Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

31.1.06
 
O OLHAR DO OUTRO
Fui ontem ver, no Café-Teatro da Comuna, a leitura encenada da peça O Olhar do Outro (a estrear em Setembro) com direcção da Isabel Medina.

O texto (que vai ser um espectáculo também de música, dança e canto) é de uma extrema actualidade : trata dos imigrantes e foi construído com base em cerca de 400 entrevistas a imigrantes em Espanha e Portugal e a associações de acolhimento, bem como em análises de notícias da comunicação social e estudos sobre o assunto.

A abordagem escolhida foi tb de grande originalidade e delicadeza : através do olhar duma criança - das suas dúvidas, das suas inquietações, das suas memórias pavorosas mas também da sua inabalável esperança. E as histórias que se contam (da autoria do marroquino Rachid Mountasar) entrelaçam-se com o racionalismo mais pragmático e europeu da Isabel Medina e o olhar dramatúrgico do francês Jean-Luc Paliès, criando-se, apesar das seis mãos que o escreveram, um texto único de grande força dramática.

Num momento em que, nas escolas portuguesas, há alunos de 120 nacionalidades, falantes em casa de 80 línguas diferentes (segundo estudo da DGIDC/ME de 19 de Dez. de 2005), o tema do olhar do outro é, obviamente, de uma enorme actualidade e relevância. Claro que o seria sempre e de qualquer modo ...

Maria Emília Brederode Santos

29.1.06
 
UM RAPAZ DENTRO DA LEI *
1. Demorámos a chegar. Já era noite fechada. Os polícias não conseguiam encontrar o caminho. Era tal qual uma viagem sem regresso. Foram-me buscar á escola. Fiquei que tempos à espera numa sala, disseram que estavam á procura de um colégio. Às tantas vieram dizer-me que afinal ia para uma Casa de Emergência e que quando lá chegasse logo explicavam tudo. Tanto me faz. Agora tanto faz. Houve tempo em que quis ter futuro. Agora desisti. Quando os polícias chegaram à escola ainda pensei que podia ser por causa dela. Podia ter aparecido morta. Mas o meu coração não se abriu. O meu pai às vezes chorava. Dizia que o choro faz tanta falta como o riso. Há já muitos anos que não choro. Para aí dois. Se choro fico um fraco e então é que todos me põem o pé em cima.

2. A casa mais parece um hospital. É muito grande e fria que eu sei lá. Os corredores nunca acabam. Se calhar alguém perder-se no meio da confusão de portas e portinhas deve dar em maluco. Os putos são cheios de mau aspecto e cheira aos quartos da pensão em que a gente dormia, quando ela ainda passava algum tempo ao pé de mim. Este maldito cheiro não me larga e olham todos para mim como se eu não batesse bem. Estou numa casa que nunca vi, nem sei onde fica a casa de banho, o refeitório é uma balda, os quartos a mesma coisa, estou quase a vomitar e querem que eu coma. Tudo por causa dela, que nem o nome de mãe merece.(….)

7. A noite traz o pior. As lembranças que matam. O tempo em que eu era muito pequeno. Ela na cozinha, bonita, sem droga. O cheiro da comida. A mãe do meu pai, a minha avó Cila também tinha comida cheirosa, só que não era a mesma coisa. O meu pai a cantar. A minha mãe a chamar-nos para a mesa e os meus passos muito pequeninos no corredor. E o meu pai a chegar à porta. Não aguento, eu não consigo aguentar. Ninguém percebe que não posso dormir. Tira-me as forças e eu preciso de ficar vivo. Se eu morro, acaba-se tudo. O meu pai, a minha mãe, a minha avó Cila. A minha família é boa. É a melhor que eu conheço.Fui à sala dos educadores e dei com a porta fechada. É o educador que passa as noites a dormir. Eu cá acho mal, há miúdos que até têm pena, mas eu não. É trabalho dele, se não queria não tivesse aceite. E ainda por cima está sempre a dar baldas aos outros, para eles não darem com a língua nos dentes. Rico trabalho, fecha a portinha e ferra no sono.Meu dito, meu feito, acordou estremunhado, todo nervoso, a perguntar porque que é que eu não estava a dormir, que não eram horas para eu andar por ali. Esta gente gosta mesmo de dar música. Depois queria enfiar-me um comprimido para os nervos. É o tomas! Disse-lhe logo onde havia de o meter. Pedi-lhe para levar o Rex, o cão, para a sala dos computadores. Disse que sim, o que ele queria era dormir em paz.(….)

13. Aqui é proibido bater. Só que andam sempre atrás de nós com regras. A gente não tem paciência para esta conversa. Regras para quê se a gente está cá de passagem. Depois vêem os castigos. A maior parte de nós não se importa. Mais castigo, menos castigo, para a vida da gente tanto faz. Eu tento levar a coisa sem problemas. Gosto de me dar ao respeito. Noutro dia baldei-me pela primeira vez, fui com o meia leca. Mas depois andei às voltas sozinho. Farto de drogados estou eu, se há coisa que quero é ver-me livre deles. Andei de lado para o outro, à minha maneira, sem ninguém a mandar vir. Viva a liberdade! Liberdade é uma palavra boa. Família é melhor, só que eu já não tenho. Quando cheguei a casa, os educadores aqui d’el rei, se eu não sabia que a droga não era vida para ninguém. Atirei logo um pontapé. Quem os mandou falar da minha mãe? Fiquei dois domingos sem sair. Isto é que são castigos? Se eu quisesse aprontar ainda aprontava melhor em casa. Às vezes os educadores fazem-me pena. Não sabem como fazer para a gente atinar.


Graça Vilhena

* Excerto de um texto a ser integrado em publicação no prelo sobre a Reforma do Direito de Menores

Publicado no Jornal de Letras - Educação - 19 de Janeiro de 2006

27.1.06
 
Não poderá ser diferente?
Em Portugal existem cerca de 15.000 crianças e jovens institucionalizados, colocados pelo Ministério da Justiça, pela Segurança Social ou ainda por pedido directo das famílias por razões de pobreza e fome, riscos de negligência, de abuso sexual ou outros, por dificuldades várias, nomeadamente educativas, habitacionais, económicas.São, na generalidade, histórias de vida dificéis, sofridas, com separações precoces, rupturas, abandono e com marcas deixadas nestas crianças e jovens.Os trajectos de exclusão percorridos falam de crianças e jovens com várias mudanças de locais de residência e muitos anos de internamento. A institucionalização produz, por si só, uma segregação cultural e isolamento social marcante para os indivíduos e presente nas representações sociais.Embora existam nos internatos situações muito diferenciadas, desde os que funcionam razoavelmente até às situações revoltantes, a maioria destas instituições é má e contraria os direitos sociais.Se reflectirmos nas condições sócio-institucionais encontramos instituições grandes, pesadas, rígidas, frias, com espaços e decoração não personalizados, atravessados pela imobilidade do tempo.As crianças e os jovens são olhadas de forma rígida e dicotómica entre os bons e os maus, os atinados e desatinados, os sossegados e os violentos, os que merecem ou não o bem que se lhes faz. O cenário e a narrativa produzem rotulações e facilitam uma comunicação paradoxal, insecurizante, desidentificadora.As rotinas instaladas repetem-se, indiferentes às transformações sociais e às necessidades das suas populações, organizando-se contra os imprevistos, o diferente, numa procura de ordem, controlo e vigilância.Algumas perspectivas de intervençãoEmbora consciente de que não há receitas apresento algumas reflexões, em aberto, sobre algumas perspectivas de intervenção.O Estado que tem o dever: de investir na prevenção social junto das famílias e contextos consideradas de risco; de repensar e flexibilizar o sistema de adopção; de promover estudos e investigações centrados na transformação das práticas; de divulgar experiências inovadoras.A institucionalização deverá ser evitada, concebível sobretudo numa situação transitória, numa crise enquanto se trabalha com as famílias ou em situações dramáticas e após serem esgotadas todas as alternativas possíveis para a substituição do meio familiar ( rede de vizinhança, outras famílias, usar e ousar recursos ainda não explorados).A criança e o jovem devem ser informados e ouvidos nas tomadas de decisão sobre as soluções para a sua situação de vida. A escolha de um tutor, gestor de caso, parece-me uma estratégia securizante e uma boa forma de mediação entre as instituições e as pessoas.Importante alternativa é o alojamento em pequenos apartamentos com apoio temporário ou permanente de profissionais (que podem ou não habitar em conjunto), espalhados na comunidade ou privilegiando locais específicos como as residências universitárias.Centros residenciaisCostumo dizer que as regras de ouro são: a melhor qualidade para quem mais na vida sofreu e quanto menos internato melhor. Isto é - os internatos têm que se reconverter em centros residenciais com uma nova filosofia e missão social, outros princípios orientadores e organizacionais.Instituições pequenas, núcleos residenciais com dimensão humanizada e agradável ou ainda instituições grandes mas adaptadas ao conforto, convívio e bem estar de quem lá vive.Este espaço de vida deve ser sentido como terreno sereno e estruturante do desenvolvimento pessoal e social, reparador dos abandonos, fragilidades e lutos. A generosidade, a amabilidade, a solidariedade devem consubstanciar-se no ambiente institucional.A instituição devera integrar profissionais homens e mulheres da área socio-educativa. O quotidiano deve valorizar e promover a autonomia e a auto-estima, a assertividade, a capacidade de antecipação e a resolução de problemas bem como as amizades e interrelações no grupo.A equipa técnica deve trabalhar com o jovem e a família sobre os projectos de futuro e os processos construtores de autonomia pessoal, social e profissional dos seus jovens.À excepção das situações em que os pais foram impedidos de exercer o seu poder paternal eles devem ser informados periodicamente sobre os filhos, devem reunir e participar com a equipa técnica nas principais tomadas de decisão. A instituição deve criar condições facilitadoras da articulação com a família biológica e outras rectaguardas afectivas. A criança deve sentir que a sua família é reconhecida como interlocutora. As instituições enquanto espaços sociais devem ser abertas, integradas na comunidade envolvente, participantes activas na vida comunitária.É importante proporcionar actividades artísticas e lúdicas que permitam conviver, fantasiar, aventurar, teatralizar, experenciando emoções e exteriorizando dificuldades em actividades corporais e de movimento que sejam positivas e gratificantes.Proporcionar espaços de debate e confronto de ideias, onde em grupo, crianças e jovens possam amadurecer e compreender o mundo. É importante criar lugares de palavra, espaços de reflexão, de ler e pensar a realidade e de antecipação sobre os comportamentos, valorizando uma reflexão ética sobre a sociedade em que se vive.A instituição terá que se congregar à volta de um projecto educativo centrado em princípios éticos e desenvolvimentistas com modalidades democráticas de participação, num regulamento onde estejam claramente expressos os direitos e deveres e num planeamento estratégico organizado em função das grandes finalidades.As instituições públicas devem ter uma gestão idêntica às das outras instituições sociais ( com representantes autárquicos, cidadãos notáveis …), sendo desejável haver limitação dos mandatos das direcções.ResponsabilidadesO Estado deve ter responsabilidade pelos internatos que estão directamente sob a sua tutela, por aqueles que têm acordos de cooperação, mas também por todos os outros, mesmo que não tenham protocolo com a Segurança Social pois o Estado tem que defender todos os seus cidadãos.Todavia, a responsabilidade estatal deverá ser sinergicamente partilhada com a sociedade civil, perspectivando a comunidade como espaço relacional, cultural e educativo, implicando instituições sociais e movimentos cívicos.O fundamental é introduzir sentimentos, compreensões, estratégias e narrativas que nos permitam situar a problemática num novo paradigma centrado nos direitos das crianças e dos jovens, numa lógica de realização pessoal, de bem estar e de vida feliz.Temos que situar esta problemática na ordem do dia, mobilizando causas, desocultando situações dramáticas, lutando contra a banalização e a resignação, conscientizando, exigindo políticas de justiça e de equidade e implementando intervenções cívicas centradas na contemporaniedade e nos direitos civilizacionais.

Milice Ribeiro dos Santos

Publicado no Jornal de Letras - Educação - 19 de Janeiro de 2006

26.1.06
 
Da imensa fragilidade
Maria João Leote de Carvalho



“…faz pena, faz mágoa, que ave de penas não possa voar”
Zeca Afonso

Artur (nome fictício) tem actualmente oito anos. Filho único de pais toxicodependentes foi abandonado pelo pai logo depois do seu nascimento e ficou a viver com a mãe e a avó materna em bairro de construção ilegal na Área Metropolitana de Lisboa. Tinha perto de quatro anos quando a casa abarracada em que viviam foi destruída por um incêndio. Todos os bens foram consumidos pelo fogo e a família foi realojada num andar arrendado em bairro de habitação social.
Ao fim de alguns meses, a mãe perdeu o emprego que tinha como operária numa em fábrica ali próximo. Não muito tempo depois, a avó encontrou droga em casa e confrontou a filha, na altura com 26 anos. Esta optou por fugir de casa, levando consigo o filho. Numa primeira fase, ficou a viver junto do pai do Artur, num bairro de habitação social na Margem Sul. Poucas semanas depois, a mãe abandonou a criança, deixando-a com o pai, que mantinha o consumo de drogas.
Durante quatro meses o Artur, então com cerca de cinco anos, acabou por viver mais entregue a si próprio junto de outras crianças e de jovens, cujos laços comuns passavam pela vivência na rua. Por diversas vezes o pai levou-o consigo, envolvendo-o em práticas criminais que ele ainda descreve com especial detalhe.
Uma vizinha da avó, em visita a familiares nesse bairro, veio casualmente a identificar a presença do Artur na rua, transmitindo-lhe a sua preocupação. Ao tomar conhecimento da situação do neto, a avó, logo no dia seguinte foi procurá-lo, para o trazer para casa.
Pai e mãe continuaram sem contactar a criança ou qualquer outro familiar. A mãe apenas efectuou uma visita inesperada de poucas horas em Fevereiro de 2004 prometendo que regressaria brevemente.
“-Tenho uma mãe que não gosta de mim, tenho um pai que não quer saber de mim” são expressões que frequentemente referia nessa altura à avó. Quando abordado por esta sobre a eventualidade de ter de regressar ao bairro onde se presume o pai ainda viva, irrompia nervosamente em lágrimas dizendo não querer.
Várias vezes foi surpreendido pela avó a enrolar papéis, como se estivesse a fazer cigarros, questionando-a sobre drogas.
“-O meu neto já está estragado, já não sei o que fazer dele, está estragado e não vai ter futuro!”, desabafava frequentemente a avó. Na altura, trabalhava como empregada de limpezas no turno da noite, sendo que ela e o neto viviam sozinhos. Quando ia trabalhar, depois de lhe dar jantar, deixava-o a dormir em casa de uma prima no mesmo bairro.
Ao ingressar no 1º ano de escolaridade, a escola informou do caso a Comissão de Protecção da área de residência, por forma a que a tutela fosse atribuída à avó, uma vez que se tinham esgotadas as hipóteses dela poder beneficiar de maior apoio social junto dos serviços da comunidade sem ter esta situação oficialmente resolvida. Passou então a beneficiar de Medida de Apoio Junto a Outro Familiar por parte da Comissão e foram activados recursos tendo em vista a superação de maiores dificuldades (alimentação, saúde, documentação). Simultaneamente teve lugar a abertura de processo tutelar cível no Tribunal de Família e Menores para a atribuição da tutela.
No início de mais um ano lectivo, a avó deixou de confiar na prima e começou a deixar o Artur sozinho durante toda a noite. De manhã cedo, ligava-lhe pelo telemóvel de modo a que chegasse à escola a horas. A situação foi prontamente detectada pelas professoras e o Artur teve de ser acolhido de emergência em instituição.
Apesar da avó manifestar grande interesse e gosto pelo seu trabalho não desejando, ela própria, a mudança de turno, à semelhança do que já acontecera antes da institucionalização, foi novamente tentada a passagem para o turno de dia, mas parte do problema mantinha-se: teria de sair de manhã bem cedo e voltaria pelo final da tarde. No bairro não encontrava ninguém da sua confiança a quem deixasse ficar o Artur. A mudança para outro emprego ainda se tornava mais difícil e as propostas encontradas agravariam a sua condição socioeconómica. A possibilidade de poder vir a ser abrangida por algum subsídio por outros serviços sociais não era garantida dado o seu escalão de vencimento, para além de qualquer resposta ainda demorar.
Entretanto, na semana a seguir ao Natal, a mãe de Artur “reapareceu”, trazendo consigo uma filha recém-nascida, fruto de relação com um novo companheiro.
Deste modo, na ausência de uma alteração das condições de vida da avó e por a mãe continuar sem manifestar interesse pelo filho, a medida de acolhimento institucional tinha de se manter.
A mãe de Artur nunca o visitou na instituição e não tem feito esforço de maior aproximação. Actualmente está novamente grávida. Artur rejeita falar sobre este assunto e nega que vá ter outro irmão. O seu comportamento tem vindo a revelar--se indisciplinado e agressivo quer para com colegas, quer para com adultos.
Refere que nenhum polícia o irá apanhar porque “sei fugir da polícia, o meu pai ensinou-me a fugir da polícia e eu fujo quando for preciso. Ninguém me apanha!”.


Depois de lermos a história do Artur fica-nos a questão: e agora? Optámos aqui, em jeito de nota de rodapé, por deixar algumas interrogações
- até que ponto nós, sociedade civil, estamos capazes de agir em tempo útil, atentos, solidários e sensíveis a cada criança e jovem;
- até que ponto as instituições de acolhimento de menores, estão em situação de responder aos seus direitos e de promover os seus verdadeiros interesses e necessidades com qualidade ética, afectiva e cultural.
Se estas condições não existirem, estamos a inviabilizar a esperança de tantos meninos. Porque eles desejam apenas crescer e inserir-se socialmente. Fazem-no muitas vezes desajeitadamente. Precisam de quem os acompanhe com competência, cuidado, exigência e empatia, nos seus jeitos e nos seus gestos.

Publicado no Jornal de Letras - Educação - 19 de Janeiro de 2006

25.1.06
 
Crianças e jovens em perigo
A comunicação social tem vindo a dar particular destaque
a situações de crianças e adolescentes em total desamparo. Diante dos cenários que nos apresentam, muitos dos agentes educativos e dos cidadãos em geral, hesitam entre a perplexidade e a indignação. E no entanto, é urgente que o problema passe a ser de todos, numa responsabilização socialmente partilhada.
O grupo Inquietações Pedagógicas apresenta aqui alguns contributos para uma discussão mais alargada sobre um outro modo de olhar estas crianças e jovens, procurando propiciar um questionamento sobre medidas que efectivamente os protejam e promovam. Participam Graça Vilhena, educadora de infância da Segurança Social e com experiência na implementação de respostas institucionais a crianças e jovens em perigo; Maria João Leote de Carvalho, investigadora do SociNova da FCSH-UN; Milice Ribeiro dos Santos, professora na ESE do Porto.

Maria da Conceição Moita

Publicado no Jornal de Letras - Educação - 19 de Janeiro de 2006

19.1.06
 
As Inquietações no JL
Saíu hoje o JL com o suplemento Educação. Nas páginas 4 e 5 deste suplemento podem ler duas páginas sobre "Crianças e jovens em perigo" com artigos, excelentes, da Milice Ribeiro dos Santos ("Não poderá ser diferente ?), da Mª João Leote de Carvalho ("Da imensa fragilidade") e um texto (ficcionado ?) da Graça Vilhena. São trabalhos que, no seu conjunto, dão informações rigorosas e actualizadas mas também sabem criar empatia e compreensão. Criticam mas também dão sugestões de "como fazer".

Só uma omissão grave : o nome da coordenadora deste número - Maria da Conceição Moita - a quem suponho que devemos também a pequena introdução que, de forma muito sucinta, aponta como objectivos contribuir para "um outro modo de olhar estas crianças e jovens (...) em total desamparo" que conduza a "um questionamento sobre medidas que efectivamente os protejam e promovam". Haverá tarefa mais urgente ?

Maria Emília Brederode Santos

18.1.06
 


 


 


15.1.06
 
As Inquietacoes no JL
Em resposta ao comentário da IC e para conhecimento de todos os leitores do blog, informamos que actualmente as Inquietacões Pedagógicas, depois de terem tido uma página semanal na infelizmente defunta A Capital, colaboram agora com o Jornal de Letras, publicando, mensalmente (em geral é no número que sai depois do dia 20 do mês), uma ou duas páginas temáticas. A autonomia das escolas e a campanha da ONU Para acabar - já ! - com a violência contra as crianças foram os últimos temas tratados. O próximo - relativo ao mês de Janeiro - trata das crianças em instituições.

Claro que isto não corresponde propriamente ao pedido/comentário de IC ... mas enfim, talvez inquiete. E inquieto, inquieto se mostrou Santana Castilho no editorial da nova publicação do Público e da Editorial Texto sobre educação, Pontos nos ii. Em educação, mais vale a inquietação do que o repouso, não é ?

Maria Emília Brederode Santos

9.1.06
 
O que fazer deles?
O que fazer deles?
Chumbam repetidamente, ou melhor, ficam retidos repetidamente, quando passam, ou melhor quando transitam, é por favor e, normalmente saem da escola por excederem a idade ou por, finalmente, com ou sem alguma benevolência/saturação, terem concluído o 9º ano ­ a escolaridade obrigatória.
A conclusão do 9º ano é sempre especial dado o número de níveis negativos com que se pode concluí-lo ­ três!
O que fazer deles?
Todos os governos até hoje andam com estas "crianças" nas mãos sem saberem oque lhes fazer.
Vai daí, legislam. Já é uma mania. Este governo não é excepção. Produziu o Despacho normativo nº 50/2005 e mais um, cujo número não sei, que institui as "turmas de percurso curricular alternativo". O primeiro obriga a fazer o despiste "deles" logo no primeiro período (o que tem lógica) e obriga a gizar um plano de recuperação. Quando a retenção é repetida é o diabo a sete: apoios, actividades de enriquecimento curricular (gostava de conhecer a pessoa que, no Ministério da Educação, inventa estes nomes), contactos com os encarregados de educação, parecer dos serviços de psicologia etc. O segundo institui turmas só com dez alunos e aplica um programa mais adaptado a "eles", mais prático (adoro esta!) e refere que se contratarão com outras entidades, cursos de artes e ofícios (mais despesismo e gostava de saber quais serão essas entidades). Por outras palavras, atafulha-se o tempo dos professores com papelada, com os célebres apoios e o resultado é muito fraco. A taxa de recuperação é reduzida e a frustração dos professores é muita. Criam-se mesmo, em desespero, instituições que integram crianças em risco com um rácio professor aluno de 1 para 2! A taxa de sucesso na recuperação destas crianças é muito baixa. Muitas delas são notícia quando são mortas em acções policias de perseguição após um assalto. O que fazer então para acabar com a instituição de processos e estruturas cada vez mais pesados, cada vez mais burocratizados e cada vez mais caras e cada vez...mais inúteis? O que fazer deles? O óbvio. Começar por perceber o que está mal com "eles": "Eles" vêm de famílias disfuncionais ou de bairros disfuncionais. Pois bem, de pouco ou nada serve dar-lhes aulas de apoio, fornecer tutores e criar as tais turmas de percurso curricular alternativo, se não se intervier junto da família e junto do bairro em termos comunitários. Ora a isto chama-se serviço social, não é função da escola, é do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, autarquias e não está a funcionar. Enquanto isto não se fizer, "eles" continuam na escola a ocupar lugar, agastar o dinheiro de todos nós e a perturbar o funcionamento da dinâmica de aprendizagem, E continuam com fome, e continuam a assistir à violência física entre os pais e à violência da lei do mais forte na rua do seu bairro e ao roubo. Porque intervir socialmente implica ir lá, sujar as botas, trabalhar com as famílias e o bairro, restituir-lhes dignidade e auto-estima pela mobilização dos seus valores e das suas qualidades, implica mobilizar as pessoas para fazerem alguma coisa por elas próprias pois só assim terão toda a força do mundo para exigir do estado. Com esta dinâmica a funcionar, então é possível integrar estas crianças na escola através duma desejável e necessária colaboração entre os serviços sociais e a escola. Mas é mais fácil desculparmo-nos todos com papéis..."Eles" têm falhas em termos conceptuais. Pois bem as aulas de recuperação só terão efeito útil se for feito um diagnóstico destas falhas. Após o diagnóstico, será possível ir "atrás" e refazer, conceito a conceito, aestrutura. Dar mais do mesmo, ou seja voltar a dar a matéria que o aluno não percebeu, não serve para nada. "Eles" são desorganizados no estudo e ou apresentam dificuldades pontuais eou têm uma família com défice cultural e ou tiveram um longo período de doença, etc. Neste caso as aulas de apoio e a tutoria resultarão. "Eles" não estudam porque não estão para isso, porque estudar é ser beto e porque a família até acha graça. Bom, neste caso, com toda a frontalidade e com toda a força duma lei que ainda não foi publicada, a escola deve convidar a família a empregar o respectivo educando como modelo, como actor de telenovela ou como rico (se for o caso).
João Rangel de Lima

 
Um desejo para 2006
O que desejo no campo da educação em 2006, é um novo brilho nos olhos dos professores no exercício da sua profissão. Sem isso, nada.

Maria da Conceição Moita

7.1.06
 
Uns parabéns, um desejo e uma pergunta para 2006
Primeiro, os parabéns por uma nova publicação: O boletim dos professores . É bonito, tem uma paginação agradável que permite uma boa leitura, artigos curtos, interessantes e úteis : sobre o Relatório da OCDE sobre Educação , as alterações introduzidas neste ano lectivo, a escola do 1º ciclo "a tempo inteiro", o programa de generalização do fornecimento de refeições escolares a todos os alunos do 1º ciclo, o de generalização do Inglês no 1º ciclo, a formação contínua a Matemática, o acompanhamento da reforma do Secundário, a Iniciativa Novas Oportunidades, a expansão da Rede de Centros RVCC nas escolas secundárias... tudo isto numa dezena de páginas e ainda notícias e informações sobre a aposentação dos educadores de infância e professores do 1º ciclo. É uma publicação da responsabilidade da Secretaria-Geral do Ministério da Educação e que se destina a "informar os professores, os conselhos executivos (...) sobre as orientações e prioridades estabelecidas..."

Agora o desejo :
. que a sociedade portuguesa pudesse sentir satisfeitas as suas necessidades básicas e passasse a desejar aprender, cultivar-se, desenvolver-se e criar.
. que a televisão, parafraseando Eco, deixasse de embrutecer os cultos e passasse a cultivar os brutos.
. que a escola fosse um local de aprender a pensar, a conviver e a realizar.

. que os "bons professores", aqueles que conseguem, de vez em quando, que haja escolas assim, se vissem reconhecidos e apoiados .

Finalmente a pergunta :

Como poderia um grupo de adultos, profissionais das Ciências Sociais (investigadores, professores...) contribuir - em regime de voluntariado - para isto ? Como poderiam as escolas - ou outras instituições - aproveitá-los ?

Maria Emília Brederode Santos

6.1.06
 
Três desejos para 2006
Três desejos para 2006

Que sejamos capazes de reduzir a distância entre aquilo que pretendemos para a educação - uma educação que garanta que todos os alunos aprendem, trabalham mais e desenvolvem o gosto pelo estudo – e aquilo que a escola efectivamente faz.
Que sejamos capazes de construir progressivamente uma escola mais eficaz para aqueles que encontram dificuldades. Andámos anos a tentar assegurar que todos os alunos “recebam” todas as aulas estipuladas no currículo... o que é obviamente essencial....o pior é que nos esquecemos de garantir as condições para o bom funcionamento de uma Educação para Todos ...e muitos foram ficando e continuam a ficar pelo caminho.

Que sejamos mais humildes nos nossos discursos sobre a educação e sejamos capazes de reconhecer que o caminho para que as pessoas, de todas as idades, aprendam, no sistema formal e no quadro da educação ao longo da vida, é difícil de encontrar e percorrer e implica estudo, apoio à inovação, pesquisa, formação de professores, medidas de política, meios. Ninguém detém uma solução miraculosa . Como em todos os domínios, o estudo é essencial.
A mudança tem de ser feita de pequenos passos, mas com estudo da realidade e acompanhamento dos professores e das escolas. “O estado do debate sobre a escola entre críticas injustas e anúncios imprudentes indica imaturidade das nossas democracias, que preferem mudar de governos ou de políticas em vez de aceitarem que as reformas se atacam pacientemente e rigorosamente a problemas muito difíceis de controlar” P. Perrenoud

Que as crianças e jovens portugueses tenham mais oportunidades culturais. É triste ver como a escola dificilmente sai de si própria para conduzir os alunos a experiências sistemáticas de contacto com a natureza, os museus, outros países e culturas. Experiências onde aprendam a compreender o mundo e a intervir nele. É triste ver o contributo da escola para a formação de gerações de crianças e jovens indiferentes à cultura, que suspiram por bens de consumo inúteis...

Ana Maria Bettencourt

5.1.06
 
Adeus Steve
Antes de responder ou comentar a Milice e o seu desejo para a educação em 2006, acho que as Inquietações Pedagógicas não podem deixar de se despedir do seu amigo Steve Stoer, recordando o seu saber e investigações, o modo como soube defender as Ciências da Educação com sabedoria, fair play e até humor, o olhar de fora e o sentir-se de dentro, a sua cumplicidade amistosa, uma branda firmeza, o apoio amigo sempre que necessário ou pedido.

Enviamos um grande abraço à sua mulher, ao Steve seu filho, à Faculdade e a todos os colegase amigos.

Maria Emília Brederode Santos

4.1.06
 
Um desejo para 2006 em termos de educação
Ser o menos escola possível. Isto é ser mais um projecto educativo e social capaz de se fundir sistemicamente com outras instâncias e dinâmicas sociais re-encontrando a sua identidade de espaço de reflexão crítica.
Ser o menos escola possível. Isto é promover relações humanizadas e solidárias de quem se preocupa com cada um e com todos na promoção de anseios e realizações, de afectos e cognições.
Ser o menos escola. Isto é ser menos escolarização mas mais aprendizagens e desenvolvimento de competências, mais procura de felicidade.
Ser o menos escola possível. Isto é procurar outros caminhos e inquietudes nas investigações e políticas educativas e sociais, mudar de paradigma, procurar outros entendimentos da sua função na vida pessoal e colectiva.
Isto é ser o menos escola possível.

Milice Ribeiro dos Santos

2.1.06
 
A violência sobre as crianças institucionalizadas
O tratamento deste tema apresenta dificuldades decorrentes, quer da pluralidade de tipologias existentes nos países da região Europa e Ásia Central entre as instituições onde vivem crianças, quer da falta de dados estatísticos baseados em critérios comuns a todos eles. No entanto, a violência institucional, nas suas diversas formas e a violação dos direitos das crianças acolhidas comporta sempre alguma análise transversal.
Característica comum à generalidade dos países da região é o agravamento da situação quando se analisa o sistema correccional, se comparado com o sistema de protecção: piores condições físicas, ausência de separação entre crianças que cometeram infracções e adultos condenados pela prática de crimes, mais limitado acesso à educação, bem como a programas de formação e ocupacionais. Em alguns países, aliás, a separação entre os dois sistemas não está sequer conseguida.
Verifica-se também que, apesar do número de crianças institucionalizadas nesta região do mundo - calcula-se em mais de um milhão -, alguns países intensificam as alternativas à institucionalização, provados que estão os resultados nefastos de alguns modelos persistentes, baseados, designadamente, em internatos de grande dimensão.
A duração excessiva das medidas de acolhimento institucional deverá também ser objecto de ponderação. Na sequência da Convenção Sobre os Direitos da Criança, muitos ordenamentos nacionais estabeleceram a revisão periódica dessa medida. Porém, frequentemente, a revisão é meramente formal, conduzindo ao seu prolongamento sucessivo, sem uma verdadeira reapreciação da situação da criança acolhida.
Destaca-se ainda a necessidade de melhor qualificar, formar em permanência e avaliar as pessoas que trabalham nestas instituições. A preparação dos funcionários é fundamental para a redução do risco de violência nas instituições. Os Estados devem empenhar-se neste objectivo e as associações de profissionais que se ocupam das crianças devem proceder à implementação de códigos deontológicos.
Deve também garantir-se mais e melhor inspecção e supervisão das instituições, a realizar de forma independente e rigorosa. A inspecção é eminentemente administrativa, baseada em relatórios, sem visita das instalações e sem audição das pessoas, muito especialmente as crianças, em condições de privacidade.
Por fim, há que assegurar o contacto das crianças institucionalizadas com as famílias - quando tal convívio seja possível e benéfico para as crianças - e com a comunidade. O isolamento potencia a violação dos seus direitos, retira a violência do alcance dos nossos olhos, gera infelicidade. A ligação deve ser cultivada por ambas as partes: as instituições devem ser chamadas à escola, fazendo-se, por exemplo, representar nas associações de pais, tal como a escola deve procurar conhecer a instituição.
Todos podemos melhorar a nossa atitude no que respeita à integração destas crianças. Os professores de crianças institucionalizadas estão num posto privilegiado de observação dos seus problemas específicos, de denúncia de situações de violação dos seus direitos, sendo fundamentais no seu desenvolvimento como cidadãos, titulares de todos os direitos e de mais um: o de receberem da sociedade e do Estado uma especial protecção imposta pela sua condição de crianças privadas de ambiente familiar normal.

Teresa Morais
Adjunta do Gabinete do Provedor de Justiça

Publicado no Jornal de Letras - Educação - 21 de Dezembro de 2005