Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

30.9.06
 
A Convenção da Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
Ana Maria Bénard da Costa*

Nota introdutória

Porquê escolher como tema deste breve artigo a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 28 de Agosto de 2006?

Em primeiro lugar, porque a educação de crianças e jovens com deficiência deve ser encarada na perspectiva global dos direitos e da igualdade de oportunidades que é objectivo central deste documento.
Em segundo lugar, porque contém medidas de política precisas em relação ao sector da educação e da reabilitação.
Em terceiro lugar, porque a publicação deste novo documento, de âmbito mundial, nos leva a relembrar outros de teor semelhante, anteriormente publicados, e a interrogarmo-nos sobre o impacto que tais publicações produziram no passado e poderão produzir no futuro.

1. A Convenção

As Nações Unidas desenvolveram, ao longo de 25 anos, diversos instrumentos tendentes a defender os direitos das pessoas com deficiência e a promover as suas condições de vida e a sua integração na sociedade:
- Proclamaram, em 1981, o Ano Internacional do Deficiente e, em 1983, a Década Dedicada ao Programa Mundial de Acção Relativo à Pessoas Deficientes (1983-1992)
- Em 1993, publicaram as Normas Gerais sobre a Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com Deficiência
- Em 1994, a UNESCO publicou a Declaração de Salamanca e Enquadramento da Acção na Área das Necessidades Educativas Especiais
- Em Agosto de 2006, foi concluído o texto da Convenção das Nações Unidas. sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que aqui comentamos.

A decisão relativa à elaboração de um documento com o peso duma Convenção Mundial não foi tomada de forma pacífica, pois a ela se opuseram muitas vozes que afirmavam que os diferentes instrumentos já existentes no âmbito da ONU, relativos ao direitos humanos, eram suficientes para garantir esses mesmos direitos à população com deficiência. A oposição a estas vozes surgiu durante uma Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância, realizada em 2001 na África do Sul, em que se reconheceu que, “apesar dos diferentes esforços feitos para aumentar a cooperação e integração e para aumentar a sensibilização sobre as questões da deficiência (…) estes esforços não tinham sido suficientes para garantir uma participação plena e efectiva das pessoas com deficiência na vida económica, social, cultural e política.” Foi a partir das resoluções dessa Conferência que as Nações Unidas puseram em marcha os trabalhos que deram origem à Convenção que agora foi aprovada. Para além destes obstáculos e hesitações iniciais, acesas controvérsias dificultaram a elaboração do texto e foram precisos 5 anos de intensos debates, ao longo das 8 sessões do Comité ad Hoc responsável por esta tarefa (de 2002 a 2006) para se chegar ao texto final. O capítulo relativo à educação foi um dos que motivou maior polémica, confrontando-se, ao longo destes anos, as posições que pugnavam abertamente por uma educação inclusiva – que ficaram nele consignados – e os que defendiam a permanência de estruturas segregadas de ensino.

2. Aspectos a salientar no que respeita a educação das crianças e jovens com deficiência

A formulação dos diferentes artigos que compõe este documento permite, em cada um deles, e em relação com os vários sectores, aplicar o respectivo conteúdo às diferentes faixas etárias, incluindo as crianças e os jovens. No entanto, vamos aqui unicamente referir algumas recomendações dirigidas aos Estados membros que consideramos mais relevantes e que estão contidos no Artigo 7 – As crianças com deficiência - e no Artigo 24 – A educação -.

São elas:
a) Garantir que as crianças usufruam de todos os direito humanos expressos nesta Convenção;
b) Garantir às crianças a possibilidade de expressarem os seus pontos de vista sobre os assuntos que lhes dizem respeito;
c) Assegurar um sistema educativo inclusivo, ao nível básico e secundário, numa base idêntica às restantes crianças da comunidade em que vivem;
d) Fomentar nas crianças a auto-estima e criatividade e desenvolver a sua máxima potencialidade física e mental;
e) Proporcionar os apoios necessários no âmbito do sistema educativo regular, de modo a facilitar uma educação eficaz, nomeadamente, a aprendizagem do Braille, da mobilidade, da língua gestual (promovendo a identidade linguística da comunidade surda), das comunicações alternativas e aumentativas e favorecendo o apoio entre colegas;
f) Empregar professores com deficiência, fluentes em Braille ou língua gestual;
g) Garantir os serviços de habilitação e reabilitação necessários, a partir das fases mais precoces que for possível e de modo a fomentar a participação e inclusão na comunidade, mesmo nas áreas rurais;
h) Promover a formação inicial e contínua dos profissionais envolvidos.

3. Que impacto esperar em Portugal no sector educativo?

Podemos, em primeiro lugar, interrogarmo-nos sobre o que foi feito entre nós depois de publicados os dois últimos documentos de âmbito mundial que referimos no início: as Normas sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiência e a Declaração de Salamanca e Enquadramento da Acção na Área das Necessidades Educativas Especiais .

Os dois documentos foram editados em português mas a sua difusão foi limitada e, neste momento, só circulam fotocópias da Declaração de Salamanca porque se esgotou a 1º edição, sem que tenha sido reeditada. Os temas em causa foram abordados em numerosas Conferências e Seminários e são apresentados em alguns dos cursos de pós – graduação em Educação Especial que se ministram em vários pontos do país. Mas, para que as recomendações neles expressas - e que, especialmente no caso da Declaração de Salamanca, representavam mudanças significativas que levariam a inverter muitos dos conceitos e das práticas vigentes - se viessem a aplicar, muitos outros passos seriam necessários.

A realização de estudos sobre as implicações das medidas propostas; a elaboração de um Livro Branco sobre a problemática da Educação inclusiva; a reformulação dos cursos de formação de professores, de modo a capacitá-los a gerir a diversidade na sala de aula e na escola; a reformulação dos serviços de apoio a nível das escolas e em estruturas de segunda linha, de forma a responder a esta diversidade; a reestruturação das respostas especializadas destinadas aos alunos com deficiências graves; as medidas visando a transição para vida activa e a inserção social e laboral dos jovens após a escolaridade, são algumas das medidas que poderiam ter surgido como resposta aos desafios contidos nos documentos citados e que, contrariamente ao que aconteceu em muitos países, não tiveram lugar entre nós.

É, portanto, legítimo que temamos que, agora, no campo específico das crianças e jovens com deficiência (não esqueçamos que a perspectiva da educação inclusiva é muito mais abrangente, pois foca a resposta da escola para todos os alunos que se deparam com barreiras dos mais diferentes tipos na sua educação) as recomendações que as Nações Unidas apresentam voltem a ter um impacto igualmente limitado. Talvez se sigam as habituais Conferências e Seminários e talvez se faça alguma edição do texto em português, mas tememos que, mais uma vez, não surjam as medidas que poderiam ter alguma eficácia na mudança de que carece o nosso sistema educativo para que se verifique uma real inclusão educativa das crianças e uma plena inserção social e laboral dos jovens com deficiência, ou seja uma garantia de que são respeitados os seus direitos humanos.

No entanto, a aprovação pelas Nações Unidas deste Documento tem um valor inquestionável: as objecções que neste país ainda se colocam á educação inclusiva (algumas bem documentadas pela forma como foi planeado o último Congresso de educação especial) serão agora mais difíceis de sustentar e, por outro lado, todos os que procuram garantir a todas as crianças o direito ao acesso e participação na escolar regular – pais, professores, técnicos, pessoas com deficiência, diversas ONG, encontrarão nele uma orientação e um suporte. Num momento em que, em Portugal, se estão a desbravar corajosamente tantos novos caminhos que visam uma educação de maior qualidade, esperamos que também nesta área se iniciem os passos decisivos para a mudança que nos foi apontada em Salamanca há mais de uma década e que em Agosto passado foi novamente proclamada para todo o mundo.

*Assessora do Ministério da Educação aposentada, responsável (de 1973 a 2002) por Serviços de Educação Especial do Ministério da Educação e pelo Serviço de Inovação e Investigação do Instituto Inovação Educacional.

Publicado no Jornal de Letras - Educação nº 27 de Setembro

26.9.06
 
Na VISÂO desta semana...
A Visão desta semana integra um destacável, a não perder, com dados sobre a educação em Portugal e na Europa, intitulado "Retrato do Ensino nos últimos 20 anos". Há também artigos de Maria João Valente Rosa e de Maria de Lurdes Rodrigues, Ministra da Educação.
Afirma-se na introduão, que a Visão pretende contribuir para o debate que o Conselho Nacional de Educação está a levar a cabo sobre a Educação, já referido várias vezes neste blog.
Há matéria para discutir entre a situação que temos, as prioridades políticas e as medidas tomadas.
Nós aqui também queremos contribuir para uma maior consciência e empenhamento de todos na melhoria da educação.


AMBettencourt

24.9.06
 
UMA BD EM LÍNGUA GESTUAL PORTUGUESA
Hoje é o Dia Mundial do Surdo . Para o celebrar, o professor Francisco Goulão lançou na web uma história em banda desenhada.

"A Viagem" foi criada, escrita, ilustrada, desenhada e realizada por Francisco Goulão (surdo e professor de surdos) e pode ser vista em :

http://profsurdogoulao6.no.sapo.pt


Maria Emília Brederode Santos

22.9.06
 
OS SALVADORES DA EDUCAÇÂO E A DEMAGOGIA
Os salvadores da educação e a demagogia

Mais uma vez a demagogia fácil sobre a educação tem tido espaço nas primeiras páginas dos jornais
Hoje é o DN, com o anúncio de propostas para a “salvação” da educação.
Que a educação em Portugal precisa de mudar substancialmente os resultados obtidos, que os alunos têm de aprender muito mais e trabalhar mais é um facto.
O dossiê da Visão desta semana sobre “O Estado da Educação” mostrava-nos uma vez mais os números da nossa vergonha.

Gostaria de convocar as palavras de Joaquim Azevedo num artigo do JL inserido recentemente neste blog “as explicações fáceis e cabais, que estabelecem relações causa-efeito nunca estudadas nem demonstradas, são serpentes que encantam, porque de facto urge agir e melhorar a situação”...........” O problema é que, entretanto, só estamos a empurrar os problemas reais e difíceis para debaixo do tapete.
.............” A melhoria gradual e sustentada da educação escolar dos portugueses, nestes dias, eles próprios tão difíceis de enxergar, requer seguir vias bem mais difíceis de discernir, bem mais espinhosas na sua aplicação, envolvendo uma pluralidade de actores sociais e muito mais exigentes na sua avaliação e correcção.”...........

Eleger as pedagogias, que se dá provas de não conhecer, como bode expiatório dos maus resultados é, no mínimo, manifestação de desconhecimento do terreno e demagogia.
Em vez de se tentar entender as situações de grande complexidade que aí existem e tentar ver onde é que os problemas estão a ser resolvidos, acompanhar os efeitos de algumas medidas que estão a ser tomadas, fazem-se diagnósticos apressados e tiram-se soluções demagógicas da cartola.
Como se pode atribuir ao “romantismo construtivista” os problemas que existem? Onde é que foi massivamente aplicado?.
Temos de ultrapassar esta atitude de pesquisa de bodes expiatórios, sejam eles as pedagogias, os professores, a falta exames, a formação de professores.....Os problemas terão a ver com alguns destes factores, mas estabelecer relações lineares de causalidade é um absurdo.
Acredito cada vez mais na importância da autonomia de cada escola e na capacidade de definir projectos, metas e caminhos para resolver os problemas; acredito na avaliação dos projectos e responsabilização das equipas docentes e das escolas pela melhoria dos resultados escolares. Acredito porque tenho encontrado, em Portugal e noutros países, escolas a resolver alguns problemas graves por estas vias, conjugando responsabilidade / empenhamento na melhoria das aprendizagens e inovação.

Já houve várias vezes ao longo de anos a ilusão de que as propostas de reformas iam resolver todos os problemas. Já tínhamos a obrigação de nos saber defender dos “salvadores”.

Ana Maria Bettencourt

21.9.06
 
O MARKETING E A EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA
Ou:

Da necessidade de sermos (nós e as crianças) “consumidores” esclarecidos


Estamos no “arranque” do novo ano lectivo. As caixas de correio (mesmo com avisos de “publicidade não, obrigado!”) enchem-se de panfletos, os nossos endereços electrónicos são invadidos por propostas aliciantes, as promoções são muitas, em qualquer loja onde me desloque perguntam se tenho “cartão de cliente” e enumeram-me vantagens sem fim em me “fidelizar” . Antes de férias, vi, nas “grandes superfícies”, escaparates com uma variedade enorme de livros de fichas para… “trabalhos de férias” para as crianças, mesmo para as mais pequenas… para quê? “escolarizar” ainda mais a entrada no jardim de infância? E o direito inalienável da criança… BRINCAR, consagrado na Convenção dos Direitos da Criança?
Entretanto, continuamos a ser um dos países europeus que menos lê, que menos compra livros, considerados um produto “quase” de luxo, que menos entende a matemática como forma de organizar a vida, de resolver problemas e de estruturar o pensamento. Esta contradição confrange-me.
Ouvi há dias o Manuel Jacinto Sarmento, numa das suas brilhantes análises sociológicas sobre a infância, falar no “mercado de serviços” para as crianças, no “franchising” de produtos para as crianças, no mercado de materiais didácticos” para os jardins de infância, nos processos de “marketing” que invadem as mentes das crianças e as bolsas dos seus pais. Lembro a quantidade de materiais didácticos que começaram a surgir no mercado desde que, em 1997, se publicaram as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, muitos – tenho a obrigação moral de o dizer publicamente! – de muita fraca qualidade e adulterando os princípios pedagógicos subjacentes a esse documento orientador. Habituei-me desde sempre, como educadora, a trabalhar com materiais e recursos limitados, investindo sobretudo em materiais que possibilitassem a expressão livre das crianças. Compreendo que os tempos são outros. Mas tenho consciência quanto hoje é mais difícil para os educadores fazerem escolhas esclarecidas e responsáveis e de como, eventualmente, serão as próprias famílias a perguntar, no arranque do ano lectivo, qual é o “manual” para os 5-6 anos ou a colecção de “fichas” que devem comprar....
Como formadora de futuros educadores tenho consciência de que a minha instituição deve informar e formar os estudantes nessa matéria, chamando a atenção para a estética dos materiais, para a sua correcção em termos de multiculturalidade ou na não promoção de estereotipos de género. Não me parece que isso baste e afirmo que, numa lógica de “prestação de serviços à comunidade”, temos que ajudar os educadores de infância a fazerem selecções criteriosas dos materiais que colocam nos seus jardins de infância e, decorrentemente, dos modelos explícitos e implícitos que passam às crianças e às suas famílias. Com o Manuel Jacinto Sarmento afirmo “lógicas de acção que recusem a dominação” e “lógicas de acção que afirmem os Direitos da Criança” e promovam “uma concepção alternativa de uma cidadania da infância” nos tempos que são os de hoje. Uma cidadania esclarecida, que faça escolhas conscientes, que não deixe poluir a ética e a estética das suas vidas com produtos que não serão os de… primeira necessidade!

Teresa Vasconcelos
Setembro de 2006

20.9.06
 
Educação em Debate:
Ainda o Debate Nacional de Educação

Maria Emília Brederode Santos *

Foi há 20 anos aprovada a Lei de Bases do Sistema Educativo na Assembleia da República por uma quase unanimidade, o que constituiu um acontecimento excepcional.

A Assembleia da República resolveu celebrar esse 20º aniversário, olhando para o futuro e promovendo, com o Governo, um grande debate sobre o tema: “Como vamos melhorar a educação para atender às novas necessidades e às novas exigências da sociedade portuguesa? “

O Conselho Nacional de Educação foi mandatado para organizar esse Debate da forma mais alargada e participada possível.

A verdade é que a sociedade portuguesa mudou muitíssimo nestes 30 anos desde o 25 de Abril ou, para o que aqui nos interessa, nestes 20 anos desde a Lei de Bases do Sistema Educativo.

Tornámo-nos uma sociedade mais heterogénea, culturalmente mais diversa, mais rica, mais plural:
- Basta recordar que passámos a ser também uma sociedade de imigração (ainda recentemente, um estudo sobre a população escolar revelava que as escolas portuguesas são já frequentadas por alunos de 120 nacionalidades diferentes, que falam mais de 80 línguas maternas, e que este fenómeno é tão recente que 80% destes alunos não nasceram em Portugal.)
- Basta recordar ainda que as mulheres entraram em força no mercado de trabalho e nos vários níveis de ensino, que a Constituição proibiu toda a discriminação baseada no género o que obrigou a uma profunda reforma do código civil e da legislação referente à família.

Obviamente que estas transformações, em si extremamente positivas, criaram novas exigências e novos problemas.

- Aderimos à Comissão Europeia (que se transformou em União Europeia e se tem vindo a alargar desde então) contribuindo para criar uma sociedade economicamente mais moderna, mais rica e desenvolvida – mas também criando novas necessidades, novas exigências, novos problemas.
- Aumentou a esperança de vida dos portugueses e diminuiu a mortalidade infantil: envelhecemos, temos menos filhos... Cuidamos mais deles, cuidamos menos? Nalguns casos investimos neles, porventura excessivamente, paralelamente a casos de negligência, maus-tratos e barbaridades inimagináveis. Tornámo-nos uma sociedade mais complexa e contraditória...
- Participamos na revolução tecnológica digital e na construção da chamada Sociedade do Conhecimento – o que constitui uma revolução fantástica no acesso ao conhecimento, na economia e no modo de vida das pessoas.
- A escola expandiu-se extraordinariamente. Podemos multiplicar por muitas dezenas o número dos que hoje chegam ao ensino superior comparando com os números de há trinta anos. Mas, por outro lado, continuamos a ter taxas de abandono e de insucesso tão elevadas que obviamente há muita coisa que está mal no que se aprende e no modo como se aprende, dentro e fora da escola.

Diz-se (diz um provérbio índio que Hillary Clinton gosta de citar) que “é preciso uma aldeia inteira para criar uma criança”. Ora o que sentimos é que a “aldeia” se demitiu dessa tarefa, remetendo exclusivamente para a escola a tarefa de educar.

A verdade é que não se aprende só na escola. Ainda há pouco, numa reunião internacional da EUNEC (Associação Europeia dos Conselhos Nacionais de Educação, que teve lugar em Lisboa), a representante do Conselho Económico e Social da União Europeia dizia que “mais de 50% do que sabemos aprendemo-lo por via informal, experiencial, fora da escola” Sem diminuir a responsabilidade da escola e do sistema educativo neste domínio, há que reconhecer que há uma responsabilidade de toda a sociedade pela educação de todos e em particular dos mais jovens, responsabilidade que não tem sido assumida.

Por outro lado, é visível uma vontade generalizada de opinar e de intervir na educação. Se todos aprendemos a toda a hora e todos ensinamos de vários modos, todos devemos poder dar conta da nossa experiência e das nossas preocupações quanto ao devir da sociedade e quanto aos modos de melhorar a educação tendo em vista construir um Portugal mais moderno e mais justo.

É por isso que faz sentido um Debate Nacional sobre Educação com este foco muito claro. Quer dizer que está aberto a todas as questões mas que se procurou também organizá-lo um pouco previamente. E assim há cinco áreas temáticas – i) Educação e Cidadania; ii) Qualidade e Equidade em Educação, iii) Escolas, Professores e outros Profissionais, iv) Aprendizagem ao Longo da Vida e Desafios do Emprego, e v) Ciência, Investigação e Desenvolvimento Educativo. Há ainda uma sexta área aberta a todos os contributos que não caibam naquelas.

Outras linhas orientadoras do Debate são:
- Tratar-se de um debate aberto, plural e livre: o CNE não é do governo nem da oposição. Tem por isso autonomia e credibilidade para procurar a maior e mais diversificada participação possível.
- Nacional e descentralizado, este debate vai ser consequente: “Os promotores do Debate, a Assembleia da República e o Governo, saberão atender às suas conclusões” e tomar as medidas legislativas e executivas apropriadas”.
- Será também transparente – No “site” http://www.debatereducacao.pt/ ficarão acessíveis todos os contributos e documentos de apoio bem como o Relatório Final.
- E deverá ser virado para o futuro – O pior que pode acontecer ao debate é se ele se limitar a inventariar os males do sistema, a procurar bodes expiatórios, a atribuir responsabilidades pretéritas ou a querer regressar a respostas do passado

Este tem de ser um debate virado para o futuro, para que todos pensemos “como vamos melhorar a educação nos próximos anos”.

*Membro do Conselho Nacional de Educação e Directora da Revista “NOESIS”

Publicado no Jornal de Letras - Educação Agosto de 2006

18.9.06
 
Teresa Ambrósio : uma imensa saudade
Faz hoje sete dias da morte da Teresa Ambrósio por quem eu tinha uma grande gratidão pessoal - por razões que dei à família, nomeadamente aos filhos e marido - mas também profissional, pelo seu trabalho pioneiro nas Ciências daEducação e na articulação entre as questões da educação e da formação. É uma grande perda, mas parece-me que a melhor maneira de a mantermos "viva" entre nós é não esquecer o seu legado e levá-lo por diante.

Teresa Vasconcelos,com uma IMENSA SAUDADE!

 
A Nova Lei de Finanças Locais:
UMA OPORTUNIDADE PARA MELHORAR O DESEMPENHO EDUCACIONAL DOS MUNICÍPIOS

Jorge Martins* e Paulo Trigo Pereira**

No âmbito da acção governativa, têm vindo a ser implementadas medidas que procuram promover mudanças positivas, de fundo e de forma, na relação entre as autarquias locais e a educação. Essas medidas ligam-se também às propostas de alteração do regime de financiamento das autarquias bem como ao novo enquadramento global da descentralização de competências.

Ao contrário de outros países de tradição centralista que souberam descentralizar para regiões, departamentos e municípios meios financeiros próprios e adequadas competências de tutela sobre a escola, entre nós a lógica centralista que tem presidido à organização e funcionamento do sistema educativo manteve-se quase inalterada. Sem a regionalização constitucional efectivada, a administração central apenas desconcentrou funções executivas para as direcções regionais e para as escolas, continuando a deter, quase exclusivamente, o poder de definir as políticas, as normas, os recursos, a gestão, o financiamento e os parceiros. As excepções a esta regra, politicamente desconfiada e financeiramente cautelosa, são as competências logísticas e de micro-planeamento dos municípios, que estes não assumem integralmente por razões de défice financeiro, por falta de regulamentação legal ou por falta de qualidade da respectiva liderança.

Trinta anos após a institucionalização do poder autárquico democrático, ainda persiste um significativo contencioso entre os municípios e a administração pública central acerca de situações acumuladas e não resolvidas. Por um lado, os autarcas apontam as implicações da desconcentração, para os serviços regionais ou para as escolas, de competências que, na sua opinião, deveriam pertencer-lhes e, por outro lado, consideram inaceitável que competências transferidas possam ficar condicionadas, directamente ou não, por outros poderes e meios que não foram descentralizados. Assim, a coordenação entre entidades que intervêm na educação, a clarificação de poderes e o financiamento adequado às responsabilidades que detêm, parecem constituir as prioridades actuais das autarquias na resolução do contencioso.

Também a evolução localista das políticas de desenvolvimento social e económico do país fez aumentar a não coincidência entre atribuições e meios financeiros e entre competências formais e “competências morais” das autarquias em matéria de educação.

Como já referimos, algumas das “velhas atribuições” – construir, apetrechar e manter escolas do ensino básico, assegurar os transportes escolares, gerir os refeitórios do pré-escolar e do básico, comparticipar no apoio social escolar às crianças e alunos do ensino básico, apoiar o desenvolvimento de actividades complementares, participar no apoio à educação extra-escolar e gerir o pessoal não docente do 1º ciclo – ainda não são completamente assumidas por todos os municípios. No entanto, paradoxalmente, em nome da subsidiariedade, da satisfação das necessidades básicas dos munícipes e do desenvolvimento local, muitas câmaras consideram essas e outras competências não inscritas “na lei” como “dever moral” e acabam por concretizá-las, em grau variável, recorrendo aos seus próprios orçamentos.

Mais recentemente, devido às pressões cruzadas da administração central, das comunidades locais e das escolas, os municípios desencadearam novos compromissos de acção educacional, na fronteira indefinida entre o formal e o informal: transportes no pré-escolar, apoio aos projectos educativos, oferta do serviço de refeições, actividades de enriquecimento curricular e contratação de professores e outros técnicos ligados ao 1º ciclo.

Este processo desigual e descoordenado, onde coexistem algumas competências e atribuições regulamentadas e financiadas em sede de Orçamento de Estado, com outras que não o foram e, também, com outros compromissos de acção estabelecidos através de “uma geometria jurídica variável” de contratos-programa (casos da construção, reconversão e manutenção de Jardina de Infância, do fornecimento de refeições ou do ensino de Inglês no 1º ciclo), de acordos de colaboração (por ex., na contratação de pessoal não docente do pré-escolar) ou de protocolos de colaboração (na requalificação do parque escolar de alguns municípios), configurou uma descentralização “paralela”, perversa e ineficaz, que urge regular e uniformizar sob pena de aumentarem as assimetrias intermunicipais e as desigualdades educativas.

Descentralização e/ou desconcentração? O Fundo Social Municipal.

As duas vias fundamentais pelas quais é possível realizar uma transferência de atribuições, competências e recursos, agora centralizadas no Ministério da Educação, são a descentralização política para autarquias locais ou a desconcentração para escolas ou respectivos agrupamentos dando-lhes maior autonomia. Estes dois processos são independentes um do outro, podendo, ou não, evoluir de forma paralela, dependendo da vontade política do governo, da Assembleia da República (AR) e das autarquias locais.

Na situação presente está-se a avançar nestes dois domínios, com a tentativa de progressão dos contratos de autonomia e com a nova proposta de lei das Finanças Locais que o Governo apresentará na AR. Uma das inovações da proposta é a criação de um Fundo Social Municipal (FSM), que são transferências do Orçamento do Estado para os municípios consignadas às funções sociais: educação, saúde e acção social (sendo que em 2007 o FSM destina-se apenas à educação). A sua distribuição será função das crianças e jovens inscritos em estabelecimentos do pré-escolar e do ensino básico público em cada município. As despesas elegíveis no âmbito deste fundo são, entre outras, despesas correntes de funcionamento do pré-escolar público, e dos três ciclos do ensino básico, nomeadamente as remunerações de pessoal não docente (ou docentes não afectos ao currículo obrigatório), os serviços de alimentação, as despesas com prolongamento de horário e transporte escolar, o enriquecimento curricular (professores, monitores e outros técnicos com funções educativas de enriquecimento curricular).

Aquilo que se pretende com este fundo é que os municípios possam progressivamente vir a assumir competências acrescidas gerais nos domínios referidos sendo que as verbas transferidas por cada estudante de cada ciclo de ensino são exactamente idênticas deste modo implementando um princípio genérico de equidade. Assim, a proposta de lei prevê que em cada ano o Orçamento de Estado possa estabelecer um aumento do montante do fundo em função de novas competências municipais assumidas nas referidas funções sociais.

Isto não significa que não possa e não deva continuar a existir alguma discriminação, sempre que devidamente justificável e fundamentada, operada através de contratos programa entre o Ministério da Educação e as escolas. Por exemplo, na medida em que se verifique que a proporção na população escolar de crianças com necessidades educativas especiais em certos municípios é significativamente maior isso poderá justificar uma discriminação positiva e ela deverá ser feita directamente com verbas contratualizadas para esse fim.

Muitos estarão de acordo que a contratação de um novo auxiliar de acção educativa, de um animador cultural ou de um psicólogo, numa escola de Vila Real de S. António ou de Bragança, não deveria ser decidida e financiada directamente pela Cinco de Outubro. Quase todos os países onde os sistemas educativos são mais desenvolvidos e os resultados escolares melhores apresentam graus de proximidade com as comunidades educativas e graus de autonomia escolar maiores. Só parecem existir duas vias para se progredir. Ou se descentraliza para os municípios dando ênfase à relação destes com as escolas, nos domínios que não têm directamente a ver com a implementação do currículo obrigatório, ou se caminha no sentido da autonomia das escolas. O desafio que a nova lei das finanças locais consubstancia é o de avançar também com a descentralização.

* Professor do Ensino Secundário e investigador em Educação
** Professor do ISEG, Coordenador do Grupo de Trabalho das Finanças Locais

Publicado no Jornal de Letras - Educação Agosto 2006

 
A Teresa Ambrósio...
"A Teresa Ambrósio deixou uma marca e um vazio no campo da educação. Gostaria de destacar o seu papel como deputada numa época em que a educação não fazia parte das prioridades ou mesmo dos discursos políticos. Foi também pioneira a sua actividade como dinamizadora de reflexões e pesquisas neste domínio, designadamente no Instituto de Estudos para o Desenvolvimento.

Ana Maria Bettencourt

16.9.06
 
EQUIDADE E EFICIÊNCIA NO SISTEMA EDUCATIVO*
Os estudos empíricos de Economia da Educação

Entre 2003 e 2005 decorreu um estudo* que teve como objectivo a análise do antagonismo ou da complementaridade entre eficiência e equidade em educação na presença de programas de inovação educacional. O estudo, apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, embora tenha incidido em especial sobre os TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), não era a sua avaliação que estava em causa. Pretendia-se, sobretudo, analisar como, em Educação, se inova em Portugal e como se avalia essa inovação. A escolha recaiu nos TEIP porque também existia o aliciante da identidade de preocupação política que a sua criação revela, e a semelhança e diferença como, com os mesmos objectivos, se procurou inovar e dar respostas adequadas para situações problemáticas em França e no Reino Unido.

Resultados e condições de sucesso

Em resultado da análise de eficiência que se procurou fazer, foi interessante reconhecer, apesar de alguma fragilidade dos dados disponíveis, que:
- O facto de ter ocorrido um TEIP num dado concelho não contribui para explicar o coeficiente de eficiência concelhio, ou seja, a relação específica existente em cada concelho entre o número de professores por aluno e o abandono escolar.
- O nível de instrução da população adulta é importante na explicação da eficiência. Quanto mais instruída for esta população, menor é o abandono escolar para o mesmo nível de recursos concelhios em professores.

Pode-se assim dizer que experiências como os TEIP, as ZEP (Zones d’Education Prioritaire) em França e as EAZ/EiC (Education Action Zones/Excellence in Cities) no Reino Unido confirmaram não existir uma relação directa – naturalmente que em situações razoáveis de qualidade de recursos humanos e físicos – entre o sucesso dos alunos e o aumento de recursos físicos ou a redução do rácio professor/ aluno. Os bons resultados parecem ter muito mais que ver (i) com um bom ambiente da escola, (ii) com interesse e dinamismo de uma equipa educativa competente e “preocupada” com a situação de todos e de cada um dos alunos, (iii) com a existência de apoios aos alunos integrados e articulados num processo de educação diferenciada.
A informação necessária para a avaliação

Para avaliar da equidade, da eficiência e da eficácia dos recursos afectos à educação, será necessário assegurar a elaboração, manutenção e monitorização de bases de dados adequadas. Parece urgente e desejável proceder à avaliação das bases de dados existentes e, tendo em conta o muito esforço e a competência já investidos, melhorar e, sobretudo, articular para que os dados se complementem e as bases de dados se estabilizem.

O significado e a pertinência dos estudos e das análises que devem fundamentar as decisões políticas e as práticas administrativas da educação aos mais diferentes níveis, a começar na própria escola, requerem dados pertinentes, sólidos, comparáveis e sequenciais. Tem de haver clareza nos níveis de desagregação (aluno, escola, agrupamento, concelho, distrito ou região, nação), na periodicidade da recolha de informação (anual, bienal, início/meio ou fim do ano escolar, etc.), na identificação das escolas e dos agrupamentos pelos seus códigos e na integração de todas as despesas (recursos humanos, recursos físicos, despesas de capital e outras), independentemente da sua origem (administração central, local ou outra).

A implementação e monitorização destes processos estão intimamente relacionadas com a própria estrutura desconcentrada do Ministério da Educação e com as competências de cada nível da administração. Não é possível pensar num sistema ideal de informação sem pensar, simultaneamente, na estrutura administrativa que o alimenta, controla e disponibiliza os dados para a comunidade educativa e científica.

A unidade de recolha terá de ser sempre, conforme os casos, ou o aluno ou a escola/agrupamento, sem o que se perdem aspectos essenciais das análises educativas, como sejam, por exemplo, o enquadramento económico e cultural dos alunos ou as características das escolas (instalações, equipamentos, espaços) e dos professores (nível de formação e tipo de vínculo). Sem dados sobre o que foi designado como “recursos estudantis” (nomeadamente características socioeconómicas do estudante e sua família), nenhuma avaliação consistente é possível. Neste momento, o Ministério da Educação disponibiliza abundante informação sobre “recursos escolares”, mas fornece pouca ou nenhuma sobre “recursos estudantis”.

A situação agrava-se ainda quando, para certos programas de inovação experimental, se organizam bases de dados autónomas com interpretações divergentes de determinados conceitos (por ex., transições, abandonos, repetências) o que conduz a valores não coincidentes.

Os dados disponíveis referentes a custos são francamente mais deficientes e incompletos, nomeadamente pela dificuldade de acesso a tudo o que diga respeito ao primeiro ciclo do ensino básico e à educação pré-escolar, em especial em escolas não integradas em agrupamentos. Aí, não há clareza na classificação das diversas categorias de pessoal não docente e não existe informação sobre as verbas despendidas com pessoal docente e não docente disponibilizado pelas autarquias.

A regularidade do levantamento de informação é uma questão chave de que o caso das provas de aferição pode constituir paradigma. A forma de recolha e os resultados destas provas, que parecem constituir uma base de dados sólida e valiosa, perdem muito do seu interesse quando não têm regularidade de aplicação, nem quanto à periodicidade, nem quanto ao público-alvo[1]. Abranger o universo dos alunos, mesmo que ano sim, ano não, parece imprescindível quer para estudos externos como este, quer, sobretudo, para todo o esforço de auto-avaliação das escolas. Na avaliação feita no Reino Unido dos projectos EAZ ou EiC, a existência de testes de aferição aplicados regular e sistematicamente aos alunos com significativa informação de enquadramento foi essencial para o controlo, regulação e impacto daquelas medidas de política.
Limitações da análise e recomendações

Não se conseguiu obter conformidade entre a informação disponibilizada pelos serviços do Ministério da Educação e os relatórios de acompanhamento da experiência. Questões tão significativas como o pessoal não docente afecto às escolas TEIP e não TEIP, a evolução no desempenho dos alunos submetidos às provas de aferição em escolas TEIP e não TEIP, verbas especiais afectas às escolas/agrupamentos, para além das que eram dirigidas directamente para a função TEIP (e as conseguidas através de outros projectos e experiências a que muitos dos TEIP se candidataram), não se puderam esclarecer e não constam da informação levantada, surgindo mesmo de forma diversa e por vezes contraditória nos Relatórios TEIP, consoante a Direcção Regional que organiza e divulga a informação.

Reconhece-se que, no caso dos TEIP, o período em que esta experiência se desenvolveu correspondeu a um momento de grandes movimentações, instabilidade e alterações da rede escolar, com alguma fragilidade de conceitos e enquadramento organizacional. O mesmo, aliás, se reflecte nos dados recolhidos pelo DAPP/GIASE (Departamento de Avaliação Prospectiva e Planeamento), dada a grande mobilidade com que os agrupamentos se constituíam, se alteravam e se desfaziam.

Se se analisar a forma como certas inovações foram lançadas em Portugal e em outros países com que se conseguiu confrontar alguma informação, podem-se retirar conclusões e recomendações:
- Procurar que o objecto da inovação seja tanto quanto possível o mesmo do início ao fim do tempo de observação ou, sendo diferente, que as alterações sejam devidamente consideradas, enquadradas e justificadas;
- Assegurar que, para além da avaliação e acompanhamento realizados pelos serviços que promovem a inovação, haja outra feita por entidades externas, por exemplo um serviço de Inspecção, se for essa a sua função (como é o caso do OFSTED no Reino Unido), mas também por instituições do ensino superior com esta vocação;
- Garantir que a informação de base a utilizar seja integrada ou integrável e, sobretudo, que não esqueça os custos envolvidos e que, tanto quanto possível, seja do mesmo tipo da que existe para a totalidade das escolas e alunos para permitir análises comparativas. É interessante ver, por exemplo, o esforço feito pelos serviços do Ministério da Educação francês para, a partir da crítica de alguns centros de investigação universitários, organizar, ainda que já no decurso avançado do processo ZEP, um sistema mais credível de acompanhamento que, nomeadamente, passou a permitir a análise da evolução dos mesmos alunos ao longo dos anos.
Estudos empíricos de economia da educação

Os estudos empíricos de economia da educação são essenciais para a monitorização dos processos utilizados e para avaliação dos resultados das medidas de política empreendidas, sempre que se pretender assegurar uma efectiva melhoria do desempenho do sistema educativo, utilizando melhor os recursos de que se dispõe. O desenvolvimento desta área de investigação tem sido significativa, pelo que existem hoje várias revistas científicas dedicadas apenas a este tema[2].

Caso exista informação consistente disponível, é possível analisar o processo educativo como uma relação entre recursos escolares e estudantis, por um lado, e resultados, por outro. E é também possível analisar o eventual valor acrescentado das experiências de inovação educativa.

Os estudos empíricos de economia da educação, se sustentados em informação pertinente ao nível dos alunos e das escolas, permitem importantes conclusões que se podem retirar a partir da monitorização de uma reforma ou de um programa de inovação, ou mesmo da vida regular de um sistema educativo estabilizado.

Confirma-se, pois, que há trabalho de uma enorme relevância que é possível fazer, assegurando que, para além das úteis e necessárias análises qualitativas dos resultados, outras se fazem e que ultrapassam o mero reconhecimento da eventual diminuição ou aumento do insucesso e do abandono escolar. Podem relacionar-se estes resultados e os níveis do desempenho dos alunos com os recursos afectados e com as condições socioeconómicas do estudante, o que torna possível decidir quanto à alocação de verbas e à aplicação de medidas que propiciem maior equidade e eficiência no funcionamento do sistema.

O domínio destas matérias exige uma continuidade de investigação de acordo com linhas que neste estudo se procuraram enunciar e desenvolver. Espera-se a sua utilidade a três níveis, (i) antes de serem tomadas decisões políticas importantes, (ii) antes de serem estabelecidas as prioridades de investigação em matéria de educação e (iii) antes de serem divulgadas notícias pelos comunicadores e fazedores de opinião, muitas vezes com ligeireza e sensacionalismo.
Equidade e eficiência: antagonismo ou complementaridade?
Apesar da limitação da informação existente, o tratamento preliminar dos dados disponibilizados sobre os TEIP sugere a possibilidade de melhorar a eficiência e a equidade do sistema educativo através de uma melhor reafectação dos recursos disponíveis do que aquela que foi praticada.

O que parece importante na definição de estratégias e políticas educativas é que a busca de maior equidade não seja justificação para a ineficiência, nem que a procura de eficiência justifique a iniquidade. Ora isto não é tarefa fácil! Os dois objectivos têm de ser analisados em continuidade e permanência para que possa haver uma melhoria de ambos. Tudo leva a crer que ainda se está longe da “fronteira de eficiência” em que seria necessário optar por mais equidade, sacrificando alguma eficiência, ou o reverso.

As despesas com a educação em Portugal, primordialmente públicas, são avultadas em percentagem do PIB. Gasta-se, por aluno do ensino básico ou secundário, apenas um pouco menos do que a média dos países da OCDE e possui-se um elevado número de professores, de que resulta um baixo rácio aluno/professor.

No entanto, os resultados deste esforço financeiro não são animadores. A escolarização progrediu de forma notável e o número médio de anos de escolaridade da população adulta registou um elevado aumento. Contudo, o fraco nível de instrução da população portuguesa continua ainda a ser um obstáculo ao pleno desenvolvimento económico e social do País. O abandono precoce do sistema escolar é ainda demasiado elevado em muitas regiões do País e os níveis de desempenho dos nossos estudantes em estudos internacionais são medíocres. A dispersão e a diversidade de resultados entre escolas e entre regiões do País são outra das constatações que deve preocupar os portugueses.

De entre as causas mais profundas da ineficiência do sistema educativo, deve ser salientada uma importante inércia, que urge alterar. A melhor educação dos jovens de hoje resultará em pais mais educados amanhã e em melhores resultados e mais eficiência do sistema no futuro.

A resposta à questão que se colocou desde o início deste estudo é que pode e deve haver complementaridade entre equidade e eficiência e, se esse constituir um desígnio nacional, deve desenvolver-se um sistema de informação que permita monitorizar a evolução de indicadores que traduzam esse duplo objectivo.


*Síntese das Conclusões do Relatório ”Equidade e Eficiência no Sistema Educativo: Antagonismo ou Complementaridade?”, realizado, em 2006, por Maria José Rau, Miguel St. Aubyn, Paulo Trigo Pereira, Rita Veiga da Cunha


[1] Os resultados das provas de aferição são relevantes sobretudo pela consideração de todas as distribuições de resultados, mais do que por indicadores simplistas como a média ou a mediana que podem variar apenas com o grau de dificuldade da prova.
[2] Entre outros, merece destaque a Economics of Education Review.

*Publicado no Jornal de Letras - Educação

15.9.06
 
Desconhecer e fugir para diante
Joaquim Azevedo*

Assim como não faz sentido dizer que o Direito é responsável pelos atrasos dos processos nos tribunais ou a Medicina pelas filas de espera ou pelo deficiente atendimento nos hospitais, também é demagogia da mais cristalina afirmar que as ciências da educação são as responsáveis pelos problemas que enfrenta o sistema educativo português.

A escola portuguesa progrediu imenso nos últimos trinta anos e são inquestionáveis os seus contributos para o desenvolvimento do país. Mas este texto não visa seguir este filão da análise, muito obnubilado. O que procuramos pensar é o facto de estarmos, hoje, diante de uma situação social em que o referido discurso demagógico engana muitos e até chega a encantar alguns “fabricadores de opinião”.

Estamos, de facto, perante uma crise real e profunda do sistema educativo. Mais, existe uma incapacidade inquietante em pensar com tempo, profundidade e persistência o que realmente subjaz a esta crise (será que alguma vez criamos hábitos de pensar deste modo a nossa sociedade?). Alguns espertos, como mera estratégia de recurso e como “fuga para a frente”, agarram-se ao mais insensato senso comum e enunciam à exaustão uns slogans elaborados apressadamente, à falta de melhor e porque a repetição de frases feitas e sem qualquer explicação é uma das conhecidas vias de endoutrinação.

A crise existe, é generalizada e, entre nós, apresenta contornos particularmente graves. Ela tem causas que se colam a um percurso histórico concreto e a opções políticas da elite dirigente do Portugal democrático. De nada vale esconder a cabeça na areia, é preciso investigar e debater esta situação sem descanso, pois é urgente agir acertadamente (como estão tão em moda os apelos ao agir, agir, agir, outro sinal de fuga para a frente!), ou seja, melhorar a escola portuguesa. O contributo das ciências da educação (a educação é uma actividade humana complexa que carece do contributo de várias ciências para ser compreendida) tem sido precioso, não só para compreender o caminho percorrido como para perceber fracassos e impasses actuais. Este contributo das ciências da educação pode ser analisado pelo menos sob três prismas: (i) elas têm-nos afirmado e reafirmado que há políticas que têm sido seguidas que só podem conduzir ao desastre; (ii) elas lembram-nos que há uma realidade social que nos condiciona e amarra e que não é possível puxar pelas folhas para fazer crescer e verdejar a alface; (iii) elas sugerem, de muitos modos, que há outras vias que se deveriam percorrer para melhorar a educação e os seus resultados.

Abramos apenas a porta de cada prisma, no curto espaço que temos disponível. Quanto ao primeiro: são inúmeros os estudos que concluem, por exemplo, que o modelo de reformas que têm sido concebidas e executadas ao longo dos últimos trintas anos tem reforçado quer a irresponsabilidade que inunda no sistema, do centro à mais distanciada periferia, quer o centralismo, a burocracia e o uniformismo, que continuam a dominar as políticas sectoriais de educação, conduzindo a conhecidos fracassos.

Quanto ao segundo: a investigação tem avaliado o atraso educacional dos portugueses adultos como um “chumbo” que nos tolhe os movimentos, em cada dia que passa, além de nos ajudar a compreender os riscos, por exemplo, quer de uma desvalorização social do ensino profissional, quer de uma hipervalorização das credenciais escolares ou da aplicação, sem mais, de um paradigma meritocrático numa sociedade em que crescem vez mais as desigualdades sociais.

Quanto ao terceiro: as sugestões têm sido imensas e estão plasmadas em inúmeros e diferentes resultados das pesquisas, desde a urgência da autonomia e da responsabilização das instituições escolares e dos seus profissionais, passando pela aplicação da diferenciação pedagógica para melhorar um sustentado sucesso escolar, até às potencialidades da aplicação do novo paradigma da aprendizagem ao longa da vida.

As explicações fáceis e cabais, que estabelecem relações causa-efeito nunca estudadas nem demonstradas, são serpentes que encantam, porque de facto urge agir e melhorar a situação (diz-se que isto ia lá era com mais exames, mais horas de permanência dos alunos e dos professores na escola, com menos intervenção das ciências da educação, com mais controlo estatal sobre tudo e todos os que operam em educação, etc.). O problema é que, entretanto, só estamos a empurrar os problemas reais e difíceis para debaixo do tapete.

Jamais os discursos fáceis, elaborados requintadamente para as palmas de plateias ansiosas e muito preocupadas, serviram o desenvolvimento social. Sempre o condenaram, um pouco mais adiante. A melhoria gradual e sustentada da educação escolar dos portugueses, nestes dias, eles próprios tão difíceis de enxergar, requer seguir vias bem mais difíceis de discernir, bem mais espinhosas na sua aplicação, envolvendo uma pluralidade de actores sociais e muito mais exigentes na sua avaliação e correcção.

Desenhada no séc. XVIII para uma minoria de eleitos, a mesma instituição escolar acolhe agora todos os cidadãos que, por isso mesmo e por outras razões que concorrem com esta, depositam nela esperanças amplamente desmedidas. No momento em que a escola atinge o seu apogeu é que revela mais flagrantemente as suas fragilidades. Foi precisamente isso que aconteceu ao longo da história com muitos outros subsistemas sociais, que desapareceram, tendo outros surgido no seu lugar. Ontem como hoje, a voz dos cínicos e demagógicos é, em certos momentos da história, a voz que mais se ouve, enquanto os problemas passam, nos afligem e subsistem.

Resta-nos, aos que acreditamos na liberdade, na construção democrática de condições de vida digna para todos e para cada pessoa, na educação como fonte privilegiada de desenvolvimento humano e de cultura, combater este cinismo e demagogia e ousar, sem medo e persistentemente, apoiar o muito de bom que já se faz e percorrer caminhos novos, com bom-senso, criatividade e sustentabilidade.



* Membro do Conselho Nacional de Educação, Director do Instituto de Educação da Universidade Católica do Porto

Publicado no Jornal de Letras - Educação

13.9.06
 
A Teresa Partiu!
Despedimo-nos ontem da Teresa. Estavamos muitos para além dos filhos, do marido e da família. Amigos que se cruzaram com a Teresa nos caminhos que foi percorrendo, nos projectos em que se empenhou, nas relações que foi tecendo ao longo da vida...a todos tocou com a sua vivacidade intelectual, as suas inquietações e a sua criatividade.
Os padres José Manuel Pereira de Almeida, Miguel Ponces de Carvalho e João Rezina oficiaram a missa de corpo presente. Também eles testemunharam o inconformismo da Teresa face às injustiças, aos preconceitos, contra os quais lutou na esperança de dar o seu contributo para um mundo melhor.
Fica-nos a saudade, mas também a memória de uma grande senhora!

Teresa Gaspar

8.9.06
 
RESPOSTA A MEMOREX
Respondendo a @memorex que comentou o post sobre O Gesto e a Palavra : as Inquietações Pedagógicas ficam muito orgulhosas por serem incluídas no seu "mundo silencioso".

Parabéns pelo seu blog, pelos seus textos e pelas lindíssimas fotografias.

E viva o "brilho da diferença"!

Maria Emília Brederode Santos

7.9.06
 
Taxa de Retenção e Desistência no Ensino Regular, segundo o Ano Lectivo, por Nível, Ciclo e Modalidade de Ensino
http://www.giase.min-edu.pt/upload/docs/taxa_retencao_desistencia.pdf


Fonte: Gabinete de Informação e Avaliação do Sistema Educativo

6.9.06
 
A Nova Aprendizagem
Quase tenho remorsos de estar a escrever por cima das belíssimas fotografias da Ani Bettencourt. Mas enfim, o prometido é devido e eu prometi continuar com a divulgação da Carta para a Educação Australiana (e em resposta ao pedido de referências aqui fica o site do Australian Council of Deans of Education : http://www.acde.org. Em relação ao artigo de N. Yelland já escrevi a referência no post anterior).

Pois então, segundo Yelland, a "nova aprendizagem do séc. XXI" conceptualizou-se em torno das oito afirmações seguintes :

"1. A educação tem um papel muito maior a desempenhar na criação da sociedade;
2. A aprendizagem vai ser ao longo de toda a vida e abarcando todos os aspectos da vida;
3. A educação é uma das principais vias de concretizar a promessa da democracia;
4. Uma nova educação básica está a emergir;
5. A tecnologia ocupará um lugar central em toda a aprendizagem;
6. O trabalho dos educadores vai transformar-se;
7. O lugar do público e do privado na educação vai ser redefinido.
8. A política educativa deve deixar de ser vista como uma despesa pública para passar a ser encarada como um investimento público."

A nova"educação básica" consiste num modo diferente de organizar o conhecimento. A "nova aprendizagem" requer que os alunos sejam capazes de engendrar e colocaros seus próprios problemas de forma a conseguirem resolvê-los de vários modos e com recursos relevantes. Pode também exigir que os alunos sejam capazes de colaborar uns com os outros e de saberem recorrer a profissionais que os possam ajudar quer directamente quer pela via informática.

O currículo da "nova aprendizagem" organiza-se em torno de três áreas : techne, oeconomia e humanitas.

(Continua ?)

Maria Emília Brederode Santos

3.9.06
 
Turismo e formação científica – o Vulcão dos Capelinhos



Há quase cinquenta anos a ilha do Faial foi martirizada pela acção do Vulcão dos Capelinhos . O medo, a incerteza e o irresistível fascínio pelo monstro durou cerca de um ano. Hoje o passeio pela ilha que o vulcão vomitou, e que se ligou ao Faial, pode ser uma fonte inesgotável de aprendizagens designadamente sobre vulcanologia e sobre a formação da terra. Assisti, por acaso, a uma longa visita ao vulcão extinto, realizada por um grupo de turistas italianos, guiados por um jovem. Admirei o modo como transformou a “ilha” num verdadeiro museu. Não tenho dúvida de que a cultura científica daquelas crianças, jovens e adultos que compunham o grupo, se enriqueceu.
Perto dali há um núcleo museológico de uma confrangedora pobreza científica. Felizmente parece estar em construção um museu.
Tesieff conta no seu livro “vulcões”, num capítulo dedicado aos Capelinhos, conta como os faialenses se interessavam pelo “seu” vulcão, não só pelo medo que lhes suscitava, mas também porque queriam saber se era tão importante como o Vesúvio ou o Etna. Refere o fascínio de que era alvo da parte de alguns jovens açorianos, que imprudentemente o visitavam sem quaisquer precauções ou conhecimentos sobre a sua provável evolução.
Seria bom que hoje os jovens açorianos, que se deslocam constantemente entre ilhas para assistir a festivais de música (e ainda bem que o podem fazer, a custo muito reduzido) fossem estimulados pela escola a conhecer e estudar este importante património geológico.


Ana Maria Bettencourt

2.9.06
 
NOVOS CURRICULA NA ERA DO CONHECIMENTO
Nicola Yelland, da Victoria University, Australia, defende (in Educational Media International,nº 2, Vol.43, Junho 2006) a necessidade de reconceptualizarmos o currículo escolar para contribuirmos para a formação de cidadãos eficazes da era da informação. O que significaria ir para além da utilização da informática e criar contextos para uma aprendizagem autêntica que utilize as NTIC de formas integradas e pertinentes capazes de aumentar a produção de conhecimento e a comunicação e disseminação de ideias.

"Uma das características essenciais dos novos cidadãos é a de que devem ser capazes de usar "higher order thinking skills" fluentemente" ( o que quer dizer, segundo Dede, a capacidade de tomar decisões rápidas com base em informação incompleta, em situações novas.) Outras competrências necessárias seriam a de colaborar com outros, e a de navegar e seleccionar informação relevante num processo de resolução de problemas.

Um terceiro elemento a ter em conta na redefinição da estrutura dos novos curricula, segundo Yelland,são as experiências extra-escolares das crianças sobre as quais haverá que construir a "nova aprendizagem" (Conselho de Directores Gerais de Educação, Austrália, 2001).

Espero ter-vos aberto o apetite para a "Carta da Educação" que avança com o conceito de "nova aprendizagem" e se opõe expressamente ao "back to basics". Num próximo post explicitarei as 8 propostas da "nova aprendizagem".

Maria Emília Brederode Santos