplistas para o ensino ministrado e até para a qualidade da educação, sobrevalorizando e separando este tipo de provas dos demais componentes da avaliação do sistema educacional, e desta forma, pouco ou nada contribuindo para a compreensão do assunto em causa e muito menos para o debate educativo.
Para contornar a discussão sobre a precariedade de anteriores políticas educativas ou pela dificuldade de mexer em interesses instituídos, durante vários anos as questões relativas à avaliação na educação foram subvalorizadas. Hoje, assume-se, correctamente, que o serviço público tem de prestar contas e apresentar resultados. Pressionado política, financeira e socialmente, o discurso oficial dos responsáveis desta área elege como preocupação central transmitir uma imagem de responsabilidade e empenho na prossecução dos objectivos, demonstrar a eficácia de medidas adoptadas e apresentar mudanças rápidas que acalmem a ansiedade dos cidadãos. Numa análise rigorosa dos resultados (neste ano, positivos) obtidos pelos alunos nos exames, por um lado terá de ser considerada a possibilidade de poderem constituir falsas evidências relativamente a melhorias significativas das suas aprendizagens. Por outro lado, os resultados obtidos são um entre os múltiplos factores e produtos do trabalho dos professores, pelo que há igualmente que evitar a tentação de os tomar como (únicos) indicadores de prováveis mudanças ao nível das aprendizagens dos alunos bem como de se fazerem inferências genéricas sobre as razões para essas mudanças. Como bem sabemos, em educação os progressos são lentos e requerem continuidade. As várias medidas e planos postos em prática — embora louváveis e podendo produzir efeitos significativos na melhoria do ensino, se, de forma coerente e consistente, neles se continuar a investir— são ainda de implementação recente e em fase de alargamento.
As inquietações com os resultados que os alunos obtêm em exame são legítimas e devem ser encaradas com a maior seriedade. São um dado objectivo de níveis de desempenho dos alunos que os professores e as escolas seguramente precisam de ter em conta, numa perspectiva de auto-avaliação, e que devem ser analisados, interpretados e integrados em qualquer reflexão crítica sobre a aprendizagem, o ensino, a escola e a educação. É, porém, essencial saber do que falámos quando falámos de qualidade de educação, de como deve ser apreciada, de quem responsabilizar pelos resultados obtidos e que modalidades permitem avaliá-la, por forma a que tenha como ponto de partida e de chegada o processo pedagógico que ocorre na escola.
O debate, neste campo específico, a meu ver, terá de ser orientado para a atribuição do real valor aos exames em termos daquilo que, por essa via, se pode, ou não, diagnosticar, dos limites da informação que fornecem, dos processos de os utilizar por forma a que não ocupem um papel central, sobrepondo-se à própria aprendizagem, ou provocando enviesamentos ao nível da definição das prioridades do ensino. Deverá também integrar a discussão sobre os fundamentos e significados atribuídos às práticas de avaliação— em estreita ligação com os instrumentos utilizados — sobre o modo de as melhorar visando obter uma interpretação mais ampla e profunda dos resultados dos alunos. Existirá então uma oportunidade excelente de discussão pública séria sobre a qualidade da educação, em que especialistas dos vários quadrantes, investigadores das mais diversas áreas, professores, alunos, pais e outros actores e instituições educativas, associações de professores e responsáveis políticos podem fazer ouvir a sua voz.

* Professora de matemática na Escola EB23 de Telheiras

Publicado no Jornal de Letras - Educação Julho 2008

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