Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

20.9.06
 
Educação em Debate:
Ainda o Debate Nacional de Educação

Maria Emília Brederode Santos *

Foi há 20 anos aprovada a Lei de Bases do Sistema Educativo na Assembleia da República por uma quase unanimidade, o que constituiu um acontecimento excepcional.

A Assembleia da República resolveu celebrar esse 20º aniversário, olhando para o futuro e promovendo, com o Governo, um grande debate sobre o tema: “Como vamos melhorar a educação para atender às novas necessidades e às novas exigências da sociedade portuguesa? “

O Conselho Nacional de Educação foi mandatado para organizar esse Debate da forma mais alargada e participada possível.

A verdade é que a sociedade portuguesa mudou muitíssimo nestes 30 anos desde o 25 de Abril ou, para o que aqui nos interessa, nestes 20 anos desde a Lei de Bases do Sistema Educativo.

Tornámo-nos uma sociedade mais heterogénea, culturalmente mais diversa, mais rica, mais plural:
- Basta recordar que passámos a ser também uma sociedade de imigração (ainda recentemente, um estudo sobre a população escolar revelava que as escolas portuguesas são já frequentadas por alunos de 120 nacionalidades diferentes, que falam mais de 80 línguas maternas, e que este fenómeno é tão recente que 80% destes alunos não nasceram em Portugal.)
- Basta recordar ainda que as mulheres entraram em força no mercado de trabalho e nos vários níveis de ensino, que a Constituição proibiu toda a discriminação baseada no género o que obrigou a uma profunda reforma do código civil e da legislação referente à família.

Obviamente que estas transformações, em si extremamente positivas, criaram novas exigências e novos problemas.

- Aderimos à Comissão Europeia (que se transformou em União Europeia e se tem vindo a alargar desde então) contribuindo para criar uma sociedade economicamente mais moderna, mais rica e desenvolvida – mas também criando novas necessidades, novas exigências, novos problemas.
- Aumentou a esperança de vida dos portugueses e diminuiu a mortalidade infantil: envelhecemos, temos menos filhos... Cuidamos mais deles, cuidamos menos? Nalguns casos investimos neles, porventura excessivamente, paralelamente a casos de negligência, maus-tratos e barbaridades inimagináveis. Tornámo-nos uma sociedade mais complexa e contraditória...
- Participamos na revolução tecnológica digital e na construção da chamada Sociedade do Conhecimento – o que constitui uma revolução fantástica no acesso ao conhecimento, na economia e no modo de vida das pessoas.
- A escola expandiu-se extraordinariamente. Podemos multiplicar por muitas dezenas o número dos que hoje chegam ao ensino superior comparando com os números de há trinta anos. Mas, por outro lado, continuamos a ter taxas de abandono e de insucesso tão elevadas que obviamente há muita coisa que está mal no que se aprende e no modo como se aprende, dentro e fora da escola.

Diz-se (diz um provérbio índio que Hillary Clinton gosta de citar) que “é preciso uma aldeia inteira para criar uma criança”. Ora o que sentimos é que a “aldeia” se demitiu dessa tarefa, remetendo exclusivamente para a escola a tarefa de educar.

A verdade é que não se aprende só na escola. Ainda há pouco, numa reunião internacional da EUNEC (Associação Europeia dos Conselhos Nacionais de Educação, que teve lugar em Lisboa), a representante do Conselho Económico e Social da União Europeia dizia que “mais de 50% do que sabemos aprendemo-lo por via informal, experiencial, fora da escola” Sem diminuir a responsabilidade da escola e do sistema educativo neste domínio, há que reconhecer que há uma responsabilidade de toda a sociedade pela educação de todos e em particular dos mais jovens, responsabilidade que não tem sido assumida.

Por outro lado, é visível uma vontade generalizada de opinar e de intervir na educação. Se todos aprendemos a toda a hora e todos ensinamos de vários modos, todos devemos poder dar conta da nossa experiência e das nossas preocupações quanto ao devir da sociedade e quanto aos modos de melhorar a educação tendo em vista construir um Portugal mais moderno e mais justo.

É por isso que faz sentido um Debate Nacional sobre Educação com este foco muito claro. Quer dizer que está aberto a todas as questões mas que se procurou também organizá-lo um pouco previamente. E assim há cinco áreas temáticas – i) Educação e Cidadania; ii) Qualidade e Equidade em Educação, iii) Escolas, Professores e outros Profissionais, iv) Aprendizagem ao Longo da Vida e Desafios do Emprego, e v) Ciência, Investigação e Desenvolvimento Educativo. Há ainda uma sexta área aberta a todos os contributos que não caibam naquelas.

Outras linhas orientadoras do Debate são:
- Tratar-se de um debate aberto, plural e livre: o CNE não é do governo nem da oposição. Tem por isso autonomia e credibilidade para procurar a maior e mais diversificada participação possível.
- Nacional e descentralizado, este debate vai ser consequente: “Os promotores do Debate, a Assembleia da República e o Governo, saberão atender às suas conclusões” e tomar as medidas legislativas e executivas apropriadas”.
- Será também transparente – No “site” http://www.debatereducacao.pt/ ficarão acessíveis todos os contributos e documentos de apoio bem como o Relatório Final.
- E deverá ser virado para o futuro – O pior que pode acontecer ao debate é se ele se limitar a inventariar os males do sistema, a procurar bodes expiatórios, a atribuir responsabilidades pretéritas ou a querer regressar a respostas do passado

Este tem de ser um debate virado para o futuro, para que todos pensemos “como vamos melhorar a educação nos próximos anos”.

*Membro do Conselho Nacional de Educação e Directora da Revista “NOESIS”

Publicado no Jornal de Letras - Educação Agosto de 2006

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