Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

28.9.07
 
A difícil formação de cidadãos
A melhor aluna de uma escola da periferia da Grande Lisboa, que entrevistei à saída do 9º ano de escolaridade, dizia-me que quando era pequena se interessava por política e até tinha, nessa altura, opções partidárias. À medida que crescia, foi perdendo a confiança na política .
Presentemente a política não lhe interessa, porque considera que os políticos não dizem a verdade e não cumprem as suas promessas. Infelizmente encontramos esta opinião em muitos jovens. É difícil, assim, pensar a educação para a cidadania democrática .
O discurso em círculo fechado, e os rituais da vida dos partidos tornam muito problemático encontrar cidadãos que se queiram implicar na política.
Os debates destes dias em torno das eleições directas no PSD, não são de molde a cativar jovens. Estéreis, em torno de questões insignificantes, disse-se. E, no entanto, Pacheco Pereira tinha razão ao afirmar a importância das questões levantadas.
A opacidade das práticas partidárias a falta de democracia interna, o caciquismo são porventura os principais problemas de uma parte dos partidos portugueses. O vazio de ideias, debates e causas, a arrogância muitas vezes encontrada em quem governa os aparelhos partidários serão, porventura, uma consequência......
Ana Maria Bettencourt

 
Capelinhos, cinquenta anos depois
Está de parabéns a RTP pelo magnífico programa conduzido por José Alberto Carvalho, a partir do Faial/Capelinhos.
Nele vimos e sentimos o fascínio e também o temor do vulcão, que marcou profundamente a vida dos Açores há cinquenta anos.
Foi pedagógica a imagem do vulcão como fonte de criação da terra, neste caso da ilha que se juntou ao Faial. A Ilha Nova é um verdadeiro museu vivo, fonte possível de tantas aprendizagens científicas.
Ana Maria Bettencourt

 
Capelinhos, cinquenta anos depois
AMB

 
Capelinhos, cinquenta anos depois

Capelinhos-cinquenta anos depois
Aprender com os vulcões
Seria bom que este ano de comemorações fosse aproveitado pelas escolas dos Açores, para sairem com os alunos em visitas de estudo. Para que estes aprendam a conhecer a natureza .Para aprendam, ao vivo, a conhecer e intervir na defesa da terra.
Victor Hugo Forjaz, que muito bem tem defendido a causa da educação a partir do estudo dos vulcões, chamou a atenção para os atropelos cometidos ao Vulcão dos Capelinhos. A escola pode ter um papel decisivo na prevenção desses abusos.
Ana Maria Bettencourt

22.9.07
 

Regards sur l'éducation 2007 - OCDE



http://www.oecd.org/document/30/0,3343,fr_2649_39263294_39251563_1_1_1_1,00.html

19.9.07
 

Sísifo. Revista de Ciências da Educação
03 (Mai Jun Jul Ago 2007)

TIC e Inovação Curricular
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Caros leitores,

A Unidade de I&D de Ciências da Educação editou, recentemente, o terceiro número da Sísifo. Revista de Ciências da Educação, subordinado ao tema:

TIC e Inovação Curricular (que pode consultar no seguinte sítio web: http://sisifo.fpce.ul.pt/)

Aproveito ainda para vos informar que está já disponível a versão completa do número 2 da Sísifo (para download e/ou impressão).

Saudações cordiais
O Coordenador da Unidade de I&D de Ciências da Educação
Rui Canário

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Responsáveis Editoriais deste número: Helena Peralta e Fernando Albuquerque Costa

Dossier temático (TIC e Inovação Curricular):
Fernando Albuquerque Costa Tecnologias Educativas: análise das dissertações de mestrado realizadas em Portugal
Ana Amélia Carvalho Rentabilizar a Internet no Ensino Básico e Secundário: dos Recursos e Ferramentas Online aos LMS
Guilhermina Lobato Miranda Limites e possibilidades das TIC na educação
Lúcia Amante As TIC na Escola e no Jardim de Infância: motivos e factores para a sua integração
Ana Maria Veiga Simão, Elisabete Rodrigues e Belmiro Cabrito O projecto Educação Tecnológica Precoce: uma oportunidade para implementar práticas de inovação curricular
Helena Peralta e Fernando Albuquerque Costa Competência e confiança dos professores no uso das TIC. Síntese de um estudo internacional
Cristina Costa O Currículo numa comunidade de prática
Carla Morais e João Paiva Simulação digital e actividades experimentais em Físico-Químicas. Estudo piloto sobre o impacto do recurso Ponto de fusão e ponto de ebulição no 7.º ano de escolaridade

Recensões:
Mónica Raleiras A vida no écrã. A identidade na era da internet, de Sherry Turkle

Conferências:
José Luis Rodríguez Illera Como as comunidades virtuais de prática e de aprendizagem podem transformar a nossa concepção de educação

Outros Artigos:
Telmo Caria A Cultura Profissional do professor de ensino básico em Portugal: uma linha de investigação em desenvolvimento
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Sísifo. Revista de Ciências da Educação http://sisifo.fpce.ul.pt sisifo@fpce.ul.ptUnidade de I&D de Ciências da Educação da Universidade de Lisboauidce@fpce.ul.pt http://uidce.fpce.ul.pt

3.9.07
 
Actualidade em Debate:
Currículo Nacional de Filosofia com Crianças
Ao fim de 20 anos da sua introdução em Portugal, podemos congratular-nos com a notícia sobre um projecto de curriculum nacional de filosofia com crianças, destinada ao pré-escolar (5 anos) e aos 3 ciclos do ensino básico.
Assente numa cuidada investigação filosófica, resulta de um protocolo entre a FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) e a Faculdade de Letras do Porto, sendo o trabalho desenvolvido no âmbito do Departamento de Filosofia dessa universidade e tendo como responsável a Professora Maria José Figueiroa Rego e como orientador o Professor Adalberto Dias de Carvalho.
Os textos a utilizar para o trabalho filosófico com as crianças serão inteiramente da autoria de escritoras nacionais.

Reunião Internacional da Fundação Sophia-Flup
(22 a 24 Novembro de 2007)

A Fundação Sophia-Flup, instituição europeia criada nos inícios de 90, registada em Amesterdão, destina-se á prática e investigação no âmbito do programa de Filosofia com Crianças e Jovens. Envolvendo diversos países europeus, fora e dentro da UE, visa constituir um fórum internacional, para a permuta de conhecimentos e se criação de parcerias com vista à implementação de diferentes projectos educacionais comunitários.
Terá lugar, em Novembro, na Faculdade de Letras do Porto, uma reunião internacional da Fundação. Fazem parte da ordem de trabalhos sessões preparatórias de vários projectos Sócrates, reuniões da direcção, bem como um dia aberto ao grande público com conferências sobre diferentes práticas realizadas em países como a Grã-Bretanha, Holanda, Espanha e Portugal.
Para informações mais actualizadas sobre este evento poderão consultar o portal da Faculdade de Letras da Universidade do Porto ou escrever para mariafrego@hotmail.com. Para mais informações acerca da Fundação Sophia-Flup, consultar o site http://sophia.eu.org/

Simpósio Internacional de Filosofia para Crianças na Universidade dos Açores
(29 de Setembro 2007)

Vai decorrer, no dia 29 de Setembro, na Universidade dos Açores, um encontro internacional subordinado à temática de Filosofia com Crianças. Este simpósio contará com a presença de Ann Sharp, em representação do Institute for the Avancement of Philosophy for Children (IAPC), criado por Lipman na Universidade de Montclair, na década de 70. Igualmente presente estará Oscar Brenifier, filósofo e pedagogo canadiano a residir em França, um dos nomes mais conhecidos da prática do Aconselhamento Filosófico.
É de registar o crescente interesse por parte das universidades nacionais por este tema, seja pela actual precariedade relativamente às saídas profissionais dos alunos de Filosofia, seja pela urgente necessidade da introdução de uma disciplina que englobe o desenvolvimento total dos ser humano ao conciliar as vertentes da crítica, criatividade e cidadania, de uma forma holística e transdisciplinar.



Publicado no Jornal de Letras- Educação - Agosto de 2007

2.9.07
 
UMA SESSÃO DE FILOSOFIA NA "TORRE"
A sessão de Filosofia com o grupo do 3º ano de escolaridade da Cooperativa de Ensino ‘A Torre’ (que a fotografia ilustra) começou pela leitura em voz alta de uma história escrita por Berrie Heesen, criador do 100 – Primeiro Jornal Europeu de Filosofia com Crianças.

A história conta como um rapaz de nome Corridinhas corre obsessivamente ao longo de todo o dia e pela noite fora para chegar depressa a amanhã. Chegado o dia seguinte, Corridinhas constata que amanhã não é ainda ali; amanhã será sempre no dia seguinte. No entanto, obcecado com a ideia de chegar depressa, Corridinhas prossegue na sua corrida para amanhã. Tanto quanto se sabe, continua ainda a correr...

Depois de lida atentamente a história, os alunos fizeram várias perguntas que foram registadas no quadro, devidamente identificadas.

Por proposta da Maria, aceite por todo o grupo, a discussão iniciou-se a partir da última pergunta, feita pelo Benjamim “Por que é que o Corridinhas, sabendo que tinha que dormir uma noite para chegar a amanhã, não dormiu?”

Maria – Ele não dormiu porque estava com pressa. Queria chegar depressa a amanhã e achou que se corresse toda a noite chegava mais depressa.

Vasco – Ele não percebeu que se dormisse chegava mais depressa porque quando estamos a dormir o tempo passa mais depressa.

Diogo B. – Pois é, porque não damos por ele a passar. Podem passar horas, mas parece que só passaram poucos minutos.

Tomás F. – Mas o tempo passa todo igual...!

Diogo F. – Para nós não!

Tomás A. – Pois, não! Se nós estivermos entretidos ou distraídos não damos pelo tempo a passar. Mas se não fizermos nada, se estivermos parados, parece que o tempo não passa.

Teresa – Eu acho que o tempo tem a ver com o movimento. Se o tempo parasse ficava tudo quieto, sem se mexer.

Tomás F. – Eu acho que não. Se o tempo parasse era só o tempo que parava. O resto continuava...

(Todos concordaram, à excepção da Carolina).

Carolina – Mas é o tempo que nos faz envelhecer! Se o tempo parasse nós não envelhecíamos, ficávamos sempre na mesma.

Joana – Mas o tempo não pode parar. Sem tempo nós não podíamos viver porque o tempo é que dá a duração das nossas vidas. Há um tempo para tudo!

Maria – Eu concordo que há um tempo para tudo. Há um tempo para nascer, um tempo para morrer... Há um tempo para fazer todas as coisas – dormir, acordar, comer...

Professor – Então o que é o tempo, afinal?

Benjamim – Não sei se consigo explicar, mas para mim é uma espécie de lentidão e rapidez ao mesmo tempo.

Carolina – Talvez! Porque dentro do tempo há vários tempos. Há tempos grandes que têm dentro tempos mais pequenos.

Maria – E há tempos pequenos que podem parecer grandes e tempos grandes que podem parecer pequenos, se estivermos a gostar deles...

Joana – Mas esses tempos todos existem para contar o tempo...!

Professor – E quem é que o conta?

João – Os humanos. Eu acho que o Homem primeiro descobriu os segundos (porque é só contar: 1), depois inventou os minutos (que são 60 segundos) e depois as horas... Até ver que o dia tem 24 horas.

Diogo F. – Eu acho que foi ao contrário. Primeiro descobriu que o dia tem 24 horas!

Professor – Como assim?

Diogo F. – Não sei, mas acho que o dia é que foi dividido em horas, as horas em minutos e os minutos em segundos.

Joana – Sim, por causa do movimento da Terra. 24 horas é o tempo que a Terra leva a dar uma volta.

Benjamim – Depois é que se dividiu esse tempo em tempos maiores (que são mais lentos) e em tempos mais pequenos (que são mais rápidos).

Vasco – Ah! E o outro movimento da Terra, à volta do Sol, é que fez com que se descobrisse a duração dos anos...

Professor – Será que voltámos ao ponto de vista da Teresa acerca da relação do tempo com o movimento?

(Breve silêncio).

Tomás F. – Sim, se calhar o tempo tem a ver com o movimento!

Tomás A. – Pode ter...!

Carolina – Porque é por causa do movimento da Terra que há os anos.

João – E os dias e as noites também!

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*Alunos do 3º ano de escolaridade da Cooperativa de Ensino “A Torre”, em Junho 2007, com o professor Nuno Leitão.





Publicado no Jornal de Letras - Educação - Agosto de 2007

1.9.07
 
FILOSOFIA COM CRIANÇAS
Na nossa última colaboração sobre a Filosofia no Ensino Secundário escrevia-se: “Hoje, ainda sem um plano, mas largamente amplificados os sinais de esvaziamento da esfera pública política, sem dúvida também por falta de uma cultura filosófica temperada no cepticismo e na crítica, torna-se porventura ainda mais importante defender a filosofia como parte da afirmação genérica da cidadania democrática e de uma educação orientada para o respeito pelos valores da justiça, da liberdade individual e do conhecimento”. Inseria-se, assim, o debate sobre o presença e papel da Filosofia no currículo do 10º, 11º 12 º anos na imprescindibilidade e urgência de formar criaturas “educadas” por parecer que já estamos a conseguir – o que não basta - ter criaturas “instruídas”.
E será que essa educação não terá de começar muito mais cedo porque, como aqui se vai defender “filosofar, é óbvio, não consiste na resolução técnica de problemas, mas antes em descobrir os problemas que nos afectam e que não sabíamos que nos afectavam. A criança que filosofa aprende a descobrir criticamente a natureza do mundo em que vive e da situação em que está”. Aprende também “a analisar os conceitos e a ser mais exigente na sua destrinça e definição”. Daqui resultará a capacidade de formular e encontrar as respostas porque “o filosofar não se esgota no perguntar. A par da descoberta crítica do mundo que a interrogação proporciona, eclode a formação de imagens explicativas da realidade”.

FILOSOFIA COM CRIANÇAS

O que fazem as crianças quando filosofam?
Paulo Marques*
Há perguntas cuja resposta nos conduz a novas perguntas. Podíamos imaginar uma história oriental em que um jovem, perante uma posição de um yôgi, perguntaria ao seu mestre – «O que está ele ali a fazer?» – ao que o mestre, lacónico, responderia – «Está a ser». Esta resposta seria tão enigmática para o jovem, como era a visão do próprio yôgi. A resposta à pergunta «O que é a Filosofia?» conduzir-nos-ia à mesma perplexidade e com isso, ao menos, igualar-nos-íamos aos gigantes da filosofia que também se debateram com esse problema: o da natureza da sua própria actividade. Aliás, esse foi o problema central de controvérsias e disputas na antiguidade e foi preciso que Sócrates fosse executado para que emergisse, na cultura do Ocidente, uma nova ideia de «filosofia».
Antes de Sócrates, «filosofar» significava procurar e adquirir vastos conhecimentos, ser possuidor de uma profunda cultura geral, ser conhecedor do mundo, dos homens e dos costumes, ser hábil em diversas técnicas, saber exercer cargos de responsabilidade política e militar com sagacidade, cultivar uma profunda experiência de vida.
A revolução socrática consistirá em pôr esses valores em crise interrogativa por via da ironia. Com efeito, o autêntico filosofar terá outro espírito. A tal ponto é provocadora a tradição socrática, que, mais tarde, não deixará de sugerir que a filosofia, enquanto saber que não sabe, é uma actividade espontânea e natural de todo o ser humano, de modo que já na criança está presente. Na verdade, a história da filosofia não começa na Grécia antiga. A história da filosofia inicia-se em todos nós na infância. Tal saber que não sabe poderá, então, ser cultivado ou não. A Filosofia com Crianças cultiva, precisamente, essa lucidez – a que sabe que a verdadeira natureza da vida se desencobre pela atitude lúdica da ironia.
O recurso à figura da criança para explicar o carácter natural de uma actividade foi prática habitual dos pensadores helenistas. Todavia, a criança não se reduzia a uma mera figura de retórica. O argumento de que uma actividade é natural ao humano porque já está presente nas crianças tinha um valor literal. Pressupunha que estas, na realidade, já a evidenciavam. A filosofia foi, também, assim concebida: uma possibilidade de todo o ser humano, de tal modo que já nas crianças pode fazer a sua aparição sob uma forma espontânea e natural.
A tradição aberta por Sócrates/Platão desenvolve-se em torno de uma ideia central: a filosofia não é uma actividade de produção e aquisição de saber, mais ou menos ociosa, e mesmo dispensável quando se trata de resolver os negócios da vida. Pelo contrário, é uma actividade que expressa a própria condição constitutiva do ser humano: a de um ser a quem foi dada a possibilidade de saber alguma coisa, ainda que não possa saber tudo. A filosofia pratica-se, no pensamento e na acção, quando se assume, por inteiro, e em todas as suas consequências, essa condição: a de se ter consciência de que não se sabe. Dado estar junta com a própria condição humana, a filosofia está já presente, ao menos de forma potencial, nas crianças. A Filosofia com Crianças desperta essa potencialidade natural.

*

Assim sendo, podemo-nos perguntar, como perguntaria a criança perante o yôgi: o que estão, de facto, a fazer as crianças quando fazem isso a que chamamos “filosofia”?
Na origem do filosofar está a descoberta de um certo desajustamento, parcial, entre nós e o mundo. O mundo, sabemo-lo desde muito cedo, não está à nossa inteira disposição. Não nos aparece, e é estranho que assim nos possa aparecer, como um lugar de resolução imediata e total de todos os nossos desejos e projectos. Pelo contrário, é um lugar que nos oferece dificuldades, sem as quais o nosso desejo e esforço não fariam qualquer sentido. A frustração dá à vida um carácter de drama. Desejamos tanto mais os nossos fins, quanto maiores as dificuldades que nos são colocadas. Não se trata aqui de uma apologia da dificuldade. Trata-se de saber que esta desperta-nos o engenho e a habilidade para a contornar ou neutralizar. Mesmo o tirano que age arbitrariamente, sem noção do limite, mais tarde ou mais cedo acabará por não nos dar outra indicação senão a angústia da ausência de sentido dos seus projectos realizados no vazio.
Na origem do filosofar está, então, essa descoberta de que a realidade não está à nossa inteira disposição. Pode começar a filosofar quem vê no mundo um problema a resolver. Resolver problemas é do nosso interesse vital. Trata-se de uma competência decisiva para a própria sobrevivência. Não poderíamos compreender toda a história da evolução humana a partir da perspectiva de uma longa sequência bem sucedida de resolução de problemas? As ciências e as técnicas avançam dessa forma, mobilizadas pela superação de dificuldades. Todavia, a superação das dificuldades está dependente da capacidade que se tem de as identificar. Assim como se diz que o que importa não é acertar na resposta, mas na pergunta, assim também mais importante do que saber resolver problemas é detectar os próprios problemas. Mais uma vez, a detecção atempada de um obstáculo pode ser do nosso interesse vital. É por isso que a ciência nasce da filosofia. Nasce das questões. Pode haver filosofia sem ciência, mas dificilmente ciência sem filosofia.
Por outro lado, a localização de problemas não é uma actividade diletante e desenraizada das situações da vida. De facto, só há problemas para quem tem dificuldades e se ressente de impedimentos que, de cada vez, aparecem no caminho. Precisamente, apenas tem dificuldades e se ressente de impedimentos quem sabe que não tem o mundo à disposição para a realização imediata e total dos desejos e satisfação das necessidades.
Na raiz da mobilização para a procura de soluções está a consciência de não se ter o poder total e imediato sobre a realidade. Por isso, descobre problemas no mundo quem tem desejos e sonhos. O desejo é indicador da ausência daquilo que se deseja e de que há obstáculos no caminho. O mundo só não seria um problema para um ser que fosse capaz de tudo. Esse impulso primário para a resolução de problemas está na base de muitas actividades humanas. A criança que resolve um puzzle, o homem que repara um transístor, o cientista que descobre uma nova terapia, são exemplos de aplicações diferentes de uma mesma competência: a resolução de problemas. O filosofar enraíza aí, na necessidade vital de resolução de problemas. Não é a pergunta o primeiro gesto perante um problema? A interrogação é indicadora da presença de um problema e assinala o começo do filosofar.
O programa de Filosofia com Crianças de Matthew Lipman inicia as crianças a filosofar a partir de situações contadas em histórias. É o mesmo que dizer: inicia as crianças a pensar com rigor e criatividade acerca das situações com que se podem deparar na sua vida quotidiana. É a partir das histórias contidas no programa que as crianças aprendem a fazer perguntas.
A criança faz perguntas quando se mobiliza pelo desejo de saber o que não sabe ou de esclarecer o que a intriga. O que fazem as crianças quando filosofam? Fazem perguntas. Aprender a filosofar é aprender a descobrir problemas e a formular as suas questões. Por que razão fazemos perguntas? Porque precisamos, e é um interesse vital, de diagnosticar o real.
As perguntas especificamente filosóficas não são perguntas quaisquer, mas não é invulgar que sejam formuladas por crianças de forma espontânea e natural. Contudo, é no exercício da Filosofia com Crianças, em contexto escolar, que as crianças podem aprender, formalmente, aquilo que em nenhuma outra disciplina se aprende: a formulação de problemas. Não apenas problemas específicos da tradição filosófica, mas todo e qualquer problema emergente nas situações concretas da vida. A resolução bem sucedida de um problema pode depender não apenas da sua detecção atempada, mas também do diagnóstico acertado da situação. Aprender a equacionar problemas de forma a possibilitar a sua futura resolução, bem sucedida, é o que se chama, desde tempos imemoriais, pensar.
Nas perguntas das crianças desenha-se o impulso erótico do filosofar: o desejo de saber com os outros. Pois, quem pergunta, pergunta a quem, senão a um outro? Perguntar é uma figura do desejo humano de procurar o que não se tem e assinala, ao mesmo tempo, uma suspensão do que antes se tinha. Fazer uma pergunta traz consigo essa pequena insolência de se pôr em causa saberes tidos como certos, mas é porque perderam já a sua utilidade, já não respondem a novas necessidades. Aprender a perguntar e a formular problemas (e o bom crítico não é aquele que sabe fazer as perguntas certas?) é o que a criança aprende no filosofar. Aprende a reconhecer a situação em que está e aprende a abrir novos e melhores caminhos para a resolução de novos problemas. A criança que faz perguntas dá os primeiros passos na descoberta crítica do mundo em que vive e da situação em que se encontra e do papel que aí pode desempenhar.
Filosofar, é óbvio, não consiste na resolução técnica de problemas, mas antes em descobrir os problemas que nos afectam e que não sabíamos que nos afectavam. A criança que filosofa aprende a descobrir criticamente a natureza do mundo em que vive e da situação em que está.

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Quando as crianças filosofam, fazem perguntas. Mas o filosofar não se esgota no perguntar. A par da descoberta crítica do mundo que a interrogação proporciona, eclode a formação de imagens explicativas da realidade. A génese da compreensão do mundo já tem lugar na própria pergunta que lança a investigação. Uma pergunta já possui uma certa ideia daquilo que não sabe. Toda a pergunta antecipa, de certo modo, a sua resposta. Perguntar é ter a antevisão de uma resposta. O verdadeiro segredo dos conceitos que explicam a realidade está nessas imagens originárias. Como um pintor, o jovem filósofo concebe um quadro da realidade – e que quadro será esse, o quadro criado pela filosofia, senão o da ideia e depois o do conceito? Esquecendo-se o fundo imaginário das ideias e dos conceitos, esquece-se o valor do filosofar: explicar e compreender o fundo do real. O ser humano compreende o mundo em que se encontra a partir dos seus próprios sonhos e visões. O melhor conceito, resultado final de uma visão, é aquele que devolve melhor a realidade, aquele que permite ver o mundo de uma maneira nunca dantes vista. E o que pode fazer a criança de melhor, além de imaginar mundos novos? O que fazem as crianças quando filosofam? Descobrem aspectos do mundo que elas ainda não conheciam ou fazem descobrir aspectos do mundo que ainda ninguém tinha visto. A visão é o conceito em estado nascente. O que fazem as crianças quando filosofam? Transformam visões em conceitos. Com a prática filosófica as crianças aprendem a pouco e pouco a analisar os conceitos e a ser mais exigentes na sua destrinça e definição. Mas a aprendizagem da conceptualização não se fará senão no seio de uma turma transformada em comunidade de investigação.

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Filosofar é fazer parte de uma comunidade de investigação. Entrar numa comunidade de investigação filosófica é dar um passo para o interior daquilo que Aristóteles afirmava ser o humano no seu melhor: um espaço de compreensão aguda de cada um relativamente a todos e de todos relativamente a cada um. Transformar uma turma de alunos do ensino básico numa comunidade de investigação filosófica é um desafio. Todavia, não é uma mera possibilidade. É já uma realidade em algumas escolas. Filosofar é exercitar a humanidade que há em nós. Ninguém se torna humano sozinho. Contudo, ser com os outros numa turma a caminho de se transformar numa comunidade de investigação corresponde a um modo de ser que só pode ser instaurado por um professor com preparação específica em Filosofia com Crianças, designadamente no referido programa desenvolvido por Matthew Lipman.
Ademais, a discussão filosófica com crianças não é um jogo de palavras vazias de uma conversa qualquer. Trata-se, antes de mais, de saber transfigurar uma turma normal numa comunidade baseada na confiança mútua, liberdade e criatividade. Sem esta comunidade de investigação não é possível filosofar. O que fazem as crianças quando filosofam? Aprendem a ouvir-se mutuamente a aceitar pontos de vista diferentes, a argumentar, avançando razões para as suas opiniões, a autocorrigir-se e a transcender os caprichos individuais, as disputas e a violência. Os filósofos profissionais apresentam o conceito de comunidade livre de seres racionais. Demasiado exigente para uma turma de crianças? Sem dúvida, mas a realidade mostra que não é impossível ir nesse encalço. Os professores, tendo tido preparação específica no programa de Filosofia com Crianças, aprendem que a instauração de uma comunidade de investigação filosófica na sala de aula, como metodologia de ensino/aprendizagem, desperta a atitude crítica, o raciocínio lógico, o diálogo rigoroso e discutido com os outros, a procura incessante do esclarecimento e a criatividade. Além disso, a chamada investigação da verdade, tão cara à filosofia, fará o seu aparecimento, mais tarde ou mais cedo, na sala de aula. No horizonte da argumentação filosófica está a orientação para a transparência e autenticidade. É por esse motivo que a pergunta é tão importante em filosofia. Porque perguntar é suspeitar das ilusões que se pretendem instalar como verdades.
O rigor do dito programa impede que a Filosofia com Crianças se transforme numa conversa que faz passar o tempo. O diálogo praticado na turma com a investigação filosófica faz com que as pessoas envolvidas abram o livro e investiguem com rigor conceptual os problemas com que se confrontam. O fio da investigação, além de interrogativo, é argumentativo: a criança aprende que a sua própria formação tem os outros como fonte e aprende a justificar-se. Ninguém procura enganar o outro e trapacear a realidade. O que fazem as crianças quando filosofam? O prazer de filosofar está na descoberta de se ser humano.

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*Licenciado em Ciência da Comunicação e em Filosofia pela Universidade Nova de Lisboa.

Publicado no Jornal de Letras - Educação - Agosto 2007