Inquietações Pedagógicas
"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…" Jorge de Sena in Metamorfoses
2.9.07
UMA SESSÃO DE FILOSOFIA NA "TORRE"
A sessão de Filosofia com o grupo do 3º ano de escolaridade da Cooperativa de Ensino ‘A Torre’ (que a fotografia ilustra) começou pela leitura em voz alta de uma história escrita por Berrie Heesen, criador do 100 – Primeiro Jornal Europeu de Filosofia com Crianças.
A história conta como um rapaz de nome Corridinhas corre obsessivamente ao longo de todo o dia e pela noite fora para chegar depressa a amanhã. Chegado o dia seguinte, Corridinhas constata que amanhã não é ainda ali; amanhã será sempre no dia seguinte. No entanto, obcecado com a ideia de chegar depressa, Corridinhas prossegue na sua corrida para amanhã. Tanto quanto se sabe, continua ainda a correr...
Depois de lida atentamente a história, os alunos fizeram várias perguntas que foram registadas no quadro, devidamente identificadas.
Por proposta da Maria, aceite por todo o grupo, a discussão iniciou-se a partir da última pergunta, feita pelo Benjamim “Por que é que o Corridinhas, sabendo que tinha que dormir uma noite para chegar a amanhã, não dormiu?”
Maria – Ele não dormiu porque estava com pressa. Queria chegar depressa a amanhã e achou que se corresse toda a noite chegava mais depressa.
Vasco – Ele não percebeu que se dormisse chegava mais depressa porque quando estamos a dormir o tempo passa mais depressa.
Diogo B. – Pois é, porque não damos por ele a passar. Podem passar horas, mas parece que só passaram poucos minutos.
Tomás F. – Mas o tempo passa todo igual...!
Diogo F. – Para nós não!
Tomás A. – Pois, não! Se nós estivermos entretidos ou distraídos não damos pelo tempo a passar. Mas se não fizermos nada, se estivermos parados, parece que o tempo não passa.
Teresa – Eu acho que o tempo tem a ver com o movimento. Se o tempo parasse ficava tudo quieto, sem se mexer.
Tomás F. – Eu acho que não. Se o tempo parasse era só o tempo que parava. O resto continuava...
(Todos concordaram, à excepção da Carolina).
Carolina – Mas é o tempo que nos faz envelhecer! Se o tempo parasse nós não envelhecíamos, ficávamos sempre na mesma.
Joana – Mas o tempo não pode parar. Sem tempo nós não podíamos viver porque o tempo é que dá a duração das nossas vidas. Há um tempo para tudo!
Maria – Eu concordo que há um tempo para tudo. Há um tempo para nascer, um tempo para morrer... Há um tempo para fazer todas as coisas – dormir, acordar, comer...
Professor – Então o que é o tempo, afinal?
Benjamim – Não sei se consigo explicar, mas para mim é uma espécie de lentidão e rapidez ao mesmo tempo.
Carolina – Talvez! Porque dentro do tempo há vários tempos. Há tempos grandes que têm dentro tempos mais pequenos.
Maria – E há tempos pequenos que podem parecer grandes e tempos grandes que podem parecer pequenos, se estivermos a gostar deles...
Joana – Mas esses tempos todos existem para contar o tempo...!
Professor – E quem é que o conta?
João – Os humanos. Eu acho que o Homem primeiro descobriu os segundos (porque é só contar: 1), depois inventou os minutos (que são 60 segundos) e depois as horas... Até ver que o dia tem 24 horas.
Diogo F. – Eu acho que foi ao contrário. Primeiro descobriu que o dia tem 24 horas!
Professor – Como assim?
Diogo F. – Não sei, mas acho que o dia é que foi dividido em horas, as horas em minutos e os minutos em segundos.
Joana – Sim, por causa do movimento da Terra. 24 horas é o tempo que a Terra leva a dar uma volta.
Benjamim – Depois é que se dividiu esse tempo em tempos maiores (que são mais lentos) e em tempos mais pequenos (que são mais rápidos).
Vasco – Ah! E o outro movimento da Terra, à volta do Sol, é que fez com que se descobrisse a duração dos anos...
Professor – Será que voltámos ao ponto de vista da Teresa acerca da relação do tempo com o movimento?
(Breve silêncio).
Tomás F. – Sim, se calhar o tempo tem a ver com o movimento!
Tomás A. – Pode ter...!
Carolina – Porque é por causa do movimento da Terra que há os anos.
João – E os dias e as noites também!
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*Alunos do 3º ano de escolaridade da Cooperativa de Ensino “A Torre”, em Junho 2007, com o professor Nuno Leitão.
Publicado no Jornal de Letras - Educação - Agosto de 2007