Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

1.4.08
 

Prós e Contras da e na Comunicação Social

Elementos sobre a violência na escola e nos media


O episódio de extrema agressividade numa aula da escola secundária “Carolina Michaelis” converteu-se num “ fenómeno “ mediático, que me suscita uma dupla preocupação “cidadã”: não só pelo caso em si, implicando o funcionamento e a eficiência da acção da escola como, a outro nível, uma enorme inquietação sobre o modo como se OLHA, se MOSTRA e se FALA deste episódio nos media.
Existem algumas ideias-chave em que se têm centrado, de um modo dominante, as abordagens da comunicação social sobre a violência:

1- O actual “vazio da autoridade” dos professores e a confrontação dos professores pelos alunos, transmitindo-se um conceito de autoridade como um atributo de natureza quase “ontológica”, a aceitar beatamente pelos alunos.

2- "A deficiente acção educativa dos pais, que leva a generalizados comportamentos grosseiros, agressivos e violentos".

3- As medidas políticas do Ministério da Educação que, umas por excesso outras por defeito, alegadamente esvaziam o papel dos professores e das escolas e induzem ao “facilitismo e à falta de rigor na disciplina, no trabalho e nos resultados escolares”.

4- - A incapacidade da escola de cumprir o seu papel de ensinar, o que é corroborado pelos péssimos resultados escolares. A comprová-lo, o facto de que, se fosse agora o termo do ano lectivo, reprovavam 20 alunos daquela turma.
Também a título de exemplo, um programa de antena aberta da SIC Notícias na semana passada, recolhia uma votação em chamadas de valor acrescentado, que se resumia a – Considera que existe mais violência na escola? Se sim, ligue XXXXX S ; se não, ligue XXXXX N .
Simples, rápido e esclarecedor!!....

5- A abertura para vias de solução baseadas na identificação da culpa (da professora? da aluna? dos pais? do improvisado “repórter”? da Ministra?)
Daqui decorre, com toda a ligeireza dos comentadores e até dos políticos, a redução à “criminalização” dos actos e a focagem do debate na punição, à qual, por sua vez se atribui a única configuração apropriada: a exclusão - a exclusão da aula que a professora deveria ter de imediato exigido, a exclusão da escola e até a expulsão do própria sistema escolar público de ensino, para que os pais, se quiserem que [a menina] vá à escola tenham que pagar a uma escola privada (por mim ouvido num programa de rádio a um conhecido comentarista).

6- A difusão do “eduquês”, que conduz a toda a sorte de situações problemáticas.
Trata-se de um termo popularizado na última década e que serve para enquadrar toda e qualquer perplexidade ou questionamento relativo à escola. Esse termo congrega, numa miscelânea, vários processos implicados nas mudanças sociais, políticas e científicas que envolvem os fenómenos escolares - tanto se refere à linguagem das ciências da educação, como a medidas políticas que visam a democratização da escola, como ainda a práticas escolares que visam a aprendizagem significativa e o desenvolvimento pessoal dos alunos. Quanto a estas, adopta-se uma visão redutora sobre práticas inconsistentes (e porque não dizê-lo?) de profissionais pouco competentes, as quais necessariamente existem, num universo profissional de tão grande amplitude!
São cada vez mais frequentes as elaborações conceptuais sobre esse recente termo. Vejam-se, por exemplo, no Expresso de 29-03, o artigo de Guilherme Valente e a síntese lapidar de H. Monteiro: uma mundividência errada e destruidora da ligação entre professores e alunos, entre mestres e discípulos que se alojou há décadas no Ministério e que, por facilidade de linguagem, chamamos "eduquês".
O libelo do eduquês tem sido utilizado de modo indiscriminado e carrega uma atitude de desprezo que anula qualquer possibilidade de análise de fenómenos que são, por natureza, complexos.


Outras visões…

Porém, o programa Prós e Contras de ontem, segunda 31 -03, no Canal 1 da RTP abriu algum espaço diferente neste panorama de desconcertos, porque se confrontaram alguns pontos de vista diferenciados e se revelaram perspectivas complementares implicadas nas vivências escolares.
Ora vejamos.
Foi questionada a visão redutora e “estática” da autoridade e reconhecida por todos a importância de funcionamentos organizados, da existência de regras, da consciência do papel de todos e cada um dos protagonistas nos actos educativos.
Referiram-se factores muito determinantes da cultura consumista nos comportamentos juvenis, bem como de modos de vida das famílias, condicionados por condições sociais precárias.
Lançaram-se também alguns olhares sobre “pequenos” acontecimentos nessa já famosa aula, uma “aula livre” (o que será isso? constará do dicionário de eduquês?) - qualquer coisa que os professores participantes no programa não conseguiram caracterizar… e ainda a permissão de se manterem os telemóveis ligados para ouvir música. E ficou bem patente o modo de constituição daquela turma, bem como a fragilidade do conhecimento e do respeito pelo um eventual Regulamento Interno da Escola (no entanto constante dos normativos legais…).
E, finalmente, alguém fez uma referência relevante quanto às responsabilidades sociais da escola, especialmente quanto aos direitos de jovens de 15 anos à frequência da escola e à preparação para a vida.
Selecciono uma das afirmações que pude registar e que aponta para abordagens construtivas:
O discurso da culpabilização não é um discurso produtivo e sobretudo não é produtivo na procura de soluções (O coordenador do Conselho de escolas no programa Prós e Contras)
Houve ainda, afinal, professores a testemunhar a viabilidade de se constituírem ambientes educativos, assentes numa cultura de responsabilidade, em que o respeito e o trabalho são factores de relacionamento saudável, estruturante e determinante para a escola como uma Oficina de Humanidade (usando uma expressão de Rui Grácio).

Uma nota inevitável de reserva – cerca das 00:30 houve o 2º intervalo do programa, para se seguir ainda a 3ª parte do programa! Como pode assim um serviço público oferecer à população abordagens mais fundamentadas e mais sérias de fenómenos que interessam a todos?

Maria José Martins

Comments:
Excelente post. Vi o Programa. E lamento muito que as escolas e as investigações que têm boas práticas nestes domínios não tivessem mais tempo de antena.
Sugeria que o grupo das INQUIETAÇÕES PEDAGÓGICAS tivesse uma iniciativa pública onde fosse debatida esta temática e onde as boas práticas fossem expostas e fundamentadas.
 
Se repararmos na Natureza, nas comunidades de animais há sempre indivíduos que procuram tornar-se líderes dentro dessas comunidades e para atingir um estatuto superior testam os seus iguais e confrontam-se com eles para imporem a sua autoridade e atingirem a posição de líderes; alguns não chegam ao topo, ficam em posições abaixo: 2.º, 3.º lugar etc. estabelece-se enfim uma hierarquia que é respeitada por toda a comunidade até que apareça um novo líder: normalmente um elemento mais jovem e robusto que consegue destronar o líder anterior.
Nos seres humanos passa-se exactamente o mesmo e tal é observado nos empregos, nos clubes, nos partidos políticos, nas escolas e até em nossas casas. Até de entre os que seriam em princípio iguais se estabelece uma relação hierárquica. O poder e a liderança ganham-se suplantando os iguais e os concorrentes, mas também é preciso exibir essa qualidade aos restantes membros do grupo para que o líder seja por eles reconhecido e respeitado. Então, como chefe poderá beneficiar de privilégios vários que me escuso de enumerar.

A delinquência e violência mais graves que se observam nas escolas são precisamente o processo de luta para atingir, exibir e ganhar um estatuto superior na escala da liderança sobre colegas, professores e funcionários e, uma vez conseguida essa posição há que mantê-la, demonstrando o facto constantemente porque há sempre um aspirante a líder à espreita.

Assim, quem defende que a escola deve funcionar como uma “democracia” está completamente enganado:
1.º) A escola nunca poderá ser uma democracia porque os alunos candidatos a líderes vão por à prova os seus professores, funcionários e próprios colegas, para tentar dominá-los e exibir a sua liderança. Isso não pode acontecer: a autoridade do professor nunca pode ser ultrapassada pelo aluno. Em muitos casos isso já aconteceu e eis aí porque uma turma respeita um professor e não outro. Os professores com uma personalidade mais frágil são facilmente dominados e muitos acabaram por abandonar a profissão;
2.º) As verdadeiras democracias também não existem, nem entre nem dentro dos próprios partidos. O que existe é muita luta entre partidos pela liderança do país e muita luta pela liderança dos partidos dentro deles, novos líderes estão sempre à espreita. Isto não tem nada de estranho e passa-se em qualquer outro lugar em que haja o exercício do poder. Para se chegar ao topo há que ultrapassar muitas barreiras e os adversários ficarão sempre à espreita para depor o líder logo que seja oportuno.

Os nossos filhos começam desde muita tenra idade a testar os pais e os possíveis irmãos para verem de que forma conseguem obter aquilo que desejam: choram, berram, batem o pé, chegam a bater-nos: começam com um sacudir de mão, depois dão uma “palmadinha” e se não os pararmos em breve crescerá a sua ousadia. Os pais sabem-no bem!

Zé da Burra o Alentejano
 
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