Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

31.3.07
 
NOESIS nº 68
UM BÚLGARO EM MARVILA E OUTRAS HISTÓRIAS...

Tenho-me esquecido de anunciar que já saiu a nova Noesis de Janº - Março 2007. A capa é da Maria Keil (92 anos talentosíssimos e maliciosos - "conservados em raiva" diz ela); o dossier chama-se "ler é poder" e claro que é sobre a leitura e em particular o Plano Nacional de Leitura. O diário de um professor intitula-se "Um búlgaro em Marvila" e conta as aventuras e desventuras de Ivan Ivanov, desde que chegou a Portugal em 1992 até ser Presidente do Conselho Executivo da EB2,3 de Marvila, passando pelas obras ("a minha escola de língua portuguesa"), pela equivalência ao seu curso de Educação Física (que nunca chegou), pela nova licenciatura em Educação Física e Desporto que acabou por fazer cá e por muitos outros desafios que encarou sempre com a mesma "resiliência" e sentido da responsabilidade. A Teresa Gaspar , no "Lá fora", fala da experiência das charter schools e a grande entrevista é com a Ana Mª Bénard da Costa que nos conta como se começou a dedcicar ao Ensino Especial e como isso marcaria a sua vida quase tanto como ela marcou o ensino especial em Portugal.

No dossier além de um artigo muito bonito de enquadramento do tema - "Como Pinóquio aprendeu a ler" -, de uma apresentação da Elsa Barros do Plano Nacional de Leitura e da Inês Sim-Sim sobre o Programa Nacional do Ensino do Português no 1º ciclo, entrevista-se as duas responsáveis pelo Plano Nacional de Leitura - Isabel Alçada e Teresa Calçada. Relatos de experiências em escolas - como a Biblioteca de turma de uma escola do 1º ciclo em S. Miguel e de um Clube de Leitura na EB1 da Cordinha (próximo de Oliveira do Hospital) concluem o dossier, juntamente com um levantamento de livrarias para crianças e outros recursos para a leitura.

O artigo de estudo/investigação é do João Sebastião e sua equipa do Observatório de Segurança na Escola sobre os problemas da violência e sua prevenção. A visita de estudo é à Bedeteca, a campanha é do IAC de prevenção da violência sobre as crianças e o "Com olhos de ver" desta vez ajuda a "ler" imagens publicitárias. O destacável, da responsabilidade de Cristina Loureiro e Mª José Correia de Oliveira dedica-se à Matemática "a partir das crianças e com as crianças" dos 6 aos 11 anos.

MEBS

16.3.07
 
Aos "62ards"
Colegas (era assim , não era?)

O ponto de situação sobre as comemorações do 45º aniversário do Dia do Estudante de 1962, é o que se segue:

Dia 24 de Março na Aula Magna da Reitoria da Universidade Clássica de Lisboa

_Programa
_12h30 - Início da Sessão de Abertura na Aula Magna. O actual reitor fará um discurso de boas-vindas, seguindo-se os representantes do Porto, de Coimbra e dos Liceus. Medeiros Ferreira encerrará a sessão.13h15/13h30 - No átrio de entrada da cantina, Jorge Sampaio, secretário-geral da RIA (que entretanto também foi Presidente da República) vai descerrar uma placa comemorativa recordando a greve de fome e a prisão dos 1.200 estudantes. Segue-se o almoço.

13.3.07
 
QUE TEM A VER O VULCÃO DOS CAPELINHOS COM A CIDADANIA ?
Que tem a ver o vulcão dos Capelinhos com a cidadania ?

Ana Maria Bettencourt organizou um "evento" surpreendente na Casa dos Açores: através de uma exposição de fotografias de há 40 anos e de agora em lhas açoreanas, de poemas de Natália Correia e Sophia de Mello Beyner (lidas admiravelmentepor Elizabete Caramelo) e de um texto de grande consistência pedagógica, conseguiu defender uma educação ao serviço de um desenvolvimento sustentável ... e criar um olhar diferente sobre os Açores !

Criar pontes entre vários saberes e "disciplinas" - eis uma manifestação de criatividade e capacidade de comunicação ou de pedagogia aplicada...

Maria Emília Brederode Santos

6.3.07
 
A Massificação Educativa no 1º ciclo do Ensino Básico
Inácia Santana*

Assistimos actualmente a um conjunto de acções por parte dos Conselhos Executivos (CE) de alguns Agrupamentos de Escolas os quais, de acordo com a sua interpretação dos normativos, assim vão provocando no 1º Ciclo do Ensino Básico (1º CEB) alterações de funcionamento que põem em causa a especificidade e a identidade deste nível de ensino.
Trata-se de uma tentativa de uniformização de procedimentos no interior dos agrupamentos, que se traduz na burocratização, e consequente subversão, das características pedagógicas fundamentais deste ciclo de ensino, como sejam a organização curricular e a modalidade de avaliação privilegiada.
Tendo em conta que os agrupamentos são geridos pelas escolas do 2º Ciclo, a cultura disciplinarizante vai-se progressivamente sobrepondo a uma abordagem que se pretende globalizante, tendo em conta a faixa etária dos alunos do 1º CEB.
Efectivamente, um dos Princípios orientadores da acção pedagógica, inscritos na Organização Curricular e Programas do 1º Ciclo do Ensino Básico, do Ministério da Educação, preconiza que “o desenvolvimento da acção escolar ao longo das idades abrangidas constitua uma oportunidade para que os alunos realizem experiências de aprendizagem activas, significativas, diversificadas, integradas e socializadoras que garantam efectivamente o direito ao sucesso escolar de cada aluno.”
A operacionalização deste princípio, tal como o mesmo normativo determina, faz-se através da realização de conjuntos de actividades de aprendizagem ou experiências educativas, que abordem conceitos ou temas aglutinadores, as quais permitem, pela sua vivência, a construção de aprendizagens pelas crianças, em diversos domínios disciplinares. Cabe ao professor organizar actividades suficientemente ricas e estimulantes, que articulem, de forma integrada, os saberes das diversas áreas curriculares, bem como ir ajudando os alunos a tomarem consciência dos conteúdos abordados e à sua análise progressiva, até ao seu completo domínio pelas crianças. Esta abordagem globalizante é facilitada pelo exercício da monodocência que caracteriza o 1º CEB, sendo esta a sua principal razão de ser.
No entanto, um Despacho recente (nº 19575, de 25 /9/2006) do Ministério da Educação, onde se estipulam os tempos semanais mínimos para cada disciplina no 1º CEB, foi o pretexto para muitos agrupamentos exigirem um horário lectivo por disciplinas e obrigarem os professores do 1º CEB à utilização do livro de ponto utilizado no 2º e no 3º Ciclos, onde se registam, hora a hora, os conteúdos disciplinares abordados. Podendo parecer apenas uma medida formal, ela implica alterações profundas de modos de organização pedagógica, se os professores quiserem agir em conformidade com as hierarquias. Para o não fazerem, têm de apresentar uma argumentação bastante fundamentada e de resistir a pressões tremendas, às quais, muitas vezes, pela cultura de submissão e de conformismo que ainda domina entre os professores do 1º CEB, facilmente cedem.
O mesmo acontece relativamente às questões da avaliação. Coerentemente com os princípios atrás enunciados, o Despacho Normativo nº 30/2001 determina que “A avaliação formativa é a principal modalidade de avaliação do Ensino Básico” e que “No 1º Ciclo, a informação resultante da avaliação sumativa expressa-se de forma descritiva em todas as áreas curriculares.” Também este modo de avaliação é facilitado nos regimes de monodocência, quando se tem apenas uma turma de alunos e onde, por isso mesmo, os podemos conhecer melhor. No entanto, o conhecimento das competências que cada criança manifesta não se recolhe através de fichas de avaliação nem o modo descritivo é compatível com uma classificação quantitativa. Uma avaliação formativa exige um conjunto de instrumentos de registo que retratem o nível de produção e tipo de participação de cada criança no contexto das múltiplas interacções existentes na sala de aula, ao longo da semana. Como tal, estes instrumentos têm de ser construídos pelo professor, com os seus alunos, de modo a que se avalie o que se realiza e que os alunos vão tomando consciência dos seus percursos e das suas necessidades de trabalho. Só nessa altura é que se pode dizer que a avaliação é verdadeiramente formativa e só pela análise desses registos sistemáticos e contínuos se pode fazer a descrição de um percurso, de forma rigorosa.
No entanto, mais uma vez, assistimos à imposição de grelhas de avaliação quantitativas, à uniformização de fichas de avaliação iguais para os mesmos anos de escolaridade dentro do mesmo agrupamento, à imposição de classificação sob a forma de percentagens…
Não há dúvida de que, por detrás de todas estas medidas, para além de um enorme desconhecimento do 1º Ciclo e dos fundamentos em que se sustenta a sua organização curricular, está também uma confusão conceptual generalizada entre classificação e avaliação, entre critérios de avaliação e percentagens, entre identidade de escola e massificação uniformizadora. Urge, portanto, uma reflexão profunda sobre as consequências destas medidas para 1º CEB e sobre o empobrecimento da qualidade educativa a que conduzem.

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*Professora do 1º Ciclo do Ensino Básico

5.3.07
 
A Balcanização do 1º Ciclo do Ensino Básico
Sérgio Niza*

Na Europa, o ensino primário, só em Portugal perdeu o nome. Designamo-lo, desde a reforma do sistema de ensino de 1986, por 1º ciclo do ensino básico. Iniciou-se, então, uma progressiva descaracterização e perda de identidade deste ciclo de ensino. Associado à nova designação, o mais reduzido ciclo de monodocência dos sistemas de ensino europeus passou a ser coadjuvado por professores especialistas, o que rapidamente conduziu ao esquartejamento dos tempos lectivos para distribuição do trabalho com as turmas a esses outros professores.
Foram os primeiros sinais a antecipar a disciplinarização de todo o sistema de ensino e o esvaziamento da identidade deste ciclo globalizante para a iniciação formal ao mundo da escrita onde radica todo o trabalho intelectual de escolarização.
O estranho zelo demonstrado agora pela equipa ministerial ao acentuar a disciplinarização do 1º ciclo, criando até novas orientações curriculares, perverte ainda mais o sentido da reorganização curricular que se diz servir (a de 2001). É um novo ataque para destruir os continuados esforços de muitos, feitos ao longo dos últimos anos, para que se pudesse assegurar um trabalho curricular mais integrado, a fim de proporcionar mais qualidade pedagógica à iniciação das aprendizagens formais deste ciclo de escolaridade.
Entre os anos 70 e 80 produziram-se os mais interessantes currículos integrados de ciências, sobretudo nos EUA e no Reino Unido, como resposta aos desafios a que o conhecimento científico foi chamado, durante a primeira década de disputa dos blocos políticos de então, pela conquista do espaço. Foram esses padrões curriculares que serviram de suporte à produção curricular portuguesa, para as áreas de integração curricular, disciplinares e não disciplinares, numa tensão desmedida criada pelos defensores dos territórios disciplinares. Com efeito, no meio das disputas pelos tempos curriculares, a reestruturação curricular de 89-90 consagrou uma área integrada de ciências, o Estudo do Meio para o 1º ciclo e uma área curricular interdisciplinar para todo o ensino básico e secundário, como para compensar o reforço da estrutura disciplinar nos outros segmentos do sistema, através de uma área não disciplinar destinada a atravessar longitudinalmente os tempos das disciplinas: a Área-Escola. Esta proposta, entendida pelos professores das disciplinas como estranha intromissão e apropriação de tempo do ensino das suas disciplinas, veio a ser posteriormente assumido num tempo autónomo, paralelo aos tempos disciplinares, designado por Área de Projecto, na reorganização curricular de Janeiro de 2001.
Decidiu, então, o Ministério propor às escolas um currículo nacional de ensino básico, por competências, na perspectiva de capacitar os alunos para o uso dos saberes em acções que possam corresponder às funções sociais da cultura.
O reconhecimento de alguma autonomia na concepção e contextualização curricular, prevista pela necessidade de flexibilização curricular que decorre desta mesma concepção, teria de se apoiar na delegação de outros poderes logísticos e de gestão às escolas, regulamentando a autonomia legislada em 1989, o que não veio a acontecer. O currículo nacional por competências, editado em Setembro de 2001, é um documento contraditório que ultrapassa em muito as funções de um currículo de competências básicas (um core curriculum), onde os textos dedicados a cada disciplina assumem um carácter deliberadamente programático, confundindo repetidamente competências específicas com objectivos específicos, num conjunto desigual de flutuações técnicas e científico-pedagógicas.
O mais surpreendente é como no currículo nacional todo o vasto elenco disciplinar dos 2º e 3º ciclos do ensino básico antecipa em cada proposta disciplinar o que se espera, no plano dos conteúdos e dos objectivos, ou das competências disciplinares, para o 1º ciclo do ensino básico. Num texto intercalar dedicado ao Estudo do Meio apercebemo-nos de que, apesar desta outra concepção curricular, se mantêm supostamente como orientações de trabalho os programas curriculares de 1990, que assentam em outros fundamentos teóricos e curriculares. Esse texto sobre Estudo do Meio é afinal o último vestígio duma prática curricular para o estudo integrado das ciências. Sendo certo que um currículo por competências é por natureza um currículo orientado para a integração disciplinar através de processos pedagógicos interdisciplinares ou transdisciplinares, mobilizados em estudos temáticos, em resolução de problemas ou em trabalho por projectos de pesquisa, não se compreende que este currículo de 2001 tivesse acentuado ainda mais e, contraditoriamente, uma estrutura disciplinar de organização do conhecimento, comprometendo gravemente a difícil apropriação de uma cultura escolar orientada para as competências sociais e culturais de uso na sociedade.
A partir de 2005, e preparando o ano escolar em curso, foram-se acumulando as orientações de licearização do 1º ciclo do ensino básico, quer por parte do governo, quer pela lógica de uniformização de procedimentos administrativos, na gestão dos agrupamentos de escolas, cada vez mais indiferentes à dimensão pedagógica do trabalho nessas escolas.
São exemplos eloquentes das políticas educativas, por um lado a determinação de que metade dos créditos obtidos na formação contínua frequentada por cada professor, a serem tidos em conta para efeitos de progressão na carreira deve ser realizada obrigatoriamente, no âmbito de acções que “relevem directamente para a docência dos conteúdos curriculares de carácter disciplinar, em sala de aula”. Futuramente, porém, por efeito da aplicação do novo estatuto da carreira docente, serão consideradas para a avaliação bienal de desempenho e para progressão na carreira, prioritariamente (ou apenas) as acções de formação contínua que “incidam sobre conteúdos de natureza científico-didáctica com estreita ligação à matéria curricular” que cada professor lecciona e as relacionadas com as necessidades explícitas da sua escola.
Por outro lado, o despacho sobre as orientações para a gestão curricular no 1º ciclo do ensino básico determina tempos mínimos de leccionação por disciplina e por áreas, o que induziu as direcções dos agrupamentos de escolas a proporem aos professores o preenchimento das respectivas fichas de distribuição dos horários de docência das disciplinas, como se se tratasse de uma prática liceal corrente.
Tal obstinação disciplinar conduziu, por exemplo, o Secretário de Estado, certamente por distracção, a determinar que à Língua Portuguesa se dediquem oito horas lectivas de trabalho semanal, incluindo uma hora diária para leitura. Feitas as contas, para além das cinco horas semanais de leitura obrigatória, restarão apenas três horas para, em toda a semana, o professor realizar com os alunos o muito trabalho que envolve todo o processo de iniciação formal ao uso escrito da língua com as crianças dos cinco aos sete anos que frequentam os primeiros anos de escolaridade. Trata-se de uma determinação desinformada, de graves consequências, que desautoriza o poder político.
Com efeito, quando o caminho das políticas educativas, no domínio do currículo e da formação de professores (como é o caso também dos novos padrões de formação estipulados para a reforma dos cursos de formação inicial de professores), passa a convergir com as opções veiculadas por ideólogos neo-conservadores que exibem com alarde as suas crenças educativas nos meios de comunicação, adensa-se mais a inquietação de muitos profissionais de educação, especialmente os da educação pré-escolar e do 1º ciclo do ensino básico, pela balcanização disciplinar que se agiganta, com todas as consequências culturais e políticas que revela.

*Professor do Instituto Superior de Psicologia Aplicada


Publicado no Jornal de Letras - Educação

2.3.07