Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

30.12.06
 
Alguém mais se interessou pelo mistério da "última oceanógrafa portuguesa"
Não é bem verdade. Ainda não consegui encontrar quaisquer comentários, quaisquer interpretações dessa estranha campanha publicitária. Mas, no "Público" de hoje, São José Almeida, num balanço do ano simplesmente intitulado "2006", refere-se à criação da Associação de Empresários pela Inclusão Social, presidida por João Rendeiro, cuja entrevista à revista Visão comenta, designadamente no que diz respeito à "nova filantropia", que surgiria "não por interesse social mas por interesse do mercado" e cuja aposta no ensino consistiria em torná-lo "mais adaptado às exigências do mercado laboral futuro." O que não sendo propriamente um crime, nem um pecado, nem sequer um erro, também não é propriamente novidade e mesmo sendo, eventualmente filantropia, dificilmente será inclusão.

Mas o problema para mim nem é esse. Parece-me legítimo que haja um grupo de empresários que invista dinheiro (que certamente descontará nos impostos) para ter uma força de trabalho mais adequada às suas necessidades - sobretudo se o fizer através de iniciativas post-escolaridade básica, através da organização de cursos nas empresas ou de bolsas ou... O meu problema é que a campanha publicitária indicia ou uma grande ignorância 0u, pior ainda, uma deliberada manipulação de dados. Ora com essa base poder-se-á construir qualquer coisa de positivo ?

Maria Emília Brederode Santos

29.12.06
 
O primeiro ciclo do ensino básico

Actualidade em Debate (a partir de um pouco de história):

O primeiro ciclo do ensino básico:
Por uma perspectiva integrada*

Durante o XI Governo Constitucional (1987- 1991) foi elaborado um novo programa para o 1º ciclo do Ensino Básico (integrado na reforma geral dos currículos do ensino básico e secundário) , programa que, apesar de algumas alterações sofridas em relação à proposta dos seus autores, veio a ser aprovado pelo Ministério da Educação em 1990.

Para apoio à difusão e ao esclarecimento do programa, a equipa que o elaborou produziu um texto e uma grelha que valorizam a leitura cruzada do Programa, procurando salientar as possibilidades de articulação entre as diferentes áreas. Possibilidade que é uma necessidade e evidência porque se adequa e serve
o processo de desenvolvimento da criança e o papel da escola neste processo e porque a perspectiva que se tem sobre o desenvolvimento da criança é a de que ele constitui um processo integrado no qual os vários domínios (psicomotor, sócio-afectivo e cognitivo) interagem entre si: o desenvolvimento numa dimensão influencia e é influenciado pelo desenvolvimento em qualquer das outras dimensões”.
Separar tudo isto na “escola primária” pode ser um risco e uma perversão cujos possíveis efeitos nefastos será difícil anular. Ao “bondosamente” se querer qualificar o 1º ciclo do Ensino básico, podem-se estar a pôr em prática algumas medidas de política educativa que incentivem a sua desagregação em disciplinas, agravando-se mais que se curando os males de que o “ensino primário” padece. O documento e o mapa elaborados em 1989 e que seguidamente se apresenta são, por isso, de uma enorme oportunidade e pertinência!


A concepção integradora do currículo resulta da complementaridade de diferentes perspectivas com consequências e implicações quer na concepção e elaboração de um programa quer, e sobretudo, no momento de o concretizar na prática pedagógica.
Decorre, em primeiro lugar, da forma como é encarado o processo de desenvolvimento da criança e o papel da escola neste processo.
A perspectiva que se tem sobre o desenvolvimento da criança é a de que ele constitui um processo integrado no qual os vários domínios (psicomotor, sócio-afectivo e cognitivo) interagem entre si: o desenvolvimento numa dimensão influencia e é influenciado pelo desenvolvimento em qualquer das outras dimensões.
Relativamente ao papel da escola a Lei de Bases do Sistema Educativo estabelece claramente que o sistema se deve orientar “para favorecer o desenvolvimento global da personalidade” e que a “organização curricular (…) terá em conta a promoção de uma equilibrada harmonia entre os níveis de desenvolvimento físico e motor, cognitivo, afectivo, estético, social e moral dos alunos”

Se estas perspectivas foram determinantes para a selecção e definição das componentes e conteúdos a incluir no Programa do 1º ciclo, deverão sobretudo encontrar uma efectiva tradução na prática educativa das escolas.
Por outro lado, se pelas razões já expostas se optou por apresentar os conteúdos organizadores por áreas, procurou-se assegurar que existisse uma articulação coerente entre elas. Há múltiplas relações entre os conteúdos das diferentes áreas, havendo mesmo conteúdos que embora com enfoques ou desenvolvimentos específicos, são abordados em várias áreas.
Uma segunda dimensão da integração diz pois respeito à forma como os conteúdos serão sequenciados e articulados na planificação das actividades educativas.
Os mesmos conteúdos podem ser agrupados em torno de unidades didácticas muito diferentes, cabendo à equipa educativa e/ou ao professor seleccionar os conteúdos a incluir e desenvolver na programação para um determinado período de tempo de modo a garantir: uma sequência lógica entre eles; a adequação aos interesses e conhecimentos anteriores dos alunos a quem se dirigem; o equilíbrio entre os diferentes domínios do desenvolvimento visados.
Em estreita ligação com o ponto anterior, um terceiro aspecto determinante para uma concepção integradora do currículo, diz respeito ao papel das abordagens globalizaras no desenvolvimento do processo de ensino.
Mais do que a simples associação de conteúdos em torno de um tema englobante, a perspectiva globalizadora prende-se com a necessidade de confrontar os alunos com acontecimentos, situações ou problemas no seu contexto real e na sua globalidade (complexidade), para análise dos quais contribuirão os saberes das diferentes áreas e que permitirão construir esquemas interpretativos de síntese sobre essas mesmas realidades.
A valorização desta perspectiva, assente na identificação de situações a estudar (a conhecer) e de problemas a resolver, para abordagem da maioria dos conteúdos, garante um maior significado às situações de aprendizagem e consequentemente uma maior motivação por parte dos alunos. Contribui ainda de forma decisiva par uma das principais finalidades educativas que reside justamente no desenvolvimento da capacidade de compreender a realidade para poder tomar opções e intervir nela.

O quadro que a seguir se apresenta pretende orientar desde o início a leitura do Programa numa perspectiva integrada e interactiva.
Dividido em duas partes pela diagonal, nele se relacionam as áreas a dois níveis diferentes:
- Na metade superior direita apresentam-se os contributos implícitos de umas áreas em relação às outras. Por exemplo, em que medida é que as aquisições realizadas no domínio da Expressão Plástica contribuem para as do Estudo do Meio e vice-versa; ou, dito de outro modo, quais são os contributos recíprocos em termos do desenvolvimento do aluno entre a Expressão/Educação Físico-motora e a Matemática ou entre esta e a Língua Portuguesa.
Nesta primeira parte do quadro procurou-se pôr em evidência o contributo de cada uma das áreas no contexto global do currículo, realçando assim, uma vez mais, a importância de um efectivo desenvolvimento de todas elas na prática educativa das escolas.

- Na metade inferior esquerda do quadro indicam-se os principais conteúdos ou temas comuns às diferentes áreas, isto é, quais os conteúdos mais relevantes que, embora com desenvolvimentos específicos, se encontram na intersecção das várias áreas.

Com a segunda parte do quadro pretende-se facilitar uma leitura cruzada do Programa, procurando assim salientar as possibilidades de articulação entre as diferentes áreas.

Nota: se quer receber completo o mapa que veio truncado no JL dê-nos o seu endereço electrónico que lho enviamos pela mesma via - mgraca@ese.ips.pt

 
O primeiro ciclo do ensino básico - Mapa

















Nota: se quer receber completo o mapa que veio truncado no JL dê-nos o seu endereço electrónico que lho enviamos pela mesma via - mgraca@ese.ips.pt

Publicado no Jornal de Letras - Educação Dezembro de 2006

18.12.06
 
Conferência Ibérica em Educação para a Cidadania
Vai realizar-se em Lisboa a Conferência Ibérica em Educação para a Cidadania nos dias 9 e 10 de Março de 2007.
Esta conferência é organizada simultaneamente pelo Centro de Investigação em Educação da FCUL, pelo Thematic Network CiCe e pela Universidade Autónoma de Barcelona e procurá cruzar olhares e debater temas tais como Politicas de Cidadania; Ensino Superior e Educação para a Cidadania; Educação para a Cidadania no Currículo e na Escola; Cidadania Activa: Desafios e Prospectivas.

Visite o site da conferência http://cie.fc.ul.pt/seminarioscie/IberianConference/index_uk.htm, onde poderá ter acesso a mais informações.

10.12.06
 
O MISTÉRIO CONTINUA ... MAS A CARAS DA UMA AJUDA
LEMBRAM-SE DO MISTÉRIO DA "ÚLTIMA OCEANÓGRAFA PORTUGUESA ?

Tratava-se de uma campanha publicitária absolutamente absurda que apresentava os últimos profissionais portugueses dada a incapacidade da escola portuguesa actual formar bons profissionais. Presumia-se que no passado sim, tinha-os formado com qualidade e fartura e, embora a agência publicitária autora de tais desvarios não se identificasse, o anúncio aparecia assinado por uns "Empresários pela Inclusão Social".

Que mistério ! Quem seriam os senhores que, sob esse simpático nome, se entretinham a gastar rios de dinheiro a denegrir a escola pública portuguesa actual e a louvar-se na antiga ? Bem, uma "Caras" relativamente recente (2 de Dezembro) em boa hora encontrada, levanta uma ponta do véu : por ela fiquei a saber que o Presidente da República"apadrinha nova iniciativa social" consistindo em "grupo de empresários portugueses une esforços para combater insucesso escolar" . E quem são esses simpáticos empresários com quem a partir de agora as escolas portuguesas poderão contar ? Entre os fundadores nomeiam-se João Rendeiro, Horácio Roque, Diogo Vaz Guedes, Pedro Queiroz Pereira ou Manuel Violas que organizaram um jantar no Palácio da Ajuda (!) onde também estiveram Jorge Jardim Gonçalves, Paulo Teixeira Pinto, Rui Nabeiro, Vasco Pereira Coutinho ou Joe Berardo.

Os últimos empresários portugueses ?

Maria Emília Brederode Santos

5.12.06
 
"MAYDAY MAYDAY" - Intervenção Precoce
Joaquim Bairrão*

Como todos sabem “MAYDAY” é um sinal de socorro internacional que se acciona numa situação de perigo eminente. Dado o que vem acontecendo entre nós à educação especial e à Intervenção Precoce (IP) em particular, justifica-se, pois, um sinal de alerta sobretudo para os perigos que esta corre. Este sinal de alerta é extensivo a toda a dita Educação Especial (EE), mas neste curto espaço e neste momento só à Intervenção Precoce nos referiremos tal o seu valor paradigmático.
Como toda a gente do ofício sabe, a Intervenção Precoce é uma abordagem multidisciplinar em educação especial, geralmente um conjunto de recursos para crianças em risco ou “risco já adquirido” (biológico, social, ou compósito), que abarca a população entre os zero e os 5/6 anos. Tal modalidade preventiva em EE, pode revestir várias modalidades de intervenção nomeadamente, nos contextos familiares, pré-escolares (creche e jardim de infância) ou noutros locais de guarda ou cuidados onde tais crianças se encontram. É pois uma definição que implica três conceitos fundamentais de prevenção – a primária (evitar que as dificuldades ocorram), a secundária (melhorar as dificuldades das crianças com vista à sua eliminação) e terciária (melhorar e não permitir o agravamento das dificuldades das crianças com necessidades educativas especiais já adquiridas) levando a que melhorias na pessoa e no meio ambiente proporcionem uma melhoria concomitante da qualidade de vida. Aliás, há muito que alguns países após o Warnock Report de 1978[1] substituíram o termo educação especial por educação de crianças com necessidades educativas especiais. Voltemos à Intervenção Precoce. Portugal tivera uma primeira tentativa de intervenção nas primeiras idades para crianças cegas nos anos 60, a nível nacional, o que levou a que à data fosse considerado pioneiro. Essa experiência termina no tempo do Ministro Rebelo de Sousa e é transformada num serviço bastante diferente e só para os Distritos de Lisboa e Porto. Sem fazer um longo historial da Intervenção Precoce em Portugal, importa referir que esta surge por volta dos anos 80[2], primeiro em Lisboa e depois em Coimbra, com serviços de Intervenção Precoce que poderemos reputar como de alta qualidade.
Assim, como referimos noutro contexto, graças a circunstâncias que seria ocioso citar (internacionalização dos contactos com as Mecas da Intervenção Precoce, troca de cientistas, estágios no estrangeiro, parcerias com Universidades, etc.), por volta dos finais dos anos 80 e sobretudo nos anos 90 temos entre nós um modelo de Intervenção Precoce bastante razoável e sem os habituais enviesamentos da Educação em Portugal. As Agências Internacionais e outras organizações admitiram como muito aceitáveis as referidas iniciativas de Intervenção Precoce que em Portugal estavam, então, a ocorrer.
Mais tarde, em 1999, surge o Despacho Conjunto 891/99, dos Ministérios da Educação, da Saúde, do Trabalho e Segurança Social, ditando “Orientações Reguladoras” para a IP, tratando-se de um documento aceitável, não obstante a necessidade de uma melhor adaptação à realidade do país. A título meramente de exemplo, recordamos a afirmação de Simeonsson, Björk Akesson, Bairrão et Al. (2006) de que “todas as crianças em risco devem ter acesso à IP, isto é, crianças em risco (biológico ou social) e com alterações adquiridas”. Ora este documento não tem tal aspecto de acção tão geral, como os autores o referem.
O Diploma Português[3] destina-se predominantemente a “crianças com deficiência” ou a crianças com “risco de atraso grave do desenvolvimento”. Porém, esta última categoria contem em si um paradoxo, pois, se de risco se trata e, não ainda de atraso do desenvolvimento, será difícil prever “a priori” se o atraso vai ser ou não grave. Tirando essa lacuna, o documento é aceitável embora esperemos que o Grupo Interdepartamental nos dê outro retrato mais actual da I.P. e que contribua para que entre nós se caminhe para uma legislação como internacionalmente se recomenda. E volto a citar os referidos autores: “A importância da intervenção e inclusão precoces para crianças em risco de atrasos no desenvolvimento ou com incapacidades foi avançada na Declaração de Salamanca (1994) e na declaração “Education for All” das Nações Unidas”. Ninguém que aceite os convénios internacionais e que os assinou pode fazer de outro modo.
Claro, convém dizer que os dois pólos dinamizadores iniciados nos anos 80 e seguintes, referidos anteriormente, não foram as únicas experiências de IP Estas foram e são indiscutivelmente de alta qualidade, mas outras foram acontecendo um pouco por todo o país, de melhor ou pior qualidade, a que noutros contextos já nos referimos.
Mas, então, porquê este sinal de alarme do estado actual da IP entre nós? Na nossa prática de trabalho com técnicos de intervenção precoce no Porto, sobretudo com técnicos dos Apoios Educativos[4], verificámos que se tornava cada vez mais problemático, pelo menos na zona Norte do país, realizar uma I.P. tal como o Despacho Conjunto propunha, uma vez que quase cada um fazia a IP que lhe apetecia. O velho círculo de Simeonsson não era cumprido na triagem, na avaliação pluridisciplinar, na participação da família aos vários níveis do sistema; a formação contínua dos técnicos, a multidisciplinaridade de avaliação dos programas, a coordenação interserviços ou não existia ou não era uniforme. Essa análise também foi objecto de um estudo, promovido em 1997 pelo próprio ME, a nível nacional revelando exactamente este, repito, esquisso acima referido.
A organização então existente e as regras organizativas eram irracionais e saídas de cabeças que talvez de IP nem as iniciais conhecessem: uma IP sem forte componente médica e de saúde, sem educadores com alta formação em educação especial (Mestrado, por exemplo, em I.P.), e em que a colaboração de outros técnicos, terapeutas (fala, fisioterapia e ocupacional), assistente social, psicólogo de educação, etc. era muito escassa e variável e a articulação entre as várias agências era praticamente inexistente.
No entanto, como profissional das questões da Psicologia e da Educação com mais de 40 anos de experiência, constatávamos e continuamos a constatar, pelo menos no Grande Porto, não por culpa dos técnicos, mas de “ordens”, “regulamentos”, etc., que crianças mudavam de técnico por vezes no mesmo ano, técnicos que obtiveram ganhos preciosos com crianças eram substituídos por outros, por vezes sem experiência, enfim, ética e cientificamente, a I.P. apresenta razões de alarme para as crianças e famílias que cumpre reflectir conjuntamente e chamar à atenção os policymakers!
Se bem me lembro, já o Decreto-lei n.º 891/99 tinha sido recentemente publicado em Diário da República e algumas esperanças ficaram, no entanto, de que a situação da IP pudesse melhorar caso o mesmo viesse a ser cumprido pelas entidades públicas.
Mas os nossos receios estavam ainda para vir como diria H.G. Wells na sua Guerra dos Mundos. Recentemente, fiquei estupefacto, quando, certo dia, tomo conhecimento do documento de um tal Conselho Científico – Pedagógico de Formação Contínua[5] que apresentava duas terríficas decisões que passo a citar:
“Na sequência dessa reunião, a Secção decidiu (reparem decidiu!):
Proceder à revisão dos critérios de categorização dos domínios de especialização em educação especial;
Adoptar para as novas propostas de cursos, a partir de 29 de Junho as categorizações seguintes, no âmbito das necessidades educativas especiais:
· A71 – domínio cognitivo e motor
· A72 – domínio emocional e de personalidade (?)
· A73 – Domínio de audição e surdez
· A74 – domínio de visão
· A75 – Domínio de comunicação e linguagem
Para não falar, por agora, nas vetustas concepções que o documento encerra, depreendi, não sei se bem se mal, que os técnicos que possuíam, por exemplo, Mestrado em Intervenção Precoce (válidos internacionalmente) não eram considerados no domínio da dita Educação Especial e, mais, a esses profissionais ficara-lhes vedada, no novo sistema de concursos para colocação dos docentes, a possibilidade de concorrerem e entrarem na carreira de educação especial.
E, por sua vez, outros profissionais com especialização em educação especial contemplados no referido concurso não podiam trabalhar em Intervenção Precoce.
Será que entendi? Deu-se uma cisma em Portugal entre Intervenção Precoce e Educação Especial?
Portanto fiquei sem saber como, a partir de agora, se irá fazer precocemente a dita prevenção (primária, secundária ou terciária) das dificuldades das crianças. Será preciso deixá-las crescer e agravar essas dificuldades? Mais ainda, se o sistema de Educação Especial exclui o atendimento precoce, então, este passa a ser um sistema amputado de uma das suas principais valências - a educação especial precoce feita por técnicos habilitados para isso, como mandam os critérios internacionais.
Seria que o Guralnick, presidente da International Society for Early Intervention, numa noite mal dormida ditara ao mundo tal recomendação? Escrever ao Rune Simeonsson ou R. McWilliam e a outros sábios da IP para saber se tinham mudado as regras? Tal não acontecera, claro. Mas, entre nós tudo é possível.
Estão hoje demonstradas, a nível das neurociências, as perigosas consequências da ausência de IP no posterior desenvolvimento das crianças e que tal ausência pode tornar irreversíveis certas alterações. Quando já se fala em Intervenção precocíssima in utero na prevenção das dificuldades e doenças futuras que poderão afectar os seres humanos, será possível que o apoio precoce dos 0 aos 5 anos tal como sugerem as convenções internacionais se torne tão difícil entre nós? Será que voltamos ao tempo da não IP e que seja o próprio ME, que aliás tanto lutara por ela, que agora a coarcta? Por isso, termino repetindo MAYDAY MAYDAY.


*Professor Emérito da Universidade do Porto



[1] DES (Department of Education and Science) (1978) Warnock Committee Report (London, HMSO)
[2] As instituições pioneiras em Intervenção Precoce foram nomeadamente a Direcção de Serviços de Intervenção Psicológica do então Ministério do Trabalho e Segurança Social e em Coimbra a equipa que imanada do Hospital Pediátrico de Coimbra, actual PIIP de Coimbra, que desenvolveram serviços de qualidade e dentro das normas internacionais para a Intervenção Precoce. Hoje felizmente o PIIP continua a desenvolver importantes acções no domínio da I.P. e a defender o seu modelo, menos sorte teve a DSOIP, que já com outro nome e “descendo de divisão” (termo futebolístico), o CEACF (Centro de Estudos e Apoio à Criança e à Família) foi desmantelado em 2006. Resistiu largos anos mas os pioneiros também se abatem!
[3] Despacho Conjunto nº 891/99, de 19 de Outubro, diz: “no domínio da intervenção precoce para crianças com deficiência ou em risco de atraso grave de desenvolvimento” (o sublinhado é nosso)
[4] O que lhes aconteceu? Realizou-se alguma avaliação científica rigorosa que levou à sua extinção ou transformação?


Publicado no Jornal de Letras - Educação

3.12.06
 
PENSAR A EDUCAÇÃO DE INFÃNICA NO DNE
“PENSAR A EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA”


Foi este o mote para uma sessão organizada pela Câmara Municipal de Tavira e pelo Centro de Estudos e Projectos em Educação de Infância /Universidade do Algarve.

Qual a importância da Educação de Infância? Quando começa a educação de infância?
Uma perspectiva de aprendizagem ao longo da vida não implicará que a educação de infância comece logo ao nascer? E uma preocupação quer com a qualidade quer com a equidade leva-nos certamente a considerar uma dimensão educativa nas creches e berçários que guardam crianças dos 3 meses aos 3 anos. Em Tavira, segundo a vereadora Sara Mansinho, a taxa de cobertura do pré-escolar (crianças a partir dos 3 anos) é de 80% e portanto acima da média nacional, devendo a curto prazo ser de 100%. Está-se pois na hora de investir mais nas creches e na faixa etária dos 0 aos 3 anos (sendo a cobertura actual apenas de 20% das crianças dessas idades).

A ilustrar as mudanças da sociedade portuguesa que também ocorrem no Concelho de Tavira (onde em 2006 se contam 110 crianças romenas, brasileiras, ucranianas, búlgaras, chinesas, etc), participou também Glória Jackson, uma mãe brasileira, como representante da Associação de Pais e Encarregados de Educação do Agrupamento de Escolas D.Manuel I, que defendeu a necessidade de tornar a escola mais atraente e mais educativa e de combater o insucesso escolar.

Susana Nogueira, da Universidade do Algarve, apresentou os resultados de uma pesquisa junto de crianças do Jardim Infantil que tentou identificar a perspectiva das crianças relativamente ao JI através de três estratégias : entrevistas em pequenos grupos, desenhos do seu JI e reportagens fotográficas sobre o que achavam mais importante no seu JI. Quem já trabalhou com crianças desta idade sabe como é difícil conseguir resultados claros. Esta utilização de três estratégias acessíveis às crianças e a forma atenta, respeitadora, perspicaz e cuidada como os dados obtidos foram lidos e interpretados é bem de louvar. Alguns resultados :

“Porque é que vêm todos os dias para o JI”?
1º - para brincar
2º - para aprender (“ser depois crescidos e ter mais escolas”)
3º - pelo prazer (“porque gostamos da escola”.)
Nenhuma criança falou de ser por os pais trabalharem e não terem com quem as deixar. As respostas foram todas pela positiva. Aleluia !

“Que mais gostam no JI”?

1º- Expressão plástica – “porque os trabalhos são a coisa mais importante que eu já vi...”
2º - Jogo Dramático
3º - Jogos – de construções, bonecas...
4º - Descoberta do mundo dos livros (“porque adoro as letras de todos os livros !”)

“De que menos gostam?”

“Que os meninos me batam!”

"Quais são as pessoas de quem mais gostam no JI" ?
"Os Amigos !"

“Quem é que decide o que se faz no JI?”
Elas. Os adultos intervêm quando elas se portam mal.

“Quem decide o que está certo e errado ?”
“Nós é que temos que pensar o que estamos a fazer mal e bem”

“Se um menino/a viesse para teu JI pela 1ª vez como se sentia ?”

“Feliz!”

Isabel Cruz, professora, investigadora e ex-vicereitora da Universidade do Algarve comentou estes resultados recordando alguns indicadores de qualidade em Educação de Infância apesar de, como sublinhou, o conceito de qualidade ser um conceito relativo, implicando a avaliação de qualidade dos JI a participação das próprias crianças (como neste caso), dos pais e dos profissionais.

Foi uma sessão que valeu bem a pena !

Maria Emília Brederode Santos .