Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

30.4.08
 

A propósito do desafio para a participação neste blog num debate sobre educação para a cidadania, recebemos de Pascal Paulus o seguinte contributo, que agradecemos
AMB

Sugestões de leitura / consulta acerca da nossa prática (nós = crianças com o seu professor)Um relato de um trabalho de solidariedade no 1º ciclo, reflectindo acerca dos direitos das criançashttp://web.educom.pt/pr2022/turmadois/index.htmuma reflexão acerca da educação para a cidadania na escola básicahttp://web.educom.pt/~pr2022/textos/grandeirmao.

Pascal Paulus

 
S.O.S. EDUCAÇÃO ESPECIAL
Luís Miranda Correia**


No dia 7 de Janeiro de 2008 foi publicado no Diário da República o Decreto-Lei nº3, designado, na gíria, por “nova lei da Educação Especial”. Mandaria o bom senso que esta peça de legislação considerasse um conjunto de cláusulas que garantisse a existência e eficácia dos serviços de educação especial pelo menos para todos os alunos com NEE permanentes; que assegurasse a exacção e a adequação das decisões a tomar quanto à provisão desses serviços; que aprovisionasse os meios financeiros necessários ao seu bom funcionamento; que considerasse um conjunto de procedimentos administrativos, preciso e claro, a todos os níveis; que tivesse por base o conhecimento científico que a investigação credível tem gerado. Contudo, ao analisarmos o Decreto-Lei, verificamos que a maioria destas premissas não foram consideradas ou foram-no incorrectamente, talvez por três razões essenciais: (1) Pelo pensamento e a acção que motivaram a sua elaboração estarem arraigados a congeminências políticas; (2) Pela falta de consulta a especialistas de renome, a associações, a professores e a pais; e (3) Pela inexistência de debate e subsequente discussão pública.
Foi talvez a falta deste diálogo que deu lugar à publicação de uma lei incoerente, confusa, que deveria ter por objectivo primeiro elucidar as nossas escolas quanto à forma de responder mais eficazmente às necessidades dos alunos que requerem uma atenção muito especial, para que assim se pudessem criar condições que permitissem melhorar a sua qualidade de vida – educacional, socioemocional, pessoal e vocacional.
Como este não foi o caso, ficámos perante um Decreto-Lei, sintáctica e semanticamente confuso, bastando, para o confirmar, ler-se o primeiro parágrafo do seu preâmbulo. Retórico, com os chavões que, nesta matéria, já nos acostumámos a ouvir, tal como, “Todos os alunos têm necessidades educativas…”, ficando-se pela oratória em detrimento da conceitualização de termos como, por exemplo, o de inclusão, o de educação especial e o de necessidades educativas especiais.
A lei afigura-se-me, ainda, pouco original e curial, ao usar a linguagem do preâmbulo no seu preceituado (ver, por exemplo, o parágrafo sexto do preâmbulo e o preceituado no artigo 1º, ponto 1), deixando perceber a intenção de se pretender usar a todo o custo a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (vulgo CIF), da Organização Mundial de Saúde. A propósito da CIF, o Decreto-Lei propõe o seu uso (artigo 6º, ponto 3) para determinar a elegibilidade do aluno com NEE para os serviços de educação especial e subsequente elaboração do programa educativo individual, sem que a investigação assim o aconselhe. Deste facto dei conta à Senhora Ministra da Educação quando lhe enviei, em devida altura, uma carta em que era visível o posicionamento de eminentes cientistas e investigadores estrangeiros, alguns deles envolvidos na adaptação da CIF para crianças e adolescentes, estando todos eles em desacordo quanto ao seu uso no momento presente. Mas, o mais caricato é que a CIF que a lei propõe é a versão para adultos e não a CIF-CA (Classificação Internacional de Funcionalidade para Crianças e Adolescentes) ainda em fase exploratória (Existe apenas uma tradução da grelha original, efectuada pela DGIDC, e uma versão experimental traduzida, com base na CIF (2003) e ICF-CY (no prelo), pelo Centro de Psicologia do Desenvolvimento e da Educação da Criança da Universidade do Porto). E mesmo depois da discussão da CIF-CA em Veneza (Outubro de 2007), ainda não existe investigação que aconselhe o seu uso, nos termos que o Decreto-Lei propõe ou em quaisquer outros termos. Ainda mais grave é o facto de: (1) a grelha que fundamenta a CIF não ser uma “Checklist” (Lista de verificação) como é designada pelos “peritos” da DGIDC, mas, sim, uma “Rating Scale” (Escala gradativa), uma vez que se pede para classificar comportamentos, sejam eles acções, envolvimentos ou desempenhos; (2) existir uma aparente sobreposição, diria até, indefinição, entre “actividades” e “participação” que podem levar a possíveis classificações incorrectas; (3) ao se pretender preencher esta escala gradativa, se tropeçar no princípio da subjectividade inerente a este tipo de escalas (tipo Likert), pelo que um elemento da equipa pode sugerir um qualificador, podendo um outro discordar; (4) se necessitar de muito tempo para preencher a escala, com as devidas consultas ao manual, e as dúvidas e discordâncias que ela e ele suscitam; e (5) a falta de investigação fidedigna que aconselhe o seu uso em educação.
É ainda importante referir aqui que, mesmo que se teime (porque é de uma birra que se trata, em que os alunos com NEE irão servir de cobaias a uma teimosia que os vai colocar, ainda mais, numa situação de insucesso e de desrespeito total pelos seus direitos) em usar a CIF-CJ em educação, ela não poderá sobrepor-se aos instrumentos e técnicas que os professores e técnicos especializados já usam, servindo apenas de repositório à informação por eles recolhida. Deste modo, mesmo se argumentarmos que a CIF-CJ se poderá constituir como um instrumento aglutinador de determinada informação, arrumando-a em códigos, em matéria de educação continuo a afirmar que o seu uso é totalmente descabido, sob pena de, como diz o notável cientista e professor, James Kauffman, estarmos a praticar “um erro sério, mesmo trágico”.
Mas, infelizmente, a procissão ainda vai no adro. A análise do Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de Janeiro, traz-nos mais algumas preocupações.
A primeira prende-se com o facto de se atribuir a coordenação do programa educativo individual ao educador de infância, professor do 1º ciclo, ou director de turma, consoante as circunstâncias, constituindo-se esta decisão como uma falácia a merecer a mais veemente crítica. É muita a investigação que nos dá conta do cepticismo e, por vezes, da hostilidade dos educadores e professores quanto às suas responsabilidades no que respeita ao atendimento a alunos com NEE nas suas salas de aula. Para além da falta de preparação, muitos deles sentem-se apanhados pela armadilha da “qualidade versus igualdade”, sentindo a “pressão” do sistema quanto à melhoria dos resultados dos seus alunos ditos sem NEE, mas simultaneamente tendo que responder às necessidades dos alunos com NEE, cujas aprendizagens atípicas lhes exigem competências que não têm e que, caso não lhes seja proporcionado o acesso a serviços especializados adequados, fará diminuir o sucesso escolar dos dois grupos de alunos.
A segunda preocupação tem a ver com a condição restritiva e discriminatória da lei. Ao limitar o atendimento às necessidades educativas especiais dos alunos surdos, cegos, com autismo, com multideficiência e surdo-cegueira (ver artigo 4º, pontos 1 a 5), está a discriminar a esmagadora maioria dos alunos com NEE permanentes (mais de 90%, representando mais de 100 000 crianças e adolescentes), alunos com problemas intelectuais (deficiência mental), com dificuldades de aprendizagem específicas (dislexias, disgrafias, discalculias, dispraxias, dificuldades de aprendizagem não-verbais), com perturbações emocionais e do comportamento graves (ex., esquizofrenias e psicoses) e com problemas de comunicação (ex., problemas específicos de linguagem).
Há ainda uma outra situação que me deixa preocupado e confuso, que se refere ao atendimento dos alunos surdos tal com a lei o prescreve. Fica-se sem saber se estes alunos se enquadram no espectro dos alunos com NEE permanentes, receptores de serviços de educação especial, ou se, pelo contrário, fazem parte de uma comunidade, com língua e cultura próprias, que deve beneficiar de uma educação bilingue. Sem pretender tomar partido quanto às posições adoptadas pelos indivíduos surdos, a educação bilingue de alunos surdos, descrita no artigo 23º do Decreto-Lei, deveria ser objecto de legislação à parte, uma vez que os paradigmas que dizem respeito à educação especial nada têm a ver com os que prescrevem a educação bilingue/bicultural. O simples facto de se introduzir numa “lei de educação especial” o factor da multiculturalidade (neste caso, do ensino bilingue/bicultural), pode levar muita gente a inferir que todas as crianças e adolescentes de determinada comunidade (ex., cigana, cabo-verdiana, bósnia) devem ser alvo de serviços de educação especial, o que anda muito longe da verdade.
Pelo que acima ficou dito, e dada a gravidade dos muitos pontos enunciados, formulo, em defesa dos direitos dos alunos com NEE, uma única questão: Será que os especialistas, os professores e os pais, perante uma lei tão despropositada, não deveriam pedir de imediato a sua suspensão, ou, pelo menos, a introdução de alterações significativas? Aqui fica a sugestão.
Para terminar, quero manifestar a minha estranheza quanto às palavras proferidas pela Senhora Ministra da Educação no Parlamento sobre a Educação Especial: “Se há área em que me envergonho como cidadã é esta. Prevaleciam todos os interesses menos os das crianças”.
Senhora Ministra, presumindo que as suas palavras pretendiam realçar a importância desta nova lei, e nunca um insulto àqueles que há tantos anos trabalham na defesa dos direitos dos alunos com NEE, então no primeiro período da sua afirmação o tempo do verbo envergonhar (no presente) poderá querer dizer que lamenta a sua publicação, estando eu plenamente de acordo consigo, sendo que, no segundo período, o tempo do verbo prevalecer (no passado) dir-nos-á, porventura, que defende intransigentemente os direitos das crianças com NEE e que é tempo de começar a respeitá-los. Não poderei também estar mais de acordo. Só que esta nova lei desrespeita os direitos da maioria dos alunos com NEE. Diria mais, com a inclusão da CIF no seu preceituado, sem que a investigação o aconselhe, desrespeita os direitos de todos eles.

*Professor Catedrático e Coordenador da Área de Educação Especial da Universidade do Minho





Publicado no Jornal de Letras - Educação em Abril de 2008

 
A aprovação do decreto-lei n.º3/2008 sobre Educação Especial


REGRESSO AO PASSADO
A Regressão à Educação Especial por Decreto


Sérgio Niza*

O Governo aprovou o Decreto-Lei nº3/2008 dia 7 de Janeiro e a direita parlamentar “aperfeiçoou-o” na Assembleia da República a 4 de Março com a colaboração dos Deputados Socialistas.
É criado assim um subsistema estrito de Educação Especial que se propõe promover “uma escola democrática e inclusiva” (pasme-se!). Disporá para o efeito de uma taxonomia (CIF) para classificar e seleccionar as crianças para educação especial e guiar as respectivas adequações curriculares, dispositivo concebido pela Organização Mundial de Saúde para orientar a acção médica com pacientes adultos.
A Educação Especial surgiu em finais do século XIX, como uma função de assistência educativa a crianças que, então, se considerava não serem escolarizáveis. Foi exercida por professores do ensino primário e tutelada pelos serviços médicos. Tal função remediadora foi conformando o estatuto de educação dessas crianças a um dispositivo contraditório e desumanizante de apoio.
Só muito depois, no Norte da Europa se desencadeou uma reflexão mais séria e alargada sobre as formas de marginalização a que estavam sujeitos tantos cidadãos. Procurava-se romper, então, com os sistemas asilares de assistência ou de reabilitação de pessoas desde a infância.
A ideia que emergiu e se impôs nesse extenso debate entre os anos 40 e 60 do século passado, foi a ideia de normalização da vida dessas pessoas, por reconhecerem que quem sofria de limitações físicas ou mentais teria vantagem em participar, sempre que fosse possível, em actividades da vida quotidiana.
Apesar da ideia não decorrer do reconhecimento do direito à diferença e à equidade, por que hoje nos batemos, surgia, no entanto um primeiro esboço de correcção dos dispositivos segregados de assistência, oferecidos e reforçados pela mentalidade médico-pedagógica do século XIX.
Chamou-se a essa pesada tarefa de fazer sair as pessoas dos espaços segregados para os espaços da vida quotidiana das sociedades a estratégia de integração. As formas de integração social e escolar tornaram-se progressivamente mais ágeis e tecnicamente mais bem informadas beneficiando, a partir dos anos 70, da reflexão expressa no relatório Warnock (1978) e do frutuoso ano internacional para a integração das pessoas com deficiência em 1981 com que se procurou romper com os modelos médicos para a educação e corresponder à ruptura que fazia caminho desde os anos 60, centrando finalmente a educação escolar nas aprendizagens curriculares em vez de se deixar guiar por taxonomias médicas e orientações correctoras (ortopedagógicas).
A importância histórica de se ter reconhecido em 1978 que no Reino Unido cerca de 20% dos que estudam nas escolas, podem manifestar ao longo dos vários níveis de escolarização, alguma necessidade específica de educação, ajudaram-nos a repensar as dificuldades na educação escolar.
O relatório Warnock convida-nos a concentrarmo-nos apenas em três tipos de necessidades específicas que impõem adaptações do ensino ou no contexto escolar, enquanto a estratégia da integração pressupunha uma hierarquia de respostas por meio das quais o professor e os outros técnicos de apoio deveriam fazer progredir as crianças, das formas mais restritivas de apoio para as de integração superior.
Os professores de educação especial desacompanhados pelos serviços do Ministério da Educação (ME) e traídos pela sua própria acção de docência especializada, não conseguiram resistir às pressões segregacionistas de muitos e à tentação fácil de se ocuparem eles mesmos de um ensino específico em espaços alternativos aos das turmas de integração, dos alunos que apoiavam.
Não conseguiram, assim, levar tão longe quanto deles se esperava, a sua missão “des-segregadora”, no seio de ambientes tão excludentes e selectivos como continuam a ser as escolas, sobretudo em Portugal.
A partir dos anos 90 verifica-se, finalmente, um nível mais avançado de reflexão em busca de uma cidadania democrática activamente participada. E após alguns programas de avaliação aos resultados alcançados com os frustres processos de integração desenvolvidos nas escolas, avançou-se para a necessidade de reafirmar e de garantir a realização dos direitos humanos contra a discriminação e a exclusão de um número muito elevado de crianças e de jovens. Nos últimos anos, em alternativa aos esforços incumpridos pela estratégia de integração, emerge uma justa aspiração, a de podermos dispor de sociedades acolhedoras e inclusivas. Daí decorre, por ruptura com a estratégia de integração e com a retrógrada perspectiva médico-pedagógica, uma orientação inclusiva para as escolas.
Com o actual Decreto-Lei para a Educação Especial, o ME avançou com um dispositivo de normas reestruturadoras das respostas às necessidades especiais dos alunos assente na recusa acintosa do que se conhece hoje sobre a evolução das ideias, da investigação e dos bons exemplos de práticas, descritas nas últimas décadas para evitar a discriminação e proporcionar a essas crianças e jovens oportunidades equitativas de frequência e aprendizagem nas mesmas escolas que teriam o direito de frequentar, se não manifestassem essas limitações.
As motivações e os desvios conceptuais patentes neste Decreto-Lei são, no entanto, explicitados um ano antes num artigo, “Educação Especial e Escola para Todos: Das Palavras aos Actos” (in Integração das Pessoas com Deficiência, Cadernos Sociedade e Trabalho, nº8, 2007, p.p. 83-100) do Director Geral para a Inovação e Desenvolvimento Curricular e da Directora de Serviços de Educação Especial. Retomando a orientação do projecto de Decreto-Lei apresentada pelo Ministério de David Justino, onde se criavam dois subsistemas de resposta às necessidades especiais de educação, respectivamente o da educação especial e o dos apoios sócio-educativos, esta distinção conceptual tem guiado todas as políticas do Governo actual para gerir a frequência e o nível de intensidade das limitações individuais dos alunos em contexto escolar.
Dizem os autores que “a distinção entre estes dois tipos de problemáticas é imprescindível dadas as perplexidades, excessos e contradições verificados desde que se procuraram implementar, no nosso país, os princípios da escola inclusiva” (sic). E diz-se isto apesar de não ter acontecido em Portugal nenhuma reforma inspirada na orientação inclusiva para a educação escolar e, no entanto, a co-autora dirige este sector ao longo das últimas décadas.
Procura-se agora, não só erradicar o efeito de alguns ensaios de educação inclusiva nas escolas como disciplinar as estruturas de administração das respostas como se declara em nota desse artigo: “com as medidas tomadas pelo ME de distinção entre educação especial e necessidades educativas especiais e a criação de um grupo de recrutamento de docentes da educação especial, o nosso país possui hoje um dos melhores rácios de cobertura dos alunos com necessidades permanentes a nível europeu, inferior a um docente para seis alunos”. E assim se manipulam os dados no Ministério da Educação, fazendo regredir o sistema de educação aos tempos remotos da educação especial comparando-o depois com outros tipos de respostas europeias que procuram orientar-se, efectivamente, para uma escola democrática e inclusiva. Tenha-se presente como esta informação antecipa o Decreto-Lei de Janeiro de 2008 para se compreender a situação de défice democrático em que vivemos, quando se antecipa a execução de políticas por conta de um enquadramento legal a vir.
O Decreto-Lei em referência pretende definir, portanto, os apoios especializados para adequação do processo educativo às necessidades educativas especiais dos alunos com limitações significativas, decorrentes de alterações funcionais e estruturais de carácter permanente.
Atribui-se para isso a um departamento de educação especial das escolas ou de agrupamentos a tarefa de promover a inclusão educativa e social das crianças e jovens com necessidades especiais permanentes de educação. Como poderá um departamento ou território académico circunscrito e de educação especial quebrar, na escola, os condicionalismos que essa profissão especial construiu com o seu status prestigiante mas mal querido?
Basta lembrar o que se dizia em 1981 no relatório da OCDE “A Integração na Escola” a propósito do modelo de integração para os anos 80, para se poder compreender como o esforço desta política para reforçar no século XXI o estatuto da educação especial, mais dificultará ainda o que se percepcionava nesses tempos: “O modo como trabalham diversos corpos especializados corre o risco de ser um obstáculo à adopção das formas de prestação de serviços julgados indispensáveis ao sucesso da integração” para sublinhar como os especialistas fazem obstrução à prestação de serviços de integração escolar.
No âmbito dos princípios orientadores para a educação especial avança-se no Decreto-Lei, como seria de esperar, que as escolas públicas ou com paralelismo pedagógico “não podem rejeitar a matrícula ou inscrição de qualquer criança ou jovem com base da incapacidade ou nas necessidades educativas especiais que manifestem”.
O legislador, parece assim, querer aproximar-se do que significa inclusão para o Centro para os Direitos Humanos da UNESCO (1997), isto é, “educar as crianças com desvantagens físicas ou sociais nas escolas em que se matriculariam se não estivessem em desvantagem […] fazendo com que cumpram os mesmos horários e os mesmos programas das outras crianças […] e estimular amizades entre crianças com desvantagens e os seus companheiros de classe (sem desvantagens) ensinando a todas a compreender e aceitar a diferença”.
No entanto, este Decreto-Lei nega, contraditoriamente, o significado educativo da inclusão introduzindo um sistema de racionalização tecnocrática para colocar os alunos com limitações em escolas de referência ou em unidades de ensino e apoio especializados como nos primórdios da estratégia de integração que falhou. Para agravar a situação reforça-se o apoio às instituições segregadas de educação especial, com as alterações apoiadas, inesperadamente, pelo Partido Socialista, na Assembleia da República em 4 de Março de 2008.
Assim, negando a História e condenando alguns de nós à segregação, todos ficaremos empobrecidos porque falsificámos a vida.

*Professor do Instituto Superior de Psicologia Aplicada e Director do Centro de Formação do Movimento da Escola Moderna

Publicado no Jornal de Letras - Educação em Abril de 2008

29.4.08
 

Educação para a Cidadania

Temos abordado aqui com frequência a questão da educação para a cidadania.
O Presidente da República referiu no discurso do Vinte e Cinco de Abril na AR um estudo da Universidade Católica sobre o (des)conhecimento dos jovens nesta matéria. As questões referidas não serão as mais decisivas, mas é importante questionar o papel da escola e da sociedade na formação de cidadãos.
Existe em todo o currículo do ensino básico português uma Área Curricular Não Disciplinar de Formação Cívica... porque é importante conhecer , valorizar e corrigir o que se faz fica o desafio à participação neste blog: que práticas e que conteúdos se desenvolvem nessa área?
Ana Maria Bettencourt

26.4.08
 


Telemóveis, MP3 e MP4 na sala de aula? Sim!
por Rui Teles - quarta-feira, 9 Janeiro 2008, 13:55

Computadores, telemóveis e MP3 são todos muito bem-vindos às aulas de Português da professora Adelina Moura"Ontem à noite, fartei-me de ouvir a 'setôra'. Era eu a lavar a loiça e a 'setôra' a ler o Sermão do Padre António Vieira!". O comentário é citado por Adelina Moura, professora de Português/Francês da "Secundária" Carlos Amarante, em Braga, como prova dos bons resultados que está a obter com a utilização das tecnologias móveis no ensino (vulgarmente conhecido por "m-learning"). Nas suas aulas - ao contrário do que acontece nas restantes -, telemóveis, MP3 e MP4 são muito bem-vindos. Ali, em casa ou na rua, os alunos podem ouvir as aulas da professora.O mais curioso é que os "podcasts" (gravações) de Adelina Moura, alojados na Net, já correm dezenas de salas de aulas do país, provando a utilidade das novas metodologias de ensino-aprendizagem."Se não os podes combater, junta-te a eles". Este foi o mote encontrado por Adelina Moura para amudança nos métodos de ensino. "Por mais que se proíba, é impossível impedir a entrada de telemóveis e MP3 nas salas de aula. Então, por que não tirar partido deles?", questionou.Tão depressa pôs a questão como depressa arranjou uma boa tese de doutoramento, que está a desenvolver no Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho. E para "cobaias" da sua experimentação não podia ter encontrado melhor do que os alunos do 11.º ano do Curso Profissional de Manutenção Industruial e Electromecânica."É uma turma onde mais de 50% dos alunos têm duas e três repetências, pois têm dificuldades de aprendizagem. A motivação para eles é fundamental, há que arranjar formas de os prender e de não faltarem às aulas", explicou a professora.Adelina Moura aproveitou a existência de 14 computadores portáteis na escola para utilizá-los na sala de aula. Em casa, a docente grava a leitura dos textos e todos os comentários e explicações sobre os temas em estudo. São os chamados "podcasts", que mantém disponíveis a quem os quiser ouvir no sítio discursodirecto.podomatic.com.Para os seus alunos, criou um espaço próprio na Net, intitulado "Geração Móvel" (geramovel.googlepages.com/podcast)."Ali os alunos têm os textos e os comentários gravados, além de um conjunto de actividades que lhes são propostas. Eles ouvem e realizam os exercícios ao seu próprio ritmo de aprendizagem", explicou.Normalmente, os "podcasts" são descarregados apenas por um dos alunos que, depois, passa aos restantes utilizando o "bluetooth" do telemóvel."Em casa, podem ouvir tudo a partir da Net ou do telemóvel ou MP3. E podem ir passear e, pelo caminho, ouvir os textos e as explicações da professora. O objectivo é aprender numa sala sem muros e numa disciplina sem horários", comentou Adelina Moura.Embora a professora também utilize os métodos tradicionais, prefere, com aqueles alunos, recorrer mais às tecnologias. "Com o método tradicional, eles parecem atentos, mas estão longe. Com estas novas tecnologias, são mesmo obrigados a mostrar trabalho", concluiu.Fernando Basto, Pedro Correia
Responder

Re: Telemóveis, MP3 e MP4 na sala de aula? Sim!
por Pedro Alexandre O. Resende - quinta-feira, 7 Fevereiro 2008, 14:15

De facto é de louvar a iniciativa e coragem desta professora. Certamente estará a ser "enxotada" pelos professores que não se abrem a estas tecnologias. No fundo está a utilizar as TIC como forma de motivação para os alunos problemáticos, que também se pode utilizar para quaisquer outros alunos. De facto é este o caminho a seguir, como a professora diz "Se não os podes combater, junta-te a eles", e no fundo é esse um dos princípios fundamentais da utilização das TIC a níveis metodológicos. Outra frase que gostei imenso foi "O objectivo é aprender numa sala sem muros e numa disciplina sem horários". Na realidade parece que muitos alunos sofrem de "claustrofobia" nas salas de aula, e vêm-na como uma prisão e não como um espaço propício ao ensino. Principalmente em idades problemáticas como a adolescência, este é o caminho a seguir para um melhor aproveitamento, e quem sabe para tentarmos atingir um dos maiores níveis de Q.I. da Europa ...lol... Continuem assim e acreditem que os nossos ministros não poderão culpar mais os alunos dos fracos resultados. Continue a colocar questões como estas, acredite que para nós que estamos numa Escola Superior de Educação é muito bom saber de todas estas metodologias.

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18.4.08
 

Os Políticos e a Ciência

Do Ciência Hoje tomamos a liberdade de transcrever:
"2008-04-17 Por Marta F. Reis
Cartaz do Café de Ciência na AR

Faz mal viver perto de antenas de alta tensão? E debaixo delas? Qual a relação entre os telemóveis e as bombas de gasolina? Quais os factores de risco associados aos campos electromagnéticos? Estas e outras questões tiveram ontem resposta no Café de Ciência. A tertúlia, que decorreu ao final da tarde na biblioteca da Assembleia da República, juntou deputados e investigadores e desfez algumas dúvidas sobre os efeitos biológicos das redes de alta tensão, antenas de comunicações móveis e emissores de televisão".

A abertura demonstrada pela AR ao mundo da ciência só peca por não acontecer com maior frequência.
A comunicação dos cientistas com audiências não técnicas é uma preocupação cada vez mais presente no mundo.
Dar aos políticos elementos para fundamentarem com rigor as posições que tomam é essencial para que a política seja mais credível aos olhos dos cidadãos.
Ana Maria Bettencourt

7.4.08
 

Ainda a pedagogia

Parabéns à Maria Emília Brederode Santos pela excelente análise, que ajuda a pensar as questões de que tanto se fala. O post contribui para qualificar o debate, objectivo essencial deste blog.
Gostaria de reforçar a ideia de que a terceira categoria de problemas que refere, deve ser resolvida pela escola e na escola (com a colaboração de pais, equipas multidisciplinares, etc). É isso que acontece em muitos estabelecimentos de ensino dos quais infelizmente não se fala, porque as coisas correm aí bem e “não há história digna de aparecer na Comunicação Social”..... Tem-se baralhado tudo, porque muitas das pessoas que têm participado activamente no debate, lá no fundo consideram que muitas das incivilidades devem ser resolvidas pelas autoridades policiais ou pela justiça, ou então não querem reconhecer que desta vez, se não for por esse caminho, não têm uma solução fácil a apontar.

Eu também não conheço a receita para situações que são de grande compexidade, mas sei que são as escolas e os professores que têm a capacidade de prevenir e encontrar soluções para resolver os problemas de indisciplina. Por isso, pensar que a polícia há-se ir dentro da escola resolver esses problemas, é passar um atestado de incompetência aos professores e às escolas....é ignorar o trabalho que um grande número de escolas e professores realizam.
Ana Maria Bettencourt

5.4.08
 

Violência e incivilidade


Os casos de violência extrema na escola são raros, em Portugal como no resto do mundo. São muito graves, tão graves como noutro contexto qualquer e exigem uma intervenção imediata para lhes pôr termo, quer sejam de alunos, pais, professores ou auxiliares. Essa intervenção terá que ser conforme a lei e o direito e assume algumas características especiais no caso de os seus autores serem menores.

Um grau abaixo existem as formas de violência física, verbal e psíquica que, não deixando marcas físicas terríveis, podem ter consequências psicológicas tão graves como o horror à escola, o medo dos outros ou o desinteresse pela aprendizagem. Estas formas de violência são muito mais frequentes contra os alunos do que pelos alunos. É por causa delas que o Conselho da Europa e a ONU estão a levar a cabo o programa “Acabar com a violência contra as crianças – já!”

Finalmente, noutro grau abaixo deste “continuum” de violência, existem as “incivilidades” que são comportamentos desagradáveis, desgastantes, geralmente provocados por alunos contra colegas, auxiliares e professores, comportamentos que cansam professores e alunos, não permitem o trabalho escolar nem uma convivência civilizada. É a indisciplina que grassa nalgumas escolas, torna insuportável a vida de todos e requer medidas que lhe ponham termo – medidas de organização, de orientação, de formação – mas medidas pedagógicas e disciplinares e não medidas de intervenção criminal. Parece-me ser aqui que cabe “o famigerado caso do tm” ou não ?

Maria Emília Brederode Santos

4.4.08
 

A pedagogia e a prevenção da violência escolar
A criminalização da violência na escola e a procura de culpados têm marcado um debate pouco esclarecedor, “ilustrado” por um momento lamentável da vida de uma aula, repetido de modo exagerado pelos media. Debate que tem “embaciado” a realidade.
Não devemos nem ignorar que a violência existe, nem devemos transformar os factos, classificando como violência actos reprováveis, mas que dificilmente poderão ser considerados como tal.
A pedagogia é o instrumento mais eficaz para prevenir situações de violência em meio escolar.
Deveríamos ser capazes de substituir os modelos do autoritarismo que herdámos (e com os quais muitos ainda sonham em voz alta por estes dias), por uma autoridade baseada em leis e regras claras, que os alunos compreendam e aprendam a respeitar. A pedagogia cooperativa, aplicada em Portugal em algumas situações educativas muito interessantes, constitui uma das vias para a prevenção da violência. Também o trabalho de equipa dos professores constitui uma medida de prevenção eficaz. Um professor que não partilha as suas dificuldades com os colegas é um alvo fácil de violência! A estabilidade das equipas e a organização do trabalho dos alunos na escola são outros factores determinantes.
Estas estratégias, entre outras, são avançadas pelo presidente do Observatório Europeu Contra a Violência na Escola, em entrevista à SH da qual transcrevemos alguns excertos a seguir.
Ana Maria Bettencourt


Pedagogia contra a violência
Resumo de uma entrevista em que Éric Debarbieux, (professor na universidade de Bordéus que dirige o Observatório Europeu da Violência na Escola) fala à revista Sciences Humanes sobre violência e sobre condições que a fazem recuar (N° Spécial N° 5 - L'école en questions), com base em numerosos inquéritos de terreno realizados em todo o mundo.

ED, constata que existe um discurso demagógico em torno da violência na escola, e que são utilizados por vezes “faits divers” isolados para dramatizar e propor as soluções mais simplistas e populistas como remédio.
Considera que os casos extremamente violentos seriam muito raros.
Considera também que existe uma outra atitude “politicamente correcta” que consistiria em minimizar, a realidade para não fazer o jogo das políticas securitárias.
Perante estas duas perspectivas, o autor aponta para a atitude correcta que será não exagerar, nem negar os factos.

Salienta que, para se conhecer bem o fenómeno da violência, é de considerar a dificuldade de observação dos problemas de fundo, porventura menos visíveis, tais como os insultos, brigas, gozo, roubos, formas de violência entre pares, etc problemas que considera deverem ser tomados a sério, sobretudo quando incidem sempre nas mesmas pessoas. “mesmo quando se constata um aumento muito preocupante de ódio para com o professor, as principais vítimas de violência escolar são maioritariamente os alunos...“

A escola pode produzir violência
Embora exista uma combinação de factores familiares, sócio-económicos, ligados à posição das minorias e igualmente à personalidade das crianças violentas, não existe um determinismo absoluto, susceptível de gerar um handicap “socioviolento”.
O autor considera que a escola pode produzir violência e dá como exemplo certos processos de repartição dos alunos pelas turmas, originado verdadeiras “classes –gueto”.

Certas investigações apresentam mesmo os factores-escola como os mais determinantes. Estes factores estão ligados à organização dos estabelecimentos de ensino, ao modo de colocação dos professores, à estabilidade das equipas, às práticas pedagógicas.
[...]
EB, considera que existe uma forte correlação entre o clima da escola e a violência escolar, afirmando que, mesmo sem políticas públicas muito fortes, certas escolas conseguem fazer recuar os fenómenos de violência. Salienta o autor que a primeira condição para que se produzam esses efeitos é a estabilidade das equipas educativas e o modo como elas se auto-gerem, pois é conhecido que não existe possibilidade de trabalhar contra a violência escolar com equipas instáveis ou que não se entendem. Outro dado relevante é que os professores isolados são impotentes.

Em geral, a violência recai sobre pessoas isoladas: a criança que não pertence ao bairro, o professor que caiu de pára-quedas numa escola onde não existe trabalho de equipa.

Que estratégias?

Apontam-se algumas: a criação de um clima convivial nas escolas, de um sentimento de pertença a um grupo partilhando valores comuns entre alunos e professores. O autor refere uma experiência espanhola “conviviencia escolar” que fez recuar muito sensivelmente a violência pela diminuição do isolamento dos alunos, através de projectos pedagógicos, como a organização de festas escolares, teatro, pedagogia cooperativa em que os alunos participam nas decisões......
Os grandes programas nacionais, por si só, são quase sempre ineficazes ...Afirma Egide Royer, director do Observatório Canadiano para a prevenção da violência: “nós não necessitamos de pronto a vestir, mas de trabalho feito à mão”.

O autor faz notar que em França existe uma grande dificuldade de pôr os professores a trabalharem em equipa e não deixa de referir que genericamente, a formação dos jovens professores é dramaticamente desprovida dos aspectos pedagógicos específicos da profissão, que deviam acompanhar a transmissão dos saberes, particularmente junto de “públicos difíceis”.
Mesmo em países com grande violência nas ruas foi possível estabelecer uma forte ligação dos alunos à escola e aos professores e combater situações problemáticas. Em África e no Brasil é possível ver os pais circularem livremente na escola

1.4.08
 

Prós e Contras da e na Comunicação Social

Elementos sobre a violência na escola e nos media


O episódio de extrema agressividade numa aula da escola secundária “Carolina Michaelis” converteu-se num “ fenómeno “ mediático, que me suscita uma dupla preocupação “cidadã”: não só pelo caso em si, implicando o funcionamento e a eficiência da acção da escola como, a outro nível, uma enorme inquietação sobre o modo como se OLHA, se MOSTRA e se FALA deste episódio nos media.
Existem algumas ideias-chave em que se têm centrado, de um modo dominante, as abordagens da comunicação social sobre a violência:

1- O actual “vazio da autoridade” dos professores e a confrontação dos professores pelos alunos, transmitindo-se um conceito de autoridade como um atributo de natureza quase “ontológica”, a aceitar beatamente pelos alunos.

2- "A deficiente acção educativa dos pais, que leva a generalizados comportamentos grosseiros, agressivos e violentos".

3- As medidas políticas do Ministério da Educação que, umas por excesso outras por defeito, alegadamente esvaziam o papel dos professores e das escolas e induzem ao “facilitismo e à falta de rigor na disciplina, no trabalho e nos resultados escolares”.

4- - A incapacidade da escola de cumprir o seu papel de ensinar, o que é corroborado pelos péssimos resultados escolares. A comprová-lo, o facto de que, se fosse agora o termo do ano lectivo, reprovavam 20 alunos daquela turma.
Também a título de exemplo, um programa de antena aberta da SIC Notícias na semana passada, recolhia uma votação em chamadas de valor acrescentado, que se resumia a – Considera que existe mais violência na escola? Se sim, ligue XXXXX S ; se não, ligue XXXXX N .
Simples, rápido e esclarecedor!!....

5- A abertura para vias de solução baseadas na identificação da culpa (da professora? da aluna? dos pais? do improvisado “repórter”? da Ministra?)
Daqui decorre, com toda a ligeireza dos comentadores e até dos políticos, a redução à “criminalização” dos actos e a focagem do debate na punição, à qual, por sua vez se atribui a única configuração apropriada: a exclusão - a exclusão da aula que a professora deveria ter de imediato exigido, a exclusão da escola e até a expulsão do própria sistema escolar público de ensino, para que os pais, se quiserem que [a menina] vá à escola tenham que pagar a uma escola privada (por mim ouvido num programa de rádio a um conhecido comentarista).

6- A difusão do “eduquês”, que conduz a toda a sorte de situações problemáticas.
Trata-se de um termo popularizado na última década e que serve para enquadrar toda e qualquer perplexidade ou questionamento relativo à escola. Esse termo congrega, numa miscelânea, vários processos implicados nas mudanças sociais, políticas e científicas que envolvem os fenómenos escolares - tanto se refere à linguagem das ciências da educação, como a medidas políticas que visam a democratização da escola, como ainda a práticas escolares que visam a aprendizagem significativa e o desenvolvimento pessoal dos alunos. Quanto a estas, adopta-se uma visão redutora sobre práticas inconsistentes (e porque não dizê-lo?) de profissionais pouco competentes, as quais necessariamente existem, num universo profissional de tão grande amplitude!
São cada vez mais frequentes as elaborações conceptuais sobre esse recente termo. Vejam-se, por exemplo, no Expresso de 29-03, o artigo de Guilherme Valente e a síntese lapidar de H. Monteiro: uma mundividência errada e destruidora da ligação entre professores e alunos, entre mestres e discípulos que se alojou há décadas no Ministério e que, por facilidade de linguagem, chamamos "eduquês".
O libelo do eduquês tem sido utilizado de modo indiscriminado e carrega uma atitude de desprezo que anula qualquer possibilidade de análise de fenómenos que são, por natureza, complexos.


Outras visões…

Porém, o programa Prós e Contras de ontem, segunda 31 -03, no Canal 1 da RTP abriu algum espaço diferente neste panorama de desconcertos, porque se confrontaram alguns pontos de vista diferenciados e se revelaram perspectivas complementares implicadas nas vivências escolares.
Ora vejamos.
Foi questionada a visão redutora e “estática” da autoridade e reconhecida por todos a importância de funcionamentos organizados, da existência de regras, da consciência do papel de todos e cada um dos protagonistas nos actos educativos.
Referiram-se factores muito determinantes da cultura consumista nos comportamentos juvenis, bem como de modos de vida das famílias, condicionados por condições sociais precárias.
Lançaram-se também alguns olhares sobre “pequenos” acontecimentos nessa já famosa aula, uma “aula livre” (o que será isso? constará do dicionário de eduquês?) - qualquer coisa que os professores participantes no programa não conseguiram caracterizar… e ainda a permissão de se manterem os telemóveis ligados para ouvir música. E ficou bem patente o modo de constituição daquela turma, bem como a fragilidade do conhecimento e do respeito pelo um eventual Regulamento Interno da Escola (no entanto constante dos normativos legais…).
E, finalmente, alguém fez uma referência relevante quanto às responsabilidades sociais da escola, especialmente quanto aos direitos de jovens de 15 anos à frequência da escola e à preparação para a vida.
Selecciono uma das afirmações que pude registar e que aponta para abordagens construtivas:
O discurso da culpabilização não é um discurso produtivo e sobretudo não é produtivo na procura de soluções (O coordenador do Conselho de escolas no programa Prós e Contras)
Houve ainda, afinal, professores a testemunhar a viabilidade de se constituírem ambientes educativos, assentes numa cultura de responsabilidade, em que o respeito e o trabalho são factores de relacionamento saudável, estruturante e determinante para a escola como uma Oficina de Humanidade (usando uma expressão de Rui Grácio).

Uma nota inevitável de reserva – cerca das 00:30 houve o 2º intervalo do programa, para se seguir ainda a 3ª parte do programa! Como pode assim um serviço público oferecer à população abordagens mais fundamentadas e mais sérias de fenómenos que interessam a todos?

Maria José Martins