Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

30.3.08
 

De Tiago Caeiro publicamos uma pertinente reflexão sobre a violência escolar.
Charlot afirma que a violência escolar mais do que provocar alarme social, vem suscitar inquietações e colocar em causa algumas das representações sociais mais comuns: a escola (enquanto porto de abrigo das crianças), a infância (associada a uma noção de inocência) e ideia do próprio regime democrático (supostamente pacifico em regimes democráticos consolidados).
O crescente alarme sobre a violência nas escolas ou nas relações com os pais, não deixa de ser uma injustificada tempestade num copo de água, alimentada pelo mau estar generalizado dos professores e pela avidez de acontecimentos mais recentes, que algumas vezes enaltecem insignificâncias ou apresentam como sinal dos tempos o que não são mais do que casos excepcionais. Magnifica-se qualquer incidente no qual a vítima seja o professor e minimizam-se ou ignoram-se aqueles em que a vítima e o agressor são os alunos (para já não falar daqueles que o agressor é o professor.)
Em relação ao este caso do Carolina Michaelis (uma escola no centro do Porto, frequentada maioritariamente por alunos de classe média) alguns dados foram surgindo na imprensa à qual não tem sido dado o devido destaque. "Grande parte da turma é constituída por alunos repetentes, que não frequentaram a mesma escola no ano passado e provêm de outros estabelecimentos, inclusivamente de outros concelhos" e que "dos 28 alunos, 20 chumbariam se fosse final do ano", devido às avaliações que têm, disse um responsável da escola ao JN (
http://jn.sapo.pt/2008/03/23/nacional/maior_parte_turma_9o_c_chumbaria_fos.html)
Mais tarde o Publico refere que estes "alunos que foram transferidos das escolas do Cerco do Porto, de Custóias e do Colégio Universal, alguns deles por questões disciplinares.»
(Publico27/03/2008,
http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1323798)
Vários trabalhos recentes da sociologia portuguesa assinalam claramente para uma evolução da 'exclusão da escola' para a 'exclusão na escola'. A escola pública acolhe todos, ao contrário do que acontecia nos anos 70 e 80, quando a maior parte dos estudantes não frequentava aulas para além do 1º Ciclo, mas fá-lo "de uma forma muito diferenciada".O processo de constituição de turmas em muitas escolas é feito segundo o desempenho escolar e a origem social dos alunos contribuindo decisivamente para o aumento das desigualdades dentro da escola. Estes trabalhos mostram que em algumas escolas os alunos de classe média com trajectórias escolares de excelência são agrupados nas mesmas turmas, enquanto estudantes provenientes de bairros sociais e com um fraco desempenho escolar são agrupados noutras turmas.

As noticias vindas na imprensa mostram que a turma em questão é composta por um grupo de alunos fortemente desenquadrado com as vivências do trabalho escolar, que não encontra sentido na oferta de escola especifica (com um percurso marcado por múltiplas retenções) e que se encontra numa situação de pré-abandono, ampliada pela agregação dos alunos "repetentes" na mesma turma.

Bernard Charlot
[1] refere que esta inadaptação deve-se em parte aos programas que operam numa lógica de acumulação dos conteúdos disciplinares, em que é suposto valorizar a disciplina ensinada e que, pelo seu peso, incitam os professores a "prosseguir"mesmo que alguns alunos na turma não tenham compreendido determinados conteúdos. Desta forma, algumas crianças e jovens na turma são consecutivamente colocados à margem, alheados dos processos de ensino aprendizagem, resultando na desmobilização dos alunos, na criação de formas de tensão quotidiana que colocam barreiras na comunicação e no trabalho em sala de aula, e que por vezes, assumem a forma de violência aberta. A incapacidade de superar as dificuldades de aprendizagem dos alunos numa fase tão precoce cria acentuados desajustamentos, tendo como consequência retenções consecutivas, criando turmas de alunos com diferenças de idades significativas.
É importante afirmar claramente a ineficácia das aprendizagens têm consequências palpáveis no ambiente escolar e que a violência escolar fabrica-se também dentro da vida quotidiana de certas turmas.


As diferenças nos resultados obtidos pelas escolas também estão sistematicamente relacionadas com as suas características como instituições sociais. Diferenças entre a gestão dos estabelecimentos, organização das equipas, responsabilidade e participação com preponderância no clima de escola, influenciam a qualidade das aprendizagens e dos percursos educativos dos alunos. A violência na escola é também uma questão que está associada às práticas de ensino quotidianas uma vez que é raro encontrar alunos com condutas violentas entre os que acham sentido e prazer de estar na escola…
[1] CHARLOT, Bernard . Violences à l'école: la dimension ethnique du probléme . Ville École Intégration, Paris, v. 121, p. 178-189, 2000
Tiago Caeiro

29.3.08
 

Excertos de entrevista de António Nóvoa ao DN
em 28-11-05
"A autoridade não se impõe, conquista-se"
O reitor da Universidade de Lisboa, professor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação defendeu a ideia de um "contrato", com direitos e deveres mútuos, entre professores, pais e alunos

À pergunta porque é que, às vezes lidando com as mesmas turmas, há professores que conseguem mais facilmente o respeito dos seus alunos do que outros responde
“Esse é um dos grandes mistérios da educação. Os melhores professores conseguem manter uma relação equilibrada com os alunos. Há uma sensação de conforto e de naturalidade na acção
pedagógica. Eles sabem que a autoridade não pode ser exercida de forma arbitrária. É preciso que as regras tenham sentido, que sejam impostas com justiça e equidade. Mas eles evitam,
também, cair no extremo oposto o poder baseado na pura sedução ou no carisma pessoal (...) É também muito interessante ouvir o que os alunos têm para nos dizer”.

28.3.08
 

Carolina Michaelis

O dia em que o país viu uma sala de aula
Foram muitos os comentários, publicados nos últimos dias, sobre a lamentável cena de violência ocorrida na Escola Secundária Carolina Michaelis.
Quase todos – partidos, sindicatos, opinion makers - tentaram encontrar “culpados”: a falta de formação de professores para actuarem em casos difíceis, o estatuto do aluno; o actual Governo que, ao querer avaliar os professores, fragiliza a sua imagem e os coloca à mercê dos alunos mal comportados, as famílias que não educam os filhos e, o mais extraordinário dos comentários, o de Vasco Pulido Valente que, no Público, acusava a longa lista dos ministros da educação que, desde Veiga Simão, teriam arrasado a autoridade e a disciplina.
Mais do que encontrar culpados para a cena visionada pelo país – reprovável sob todos os pontos de vista, e que deve ser claramente punida – há que tentar compreender as circunstâncias que a tornaram possível e criar condições para que cenas como esta não se reproduzam.
Apesar da insistência dos media, não creio que esta seja uma cena muito comum....mas ela não deveria poder acontecer em nenhuma escola.

Interrogações
Como é possível que um acto tão grave ocorrido numa sala de aula - quer o acto de violência da parte da agressora, quer o clima de achincalhamento perceptível no vídeo - seja tão silenciado que os responsáveis pela escola só dele tenham conhecimento muito tempo depois pela comunicação social?
Qual o papel do conselho de turma e do director de turma na regulação da disciplina?
Será possível que a situação de indisciplina que, segundo se tem dito na comunicação social, existiria nesta turma, não tenha sido analisada e não tenham sido tomadas medidas de prevenção?
Quais as regras existentes na escola quanto ao uso de telemóveis dentro da sala de aula? Existem regras claras na escola? Que medidas foram tomadas para as fazer cumprir? Como são enfrentadas as transgressões?

O passado não tem futuro
Tenho analisado, em escolas com que tenho trabalhado nos últimos tempos, algumas práticas que podem prevenir ou dar origem a situações de indisciplina e violência. É na escola concreta com os seus problemas e dificuldades que é necessário procurar o futuro.
O facto de a todos os elementos na escola - professores funcionários não docentes, alunos, direcção da escola – ser atribuída uma parte de responsabilidade pelo clima de trabalho e pela vida escolar, dentro e fora da sala de aula, é muito importante. É essencial que todos se sintam responsáveis pelo cumprimento de regras e pela educação dos alunos.
O conselho de turma e o director de turma podem ter um papel decisivo e a sua actuação concertada é essencial na prevenção da indisciplina e na integração escolar. As escolas devem prever tempos e espaços para que as equipas educativas programem o trabalho e analisem dificuldades, sem o que as situações críticas se podem ir agravando.
A actuação rápida, ao primeiro sinal, quer em casos de indisciplina, quer em casos de dificuldade escolar dos alunos, é decisiva. O trabalho com as famílias, infelizmente nem sempre possível, é também muito importante. A actuação concertada entre professores da turma, director de turma, direcção da escola e famílias é indispensável.
A criação de espaços de análise dos problemas e responsabilização dos alunos pelo cumprimento das regras e das leis é essencial para a criação de um clima de trabalho produtivo e é também uma estratégia por excelência de aprendizagem da democracia......A repressão das transgressões é essencial.....as práticas de castigos transformados em serviço cívico são um caminho com resultados muitas vezes positivos.

De nada adianta sonhar com o regresso ao passado.....parafraseando uma frase do jornal Le Monde da educação “o passado não tem futuro...” É preciso encontrar novas soluções para os novos problemas e para os novos objectivos da escola, entre os quais formar cidadãos responsáveis. A aprendizagem da responsabilidade é também uma função da escola, em cooperação com outras instituições como a família.

Quebrar a solidão de alguns professores
O princípio de que o que se passa na aula só ao professor diz respeito, e de que a direcção da escola não deve interferir no domínio das práticas de cada professor, pode dar origem a situações de grande solidão como aquela que a professora agredida deve ter vivido.
O que se passa dentro da sala de aula é da responsabilidade do professor mas essa responsabilidade deve ser partilhada pelo conselho de turma e pela direcção da escola, responsável pelo que se aprende ou não se aprende e pelo clima de trabalho que nela se vive.

Conheço escolas situadas em meios particularmente sensíveis que se organizaram para prevenir processos de violência e acompanhar melhor os professores.....seria bom que se mostrasse também esses casos.

Ana Maria Bettencourt

27.3.08
 


AMB



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26.3.08
 

Indiferença social face às crianças e às famílias da Granja
O casamento adiado do Ricardo Carolino

Hoje, era o dia do casamento do Ricardo Carolino, jovem de etnia cigana que conheci como aluno do 9º ano na EB2,3 de Vialonga, no ano passado.
Escrevi sobre ele neste blog, há uns meses. Tinha completado com sucesso o 9º ano e, apesar dos apelos da escola para que frequentasse um curso profissional, tinha abandonado os estudos para ir fazer a feira. O pai já lhe tinha construído uma barraca onde iria viver com a prometida, uma prima direita, após o casamento. Havia então uma ameaça de demolição das barracas da Granja onde vive a família Carolino e várias outras famílias das quais fazem parte mais de cinquenta crianças.
A demolição punha em causa os projectos de integração escolar em curso, organizados para combater o absentismo e insucesso escolar . Foram movidos da parte da presidente do agrupamento de escolas de Vialonga vários esforços para serem encontradas soluções que garantissem a estabilidade das famílias e a continuidade das crianças nos projectos educativos que frequentavam. Mobilizaram-se autarquia, a escola e vários outros serviços daquele território. As famílias do bairro cigano da Granja descansaram então, certas de que haveria uma solução breve para o problema.
Às seis da manhã de hoje , foram surpreendidos com uma ordem para abandonarem as habitações, operação que seria levada a cabo pela GNR, por decisão do tribunal. Tudo se passou com uma relação de tranquilidade, entre os habitantes do bairro e as dezenas de agentes da GNR.
Foram transportados os haveres para um depósito tendo ficado todas as pessoas, incluindo as crianças, na rua, durante longas horas, ao frio e sem terem comido. Várias crianças estavam doentes.
Nem autarquia, nem segurança social...sucederam-se as horas sem que os habitantes soubessem se teriam um tecto para passar a noite. Nem uma palavra de solidariedade, nem um gesto para tornar o dia daquelas famílias e sobretudo daquelas crianças menos penoso.
As crianças tinham fome e frio? Ninguém parecia preocupar-se com o assunto.
Assistiu-se ao longo do dia a uma trágica ausência de responsabilidade social... ao lamentável jogo do empurra que tão tristemente marca a vida de muitas crianças deste país...em que se considera com demasiada frequência ser bom que a responsabilidade pertença a outros!
Ao longo do dia a escola era a única entidade presente naquele triste espectáculo de demolição, em que a plateia triste dos habitantes do bairro, tinha como companhia a GNR e os seus cães.
Só alguns habitantes de moradias próximas, chocados com o que se passava, foram passando por lá.
A mediação entre as famílias e as instâncias que poderiam resolver o problema foi sendo realizada pela presidente da EB2,3 de Vialonga, Armandina Soares.
Já à tarde soube-se então que a Segurança Social iria alojar aqueles que o pretendessem numa pensão em Lisboa....até ser encontrada uma solução. As crianças seriam transportadas para Vialonga todos os dias, para frequentarem a escola.

O casamento do Ricardo ficou a aguardar melhores dias.

26-03-08
Ana Maria Bettencourt