Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

27.2.08
 
ATENÇÃO
ATENÇÃO !!! DIVULGUEM ... Uma bela biblioteca digital, desenvolvida em software livre , mas que está prestes a ser desactivada por falta de acessos.Imaginem um lugar onde você pode gratuitamente:· Ver as grandes pinturas de Leonardo Da Vinci ;· escutar músicas em MP3 de alta qualidade;· Ler obras de Machado de Assis Ou a Divina Comédia;· ter acesso às melhores histórias infantis e vídeos da TV ESCOLA· e muito maisEsse lugar existe!
O Ministério da Educação disponibiliza tudo isso,basta aceder ao site:

www.dominiopublico.gov.br Só de literatura portuguesa são 732 obras! Estamos em vias de perder tudo isso, pois vão desactivar o projecto por desuso, já que o número de acesso é muito pequeno.Vamos tentar reverter esta situação, divulgando e incentivando amigos, parentes e conhecidos, a utilizarem essa fantástica ferramenta de disseminação da cultura e do gosto pela leitura. Divulgue para o máximo de pessoas!
Obrigado!

Posted by T.V.

23.2.08
 
Escola Superior de Educação de Setúbal, do Arquitecto Siza Vieira


21.2.08
 
Escolas Superiores de Educação: VIDA E MORTE (?) DE UM PROJECTO NACIONAL
Ana Maria Bettencourt* e Teresa Vasconcelos**



Se pretendemos criar nichos de excelência no ensino superior, a formação de professores e educadores deveria ser considerada uma área estratégica de grande investimento. Enquanto alguns países tentam criar sistemas de apoio à formação de professores para um desenvolvimento educativo sustentado, em Portugal desinstala-se a capacidade desenvolvida pela rede de Escolas Superiores de Educação (ESE) públicas.



Com uma distribuição ao nível das capitais de distrito, enquanto instituições destinadas a formar professores e outros agentes educativos, esta rede foi criada em 1979. Tinha como objectivo contribuir para a generalização da escolaridade obrigatória, então de seis anos e promover a formação contínua, contribuindo para a melhoria da qualidade da educação. Previa-se também a sua intervenção ao nível da formação de agentes para a alfabetização de adultos e para a animação cultural no desenvolvimento da investigação educacional aplicada. A grande justificação para este projecto inovador era uma missão institucional clara: contribuir para o desenvolvimento educativo do país, através de uma formação necessariamente enraizada na prática profissional, “artesanal ”, em estreita articulação com as escolas onde essa mesma prática se realizaria, construindo dinâmicas de formação integradoras da formação inicial, contínua e especializada, ou mesmo, graduada.





Tratava-se de um modelo alternativo à formação de professores tradicionalmente praticada nas universidades, onde o “estágio” aparece no final, enquanto forma de “aplicar” o que se havia aprendido nos anos de formação teórica. Modelo posto em causa no início dos anos 70.



Como diz Maria do Céu Roldão no seu texto, o professor não é apenas aquele que ensina, mas aquele que “sabe ensinar”. E este “aprender a aprender a ensinar”, não se faz apenas com uma formação marcadamente teórica, faz-se em contextos educativos diversificados. Era este o caminho das ESE. O Decreto-Lei 43/2007 de 22 de Fevereiro, veio colocar ainda mais num “colete de forças” aquilo que poderia ter sido um conceito inovador de formação de professores.



Algumas razões estiveram na origem do quase desaparecimento de missões essenciais ao desenvolvimento educativo do país. Entre elas as regras de financiamento do ensino superior contemplando exclusivamente a formação inicial e também a insinuação progressiva do modelo universitário. E, no entanto, a imagem positiva das ESE ficou marcada por processos inovadores no domínio da formação de professores, quer através da inserção progressiva na prática pedagógica, quer através de projectos de apoio ao desenvolvimento educativo em Portugal e nos PALOP. É frequente surgirem pedidos de informação de países europeus e africanos sobre as nossas ESE.



A diminuição de candidatos ao ensino superior e o aparecimento das escolas de formação de professores privadas (sem se pautarem pelas mesmas regras das públicas), vieram contribuir para saturar o mercado da formação inicial de professores conduzindo a alguns processos de deriva institucional para novas formações para as quais as ESE não estavam especialmente qualificadas, com prejuízo da formação contínua, do apoio à inovação e do desenvolvimento da investigação em educação. Com algumas excepções e mesmo que estes percursos correspondam a necessidades regionais, este caminho de sobrevivência, não terá sido, na maioria dos casos, o mais adequado para dignificar o projecto das ESE.
Teriam as razões que justificaram a criação das ESE desaparecido? Podia o país dispensar uma rede regional de apoio ao desenvolvimento educativo? Os Centros de Formação de Associações de Escolas desempenham esse papel? Que viabilidade existe hoje para as ESE?



A solução deveria ser a avaliação e correcção das disfunções e a reconversão para a formação contínua de uma parte da capacidade instalada, uma formação em contexto como instrumento de melhoria das práticas e resultados escolares. A formação de professores é o instrumento por excelência das reformas, a falta de alunos da formação inicial, não pode ser razão para se desviar as escolas de formação dos seus objectivos, até porque o país precisa ainda de muitos formadores, atendendo designadamente à dimensão das necessidades de qualificação dos adultos. A criação de cursos em que as escolas nunca poderão ser excelentes por falta de massa crítica é um erro histórico que pagaremos caro. Seria necessária a criação de uma equipa que coordenasse o trabalho dos dois ministérios que tutelam a área. Tal como a saúde, que mereceu um grupo de missão e um trabalho de estudo e planeamento, a formação de professores necessitaria de um trabalho de coordenação forte: uma reforma da formação de professores. Ainda estaremos a tempo?

*Professora Coordenadora na Escola Superior de Educação de Setúbal


**Professora Coordenadora na Escola Superior de Educação de Lisboa





Publicado no Jornal de Letras - Educação em Fevereiro de 2008

20.2.08
 
UMA NOVA PERSPECTIVA:
A Formação Contínua de Professores e o Programa de Formação Contínua em Matemática para professores do 1.º ciclo


Maria de Lurdes Serrazina*


Pensar hoje a formação contínua de professores implica ter consciência que o professor possui um conhecimento profissional específico, multifacetado, que desenvolve continuadamente ao longo do tempo, em diálogo com as experiências diversas que vai vivendo, nomeadamente no contexto concreto das escolas em que lecciona e com as turmas que vai encontrando. Esse conhecimento é dinâmico, está em constante evolução, na procura de resposta às novas situações com que o professor se depara, requerendo actualização e aprofundamento permanente e sustentado, o que pressupõe o desenvolvimento de uma atitude e predisposição positiva para o seu investimento profissional. Isto é, a formação contínua deve ser encarada como um processo de desenvolvimento profissional do professor e não apenas como uma forma de colmatar deficiências detectadas na sua formação.


Foi com este pressuposto que se desenhou o Programa de Formação Contínua em Matemática (PFCM) para professores do 1.º ciclo[1] que está no terreno desde o ano lectivo de 2005/06 e que envolveu nos dois primeiros anos mais de 7 000 professores nos 18 distritos de Portugal continental, coordenado pelas respectivas instituições de ensino superior. No corrente ano lectivo estão envolvidos cerca de 3 000 professores do 1.º ciclo e um número superior a 1 000 professores do 2.º ciclo do ensino básico.


O PFCM constituiu um ponto de viragem em termos de estratégias formativas. Trata-se de um modelo em que a formação está centrada na escola e na sala de aula, com duas componentes: uma de trabalho conjunto e continuado (durante o ano lectivo e em sessões com periodicidade quinzenal) do grupo de formandos (8 a 10 professores por grupo) com o formador para planificação, reflexão e aprofundamento dos conhecimentos matemático em articulação com o conhecimento didáctico e curricular envolvidos; e outra de acompanhamento ao nível da sala de aula das planificações trabalhadas nas sessões de formação em grupo, com a consequente reflexão sobre as aprendizagens realizadas pelos alunos, face aos objectivos das tarefas planeadas. O acompanhamento na sala de aula é um aspecto inovador no nosso país e o balanço até aqui revela-o como um espaço fundamental de aprendizagem do professor.


O Programa de Formação está a conseguir, de forma progressiva e gradual, uma atitude profissional de maior empenhamento e investimento no ensino da Matemática, com maior consciência dos desafios que se colocam e com maior capacidade de lhes fazer face – maior sensibilidade para os problemas da aprendizagem da Matemática, maior conhecimento da Matemática a ensinar e de como o fazer, maior predisposição para planificar de forma cuidadosa e aprofundada a aula de Matemática, maior conhecimento dos recursos a mobilizar. Tratam-se de mudanças muito significativas, que têm natureza cultural, e por isso são demoradas. É preciso a mobilização e empenho de todos os parceiros (professores, pais e encarregados de educação, autarcas, estruturas intermédias do Ministério da Educação) para que o processo tenha o êxito esperado. Importa assim criar condições para que este processo continue e se possa desenvolver plenamente, de modo a que atinja a sua finalidade última - a melhoria das aprendizagens dos alunos na área da Matemática e o desenvolvimento de uma atitude positiva face a esta área do saber.


*Professora Coordenadora da Escola Superior de Educação de Lisboa e Coordenadora da Comissão de Acompanhamento do Programa de Formação Contínua em Matemática


[1] Posteriormente alargada ao 2.º ciclo do ensino básico.



Publicado no Jornal de Letras - Educação em Fevereiro de 2008

19.2.08
 
OUTRA MANEIRA DE PENSAR
A Formação de Professores de Língua Portuguesa e o Programa Nacional de Ensino do Português no 1º ciclo do Ensino Básico (PNEP [1])

Luísa Álvares Pereira*

1 – A questão da formação de professores de Português no 1º ciclo do Ensino Básico adquire uma relevância estratégica inquestionável, resultante quer da importância da educação linguística nos primeiros anos de vida, quer do reconhecimento de que os sistemas de formação de professores não têm desempenhado, até agora, um papel determinante na estruturação de práticas profissionais inovadoras e relevantes para o processo de aprendizagem.

A investigação realizada neste domínio tem assinalado um conjunto de tendências negativas, de entre as quais importa destacar:

i) as dificuldades dos formadores relacionarem e articularem perspectivas teóricas com as práticas pedagógicas;

ii) a pouca relevância da informação teórica disponibilizada aos (futuros) professores;

iii) a exterioridade da formação relativamente aos professores e aos seus contextos de trabalho;

iv) a predominância de uma racionalidade técnica na organização da formação, inibindo a sua regulação pela própria prática profissional.

2- O modelo de formação estabelecido pelo Programa Nacional de Ensino do Português no 1º ciclo do Ensino Básico (PNEP) teve em conta tais tendências na definição dos seus referenciais estruturadores.

Assim, o PNEP realça a importância da formação dos professores se centrar, ao mesmo tempo, na escola e na sala de aula, dando particular ênfase às dimensões cognitivas do trabalho pedagógico e ao processo de conceptualização a partir de (actividades) práticas.

Deste modo, privilegia-se como modalidade formativa a oficina de formação em articulação com o apoio tutorial na sala do professor/formando. Este trabalho é assegurado por formadores residentes que mantêm, simultaneamente, uma relação com o seu contexto de trabalho e com a Instituição de Ensino Superior, responsável pela sua formação permanente.

Esta dupla vinculação dos formadores, se, por um lado, os permeabiliza aos problemas da prática pedagógica, facilita, por outro lado, que os possam equacionar, introduzindo novas facetas e novas formas de tematização.

Espera-se que este trabalho formativo desenvolva entre os participantes uma cultura de colaboração, capaz de induzir e fixar no terreno estruturas mais ou menos formalizadas e que possibilitem a continuidade do processo (auto) formativo dos intervenientes.

Este programa de formação define-se em torno de um núcleo duro de temáticas (desenvolvimento da linguagem oral; o ensino da leitura; o ensino da expressão escrita; a utilização do computador como recurso de aprendizagem da língua por adultos e por crianças), temáticas estas que incorporam os resultados da investigação científica que se desenvolve em vários campos do saber que tratam da linguagem -, e sobre as quais estão a ser elaboradas brochuras e outros materiais de apoio, no sentido de criar uma cultura comum de conteúdos essenciais à formação de profissionais do desenvolvimento linguístico e literário na infância.
Tenta-se, assim, evitar a deriva de uma selecção das disciplinas da formação que só muito remotamente se reportam à prática profissional, lógica que sabemos presidir a muitos currículos da formação inicial. Aliás, constitui um dos objectivos deste programa “contagiar” a formação inicial de professores de modo a que a esta seja alimentada pela investigação e desenvolvida em estreita relação com a formação contínua, especializada e pós-graduada em áreas relevantes para a finalidade em questão.

É importante sublinhar que todos os protagonistas nesta formação se encontram, em algum momento do processo, no estatuto de formandos, seja a equipa de Coordenação (Nacional e Regional), os formadores residentes e, obviamente, os “formandos”. Esta formação em rede constitui um dos pilares fundamentais deste modelo e assegura a necessária continuidade de temáticas e problemáticas. Daí que no ano de 2006/2007 se tenha dado prioridade à formação de formadores, quer através do estabelecimento de coordenadas comuns entre as equipas das instituições de ensino superior ligadas ao desenvolvimento do Programa (Outubro de 2006 a Janeiro de 2007), quer através da formação do primeiro grupo de formadores residentes que em 2007/2008 iniciou o programa de formação contínua nas Escolas/Agrupamentos do 1º ciclo.

Pretende-se, ainda, que na regulação do programa, a análise das aprendizagens dos alunos desempenhe um papel estruturante e que estas sejam articuladas com o desenvolvimento de estratégias de ensino da língua.

O PNEP assume, assim, que as dificuldades de aprendizagem das crianças da “escola primária” não podem ser separadas das dificuldades de ensino e que estas, por sua vez, não podem ser desconectadas dos modos de formar os professores de Português no 1º ciclo do ensino básico.

*Professora Auxiliar do Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa/Universidade de Aveiro e Membro da CNA (Comissão Nacional de Coordenação e Acompanhamento) do PNEP


[1] A Comissão Nacional de Coordenação e Acompanhamento do PNEP é coordenada pela Professora Inês Sim-Sim (Escola Superior de Educação de Lisboa).

Publicado no Jornal de Letras - Educação em Fevereiro de 2008

18.2.08
 
SABER ENSINAR:

Lança-se aqui um alerta para a formação de professores, quando se está a facilitar o “apagamento”das Escolas Superiores de Educação, quer pelo progressivo desaproveitamento dos recursos e da competência instalada, quer por se irem desvirtuando/desfocando os fins para que estas escolas foram criadas. As legítimas preocupações com as baixas taxas de escolarização e com o fraco desempenho escolar dos alunos portugueses têm, na ânsia de identificar bodes expiatórios e de recorrer a respostas imediatas e fáceis, “deslocalizado” o debate e desvalorizado a rede de oferta já existente, resultado de um elevado esforço e investimento nacional, sempre esquecendo que, como mais adiante se dirá “as dificuldades de aprendizagem das crianças … não podem ser separadas das dificuldades de ensino e que estas, por sua vez, não podem ser desconectadas dos modos de formar os professores” . Mas formar professores - porque “o professor profissional – como o médico ou o engenheiro nos seus campos específicos – é aquele que ensina não apenas porque sabe, mas porque sabe ensinar” - não é uma tarefa fácil, mas constitui por certo “o instrumento por excelência das reformas” em educação.
A reflexão sobre este tema continua na edição do Jornal de Letras - Educação de Março



SABER ENSINAR:


A Competência do Professor [1]

Maria do Céu Roldão*

Num texto apresentado em 2007 pela Comissão Europeia ao Conselho e ao Parlamento Europeus, intitulado “Para o Desenvolvimento da Qualidade da Formação de Professores”,[2] enunciam-se quatro princípios para o desenvolvimento da competência e qualidade da formação (Common Principles for Teacher Competences and Qualifications) de que aqui destacamos dois. Dizem eles respeito (1) à qualificação superior dos professores e correspondente expectativa de elevado nível do seu conhecimento, e (2) à sua condição de lifelong learners, vinculados pela natureza profissional do seu trabalho, ao imperativo da actualização e construção permanentes de conhecimento. Estas duas dimensões remetem o leitor para duas questões muito simples mas essenciais para se pensar com eficácia a melhoria da formação e do desempenho dos docentes: 1) O que faz um professor? O que define a sua acção profissional? 2) Que precisa ele de saber para desempenhar bem a função em causa?

Dito doutra forma, trata-se de estabelecer com algum rigor a função e o saber que distinguem a actividade docente, para a partir desses referentes equacionar a natureza, os requisitos e o desenvolvimento mais adequados da respectiva formação.

Importa tomar consciência de que as intervenções orientadas para a melhoria efectiva do desempenho docente e, consequentemente, para o investimento na formação de docentes, se reportam a um processo que se aproxima de uma ruptura na representação do que é docência mais do que duma simples melhoria nos recursos e planos formativos e sua organização.

Partimos assim de alguns pontos prévios:

1- A representação social actual da actividade docente remete-a para um estatuto de semi-profissão (no sentido sociológico do conceito de profissão, caracterizado essencialmente por função social reconhecida, autonomia de desempenho e domínio de saber próprio para a função) por um conjunto de razões muito diversas – pelo peso da associação do ensino a uma actividade de natureza sobretudo prática; pela dimensão histórica da sua funcionarização associada à dependência do Estado; e ainda pela idealização/ideologização quase missionária, mais que profissional, tantas vezes associada à docência.

2- Existe uma fragilidade do conhecimento profissional específico dos docentes, não obstante os saberes gerais que sem dúvida dominam; essa fragilidade conduz a que se atribua a capacidade de ensinar a qualquer pessoa que conheça um assunto ou tema, como se ensinar nada requeresse de saber específico para além do conteúdo; esta vertente está em contradição com o elevado nível de qualificação académica de que o grupo é portador;

3- A alegada ineficácia da formação de professores resulta da ilusão da suficiência do conhecimento prévio ao exercício – inaceitável em qualquer outra profissão - e da pouca focagem no conhecimento profissional específico e nos instrumentos da sua construção e uso.

A representação da actividade docente – que é ser professor?

A enunciação desta questão pode parecer deslocada, na medida em que convergem na representação social da actividade docente um conjunto de naturalizações que, sob a suposta evidência, ajudam a tornar difuso o seu perfil.

Assim, a ideia mais elementar do professor como alguém que ensina alguma coisa a outros, contamina-se por um lado com uma noção arcaica de ensinar como apresentar/ transmitir conhecimentos formalizados, por outro com o esbatimento da acção de ensinar face a concepções teóricas que colocam no centro a aprendizagem do outro.
No plano conceptual, estas linhas têm vindo a ser lidas dicotomicamente pela sociedade e pelos próprios docentes, acentuando ou a supremacia arcaica da prática docente como sinónima de apresentação de conteúdos, ou o esbatimento da acção docente em favor de uma alegada maior ênfase na acção do aluno.

Na verdade do que parece tratar-se é da necessidade de reconceptualizar a própria noção de ensinar, interrogando os conceitos prévios que lhe subjazem. Como vimos desenvolvendo noutros textos, o que distingue a função docente que caracteriza o professor reside sim em ensinar, mas ensinar entendido como uma actividade transitiva, traduzida na competência de fazer com que os outros aprendam. Contudo, tal concepção não corresponde a uma redução do protagonismo do professor, supostamente “devendo” deixar a aprendizagem entregue à responsabilidade e iniciativa do aluno, o que, tomado à letra, conduz perversamente à inevitável acentuação das diferenças sociais e culturais de partida. Pelo contrário, requer-se da sua parte uma actuação muito mais sólida e diferenciada, contextual, e fundada num conhecimento profissional mais complexo. Esse conhecimento profissional inclui, como Lee Shulman tão claramente sistematizou nos anos 1980, e divulgou em artigo de 1987 na conceituada Harvard Educational Review, o conhecimento de: conteúdo a ensinar; processo cognitivo do aprendente; significados culturais associados aos conteúdos curriculares; influência dos contextos dos alunos na sua percepção dos conceitos; construção adequada de estratégias de trabalho e avaliação, com capacidade de permanente regulação.

Que conhecimento distingue um professor?

O conhecimento específico, distintivo, requerido para ensinar, no sentido que atrás explicitámos, é assim um saber eminentemente complexo e compósito.

O que distingue o conhecimento profissional que qualifica os professores para o exercício, retomando os Common Principles for Teacher Competences and Qualifications, assenta na especificidade do saber docente, e deverá por consequência informar todas as políticas e práticas de formação de professores, alimentadora de um desenvolvimento profissional continuado, à semelhança do que se passa em outras profissões, como o médico ou o arquitecto. Tal especificidade resulta da sustentação que esse saber oferece para (1) desempenhar adequadamente a acção de ensinar, (2) ser capaz de pensar e teorizar essa acção, e (3) dominar os instrumentos da sua efectiva e permanente melhoria. Importa assim desconstruir a ideia do professor como apenas um prático dispensado de teorizar, tanto quanto a do professor como um apresentador ex cathedra de conhecimento formalizado.

A redução da prática de ensino à ideia de actividade prática, na leitura corrente de professores e futuros professores expressa em inúmeras investigações da última década, conduz a uma cultura profissional que se vem manifestando como largamente resistente à chamada teorização, à conceptualização do agir docente, à sua desmontagem crítica, e analítica, com prejuízo da sua autonomia e da sua competência para reorientar a acção e melhorar os resultados.

O contributo de Donald Schön, na década de 1980 e seguintes, para a teorização do conhecimento profissional em geral – não apenas no caso dos docentes, mas em diversas profissões que no seu trabalho analisou em detalhe – clarifica a indissociabilidade do conhecimento profissional relativamente à prática profissional que lhe corresponde. No essencial, Schön abandona a ideia aplicacionista muitas vezes associada à expressão “relação teoria/prática”– assumindo o conhecimento teórico como supostamente prévio e posteriormente “aplicável” à prática - para salientar a prática profissional como elemento-chave da própria produção de conhecimento, mediante dispositivos de reflexão/construção adequados, associados à natureza singular e imprevisível do agir profissional e das questões que dele emergem.

Trata-se assim de abandonar a visão do professor como um “prático” – alguém que dá aulas - substituindo-a pelo reconhecimento da centralidade da prática profissional nos seus contextos reais como alimentadora, geradora e integradora de saber profissional próprio, por sua vez alimentado quer por saberes formalizados previamente apropriados e constantemente renovados, reconstruídos e ampliados face às situações ( os “casos” na terminologia feliz da profissão médica), quer pelo questionamento analítico-investigativo (reflexivo, na terminologia de Schön) das circunstâncias, problemas, sucessos e insucessos da acção desenvolvida.

Os termos reflexividade e prático reflexivo têm sido objecto de uma banalização no léxico da administração, dos professores e das escolas que descaracteriza frequentemente a ideia-chave desta aproximação – reflexividade entendida como a teorização e a fundamentação rigorosa da acção profissional a partir do questionamento contextualizado e teorizado da sua prática.. Para que a reflexividade implique construção de conhecimento sustentado, terá que se traduzir em dispositivos analítico-investigativos, orientados para a formulação de hipóteses explicativas e sua fundamentação e verificação.
Tal prática reflexiva pressupõe ainda a análise e a discussão entre os pares face às situações de ensino e aprendizagem vivenciadas, e a produção de interpretações fundamentadas em saber, susceptíveis de ser reinvestidas na acção. Só a reflexividade assim entendida pode garantir a ruptura com a circularidade improdutiva das inúmeras discussões e trocas de opiniões realizadas no quotidiano dos professores e desesperantemente incapazes de produzir saltos qualitativos nas suas práticas, não obstante o investimento, o interesse, o empenhamento e genuíno esforço.

A prática reflexiva requer pois: (1) o recurso a conhecimento teórico e prático prévios, (2) a teorização problematizadora da situação prática em apreço e (3) a produção de conhecimento susceptível de ser comunicado a outros, e mobilizado noutras situações.

Propostas de actuação para a formação de professores no quadro das políticas dos Estados Membros da União Europeia

Tomando como referência a noção de conhecimento profissional docente assente na função e competência de ensinar que distingue o professor como profissional, e à luz da Recomendação sobre Qualidade da Formação de Professores para as políticas dos Estados Membros da UE, parece possível identificar algumas linhas orientadoras para a melhoria da qualidade da formação dos professores e consequente impacto na melhoria das aprendizagens dos alunos:

1. Assunção da formação de professores como um processo contínuo de desenvolvimento profissional


Esta perspectiva pressupõe romper com a lógica até agora dominante em duas vertentes: por um lado, pela assunção clara da natureza profissional da actividade docente e do défice actual relativamente a este estatuto; por outro, implica conceptualizar a formação inicial e contínua como um todo, estabelecendo para isso os necessários dispositivos organizacionais, nomeadamente a responsabilização das Universidades e outras instituições de formação superiores pelos vários níveis e momentos da formação de professores, regulados pelos referenciais europeus.

2. Estabelecimento continuado de parcerias de formação entre instituições formadoras e escolas


Reconhece-se a necessidade da criação de parcerias formativas entre as Universidades e Escolas Superiores e as escolas e professores no terreno, criando redes de formação em torno de cada instituição formadora, cujos recursos se podem constituir em suporte do trabalho docente nessas mesmas escolas. Isso pressupõe a inclusão explícita deste apoio às escolas e agrupamentos na missão das Universidades e Escolas Superiores, com a respectiva avaliação reguladora de resultados e procedimentos .

3. Estabelecimento da dimensão da formação dos docentes como um dos elementos da organização das escolas e da sua avaliação


Nesta vertente, importará considerar que a cultura existente, em Portugal e em alguns outros países de administração mais centralista da União Europeia, não tem esta tradição. As medidas para a incentivar não podem assim centrar-se na normatividade, nem na uniformidade prescrita de procedimentos, mas sim na regulação e no incentivo a práticas de formação concebidas e geridas pelas escolas, em parceria com as instituições de formação, para melhorar a sua acção, reflectidas na melhoria do seu desempenho e da aprendizagem dos seus alunos.

4. Estabelecimento da centralidade da prática docente supervisionada, em todos os momentos e percursos de formação


Na linha que vimos defendendo, o trabalho de formação de qualquer profissional, deverá ter como eixo estruturante a problematização e a vivência da prática profissional e seus contextos – veja-se o paralelismo com a formação médica por exemplo. Essa linha, já ensaiada e investigada em numerosas situações bem sucedidas, deverá também assumir centralidade na organização de qualquer formação de docentes.
Tal não significa uma redução da dimensão científica (pelo contrário, parece necessário reforçar a sua solidez) nem das dimensões pedagógico-didácticas que integram o saber profissional (também elas necessitando de idêntica valorização e aprofundamento permanentes). Significa sim uma reconceptualização da formação, integrando numa política global os níveis da formação inicial e da formação continuada nos contextos de trabalho, no sentido de articular a apropriação de todos os campos de conhecimento com uma adequada mobilização e uso de saber em situações de ensino concretas, apoiadas e supervisionadas.
Trata-se assim de instituir a supervisão como um dispositivo de trabalho regular nas escolas, dimensão que é hoje, no sistema português e contrariamente aos seus parceiros europeus , um espaço vazio no percurso profissional dos professores.

5.Estabelecimento da investigação como componente essencial da formação e da acção profissional


Esta questão tem sido controversa no mundo académico, ciosos que são os investigadores e académicos da delimitação do seu território, nesta como em outras áreas de saber. Parece contudo consensual a necessidade e valia do apetrechamento e capacitação dos docentes com saber e domínio de instrumentos conceptuais e técnicos de investigação, que lhes permitam tornar efectiva e rigorosa a sua reflexão analítica sobre a acção de ensino que desenvolvem e ser utilizadores competentes da investigação produzida noutras sedes.

Em jeito de conclusão…

A necessária subida dos níveis de qualidade do desempenho docente e o reforço do seu estatuto de profissionalidade, por sua vez essenciais à melhoria da aprendizagem curricular e social que da escola se espera, não podem dispensar um salto qualitativo significativo na formação de professores, que por sua vez pressupõe uma outra relação dos professores com o saber profissional e com a sua produção.
Permita-me o leitor que retome o que sobre esta temática recentemente escrevi noutra sede, e que de algum modo sintetiza o que entendo dever ser o referencial da qualidade a garantir na formação de professores como profissionais de ensino:

O professor profissional – como o médico ou o engenheiro nos seus campos específicos – é aquele que ensina não apenas porque sabe, mas porque sabe ensinar. E saber ensinar é ser especialista dessa complexa capacidade de mediar e transformar o saber (isto é, o que se pretende ver adquirido, nas suas múltiplas variantes) (…) − pela incorporação dos processos de aceder a, e usar o conhecimento, pelo ajuste ao conhecimento do sujeito e do seu contexto, para adequar-lhe os procedimentos, de modo a que a alquimia da apropriação ocorra no aprendente (…). Aprende-se e exerce-se na prática, mas numa prática informada, alimentada por velho e novo conhecimento formal, investigada e discutida com os pares e com os supervisores (…). Saber produzir essa mediação não é um dom, embora alguns o tenham; não é uma técnica, embora requeira uma excelente operacionalização técnico-estratégica; não é uma vocação, embora alguns a possam sentir. É ser um profissional de ensino, legitimado por um conhecimento específico, exigente e complexo.

(Roldão, M.C. “Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional”. Revista Brasileira de Educação, Jan./Abril.2007 v.12 n.34: 94-103).
*Professora do Ensino Superior



[1] Texto adaptado a partir de comunicação da autora na Conferência “Desenvolvimento Profissional de Professores para a Qualidade e Equidade da Aprendizagem ao Longo da Vida”, realizada em Lisboa, em 27 e28 de Setembro de 2007, no âmbito da Presidência Portuguesa da União Europeia.

[2] Commission of the European Communities (2007). Communication from the Commission to the Council and the European Parliament: Improving the Quality of Teacher Education.


Publicado no Jornal de Letras - Educação em Fevereiro de 2008


13.2.08
 
Debate Público
Projecto de Decreto-Lei sobre o novo regime jurídico de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário

Participantes:
Elisabete Ferreira, João Barroso, João Dias da Silva, João Formosinho e Manuela Mendonça.

Moderação: José Alberto Correia e Maria Beatriz Bettencourt

Data: 20 de Fevereiro de 2008
Hora: 17h
Local: Auditório 1 da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto
Organização: CIIE

Cartaz

Inauguração do Centro de Recursos Stephen R. Stoer
Apresentação do Nº 24 da Revista Educação, Sociedade Culturas

Participantes: José Alberto Correia, António Magalhães, Fernanda Rodrigues e Manuel Matos
Data: 29 de Fevereiro de 2008
Hora: 17h
Local: FPCE-UP
Organização: CIIE

Mais informações
VII Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação
Data: 20 a 23 de Junho de 2008

Local: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Promoção: ANPED, SBHE
Realização:UPorto, FPCE-UP, FLUP Apoios: U. Porto, Fundação Calouste Gulbenkian, FCT, Rota dos Móveis, Município de V. N. Gaia, CIIE
Mais informações

12.2.08
 
Educação, Cidadania e justiça
Uma das dimensões da educação para a cidadania é a informação e a educação jurídica.

Ao ouvirmos os debates dos últimos tempos sobre as desigualdades no acesso à justiça, as dificuldades na compreensão daquele mundo, sobre os pobres e excluídos que se encontram presos por não terem quem os defenda e a maior parte das vezes não entenderem o mínimo sobre as encruzilhadas em que se encontram, é inevitável pensar no papel que a escola deveria ter ao preparar os cidadãos, também nesse domínio!
Mais uma tarefa para a escola dirão alguns....pois é, a escola tem cada vez mais "encomendas" -o que obriga a fazer opções, conciliando a cultura e as tradições com os novos problemas- mas é indispensável dar meios aos cidadãos para sobreviverem neste mundo!

Ana Maria Bettencourt

 
Actividades Culturais
No Palácio da Independência (Largo de São Domingos, 11) decorrem semanalmente actividades culturais que podem interessar a quem tenha algum tempo disponível e vontade de ouvir duas professores aposentadas que marcaram e marcam o seu tempo, nas escolas e na administração educativa:

Todas as quartas-feiras às 11h00, Élia Pereira de Almeida coordena a “Hora de Ler”, e às segundas e terceiras sextas-feiras de cada mês, Manuela Simões anima um encontro sob o tema genérico de Cultura Geral mas que se tem centrado e vai continuar a centrar-se em História e na História das mulheres.

Tudo decorre na Sala do Conselho Supremo do Palácio da Independência e a entrada, até se tomar o gosto e passar a ser um assistente assíduo, começa por ser livre!

Apareçam!

6.2.08
 
Educação para a Cidadania em Espanha
EspanhaTribunal Superior catalão recusa suspender Educação para a Cidadania

Barcelona, Espanha, 31 Jan (Lusa) - O Tribunal Superior de Justiça da Catalunha (TSJC) rejeitou hoje medidas cautelares contra o ensino obrigatório da cadeira de Educação para a Cidadania, exigidas por várias associações religiosas espanholas.
As associações "E-Cristians", Fundação Abat Oliva e Associação de Juristas Cristãos da Catalunha consideram que a cadeira, aprovada por decreto governamental em Junho de 2007, enfraquece valores constitucionais como o do pluralismo político e os direitos de liberdade ideológica, religiosa e de culto.
Os magistrados do TSJC rejeitam os argumentos, afirmando que a cadeira obrigatória - que começou no ano passado a ser ministrada em algumas comunidades autónomas - não afecta os valores e direitos constitucionais.
A polémica cadeira foi fortemente contestada pelos sectores mais conservadores, incluindo pela Igreja Católica espanhola, tendo o Partido Popular (PP) prometido retirá-la se vencer as eleições de Março próximo.
Na sua sentença, o TSJC rejeita ainda o argumento de que a cadeira produza "preconceitos irreparáveis" no ideário dos centros educativos participados ou geridos pelas associações religiosas.
No mínimo, refere o texto, esses preconceitos não são "de uma gravidade superior aos que resultariam da suspensão da normativa", obrigando a que a lei seja cumprida.
A decisão surge no mesmo dia em que a Conferência Episcopal Espanhola (CEE) emitiu uma nota com recomendações para as eleições de Março próximo, em que entre outros temas se manifesta contra a Educação para a Cidadania.
Para os bispos, a cadeira, "prejudica o direito dos pais - e da escola em colaboração com eles - de formar os seus filhos de acordo com a suas convicções religiosas e morais".
O governo insiste que a cadeira não tem qualquer impacto na liberdade religiosa, inserindo-se apenas no cumprimento de compromissos da Espanha com o Conselho da Europa e a Convenção dos Direitos Humanos.
Oficialmente, as sete comunidades autónomas onde arrancou o ensino da disciplina - que se alargará a alunos dos ensinos primário e secundário em todo o país até 2009 -- registaram apenas 84 objecções formais.
O governo espanhol considera a disciplina um elemento essencial do programa educativo, necessária, tanto para actualizar o currículo espanhol para níveis europeus nesta matéria, como para fazer cumprir obrigações de Espanha em questões como cidadania e direitos humanos.
Cabe às comunidades autónomas, com responsabilidade para gerir o sector educativo, decidir quando arranca o ensino, sabendo-se que até 2009 todas as escolas públicas terão que ter implementado a cadeira.
Responsabilidade cidadã, igualdade entre géneros, reconhecimento da dignidade humana, respeito por opiniões e crenças diferentes e pela diversidade e direitos humanos são alguns dos temas essenciais da cadeira.
Cooperação, tolerância, justiça, a cultura da paz, direitos e deveres dos cidadãos, constituição e democracia e reconhecimento da diversidade cultural e religiosa inserem-se igualmente no currículo.
ASP.
Fonte: Agência LUSA

5.2.08
 
Debater a Educação
Este blog foi criado, entre outras razões, para "promover o debate sobre questões educativas". Assim, todos os debates com pessoas experientes e qualificadas podem interessar. Aqui fica o anúncio de um debate organizado pela Associação 25 de Abril no próximo Sábado :



DEBATE
"ESCOLA: PARTICIPAÇÃO E DEMOCRACIA”
entre : ANA BENAVENTE (Investigadora em Educação); SÉRGIO NIZA (Movimento Escola Moderna) e LUIZA CORTESÃO (Professora Catedrática jubilada da Universidade do Porto, Presidente da direcção do Instituto Paulo Freire)
SÁBADO, DIA 9 DE FEVEREIRO, 16H, ASSOCIAÇÃO 25 DE ABRIL(Rua da Misericórdia, nº95, Bairro Alto-Lisboa)

M.E.B.S. e T.V.

1.2.08
 

Por uma escola democrática
Fala-se muito dos maus resultados da escola portuguesa. E abrange-se erradamente nesta avaliação todos os alunos. É falso. Sabemos que a escola portuguesa é boa, mesmo muito boa para os bons alunos. E mesmo para os alunos médios. Podia ser melhor? Claro que sim.
Mas o nosso principal problema consiste no facto de não conseguirmos ter uma escola, em regra, boa para os alunos que apresentam dificuldades e encontram numerosos obstáculos pelo caminho. Para os alunos que vão desistindo. Uma escola capaz de actuar aos primeiros sinais de dificuldades. Uma escola que em vez de rotular os alunos, seja capaz de transformar as suas dificuldades em desafios e de os motivar para aprenderem mais. Uma escola capaz de diferenciar estratégias de trabalho. Uma escola onde se aprenda a trabalhar e onde se trabalhe mais. Porque temos um número elevadíssimo de alunos que não tem condições para trabalhar em casa, nem quem os ajude, e o sucesso educativo não pode continuar a depender do apoio recebido em casa e das explicações.
A nossa escola não é uma escola democrática apesar dos esforços que têm sido realizados para que todos a possam frequentar e possam ter condições para aprender. Estamos a dar passos muito positivos, sem precedentes, no sistema de educação de adultos, para pagar a dívida que a democracia tem para com os que foram excluídos dos caminhos da educação, mas a escola básica e secundária tarda em adaptar-se aos desafios da democratização.
Um dos principais problemas da escola portuguesa é ser demasiado regulamentadora, e pretender dirigir-se a um aluno médio, deixando uma grande parte pelo caminho. Qualquer reforma que queira resolver os problemas de insucesso tem de tratar em primeiro lugar das condições de organização e dos apoios necessários para a criação de uma escola inclusiva, onde todos possam efectivamente aprender.
Ana Maria Bettencourt