Inquietações Pedagógicas
"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…" Jorge de Sena in Metamorfoses
2.1.06
A violência sobre as crianças institucionalizadas
O tratamento deste tema apresenta dificuldades decorrentes, quer da pluralidade de tipologias existentes nos países da região Europa e Ásia Central entre as instituições onde vivem crianças, quer da falta de dados estatísticos baseados em critérios comuns a todos eles. No entanto, a violência institucional, nas suas diversas formas e a violação dos direitos das crianças acolhidas comporta sempre alguma análise transversal.
Característica comum à generalidade dos países da região é o agravamento da situação quando se analisa o sistema correccional, se comparado com o sistema de protecção: piores condições físicas, ausência de separação entre crianças que cometeram infracções e adultos condenados pela prática de crimes, mais limitado acesso à educação, bem como a programas de formação e ocupacionais. Em alguns países, aliás, a separação entre os dois sistemas não está sequer conseguida.
Verifica-se também que, apesar do número de crianças institucionalizadas nesta região do mundo - calcula-se em mais de um milhão -, alguns países intensificam as alternativas à institucionalização, provados que estão os resultados nefastos de alguns modelos persistentes, baseados, designadamente, em internatos de grande dimensão.
A duração excessiva das medidas de acolhimento institucional deverá também ser objecto de ponderação. Na sequência da Convenção Sobre os Direitos da Criança, muitos ordenamentos nacionais estabeleceram a revisão periódica dessa medida. Porém, frequentemente, a revisão é meramente formal, conduzindo ao seu prolongamento sucessivo, sem uma verdadeira reapreciação da situação da criança acolhida.
Destaca-se ainda a necessidade de melhor qualificar, formar em permanência e avaliar as pessoas que trabalham nestas instituições. A preparação dos funcionários é fundamental para a redução do risco de violência nas instituições. Os Estados devem empenhar-se neste objectivo e as associações de profissionais que se ocupam das crianças devem proceder à implementação de códigos deontológicos.
Deve também garantir-se mais e melhor inspecção e supervisão das instituições, a realizar de forma independente e rigorosa. A inspecção é eminentemente administrativa, baseada em relatórios, sem visita das instalações e sem audição das pessoas, muito especialmente as crianças, em condições de privacidade.
Por fim, há que assegurar o contacto das crianças institucionalizadas com as famílias - quando tal convívio seja possível e benéfico para as crianças - e com a comunidade. O isolamento potencia a violação dos seus direitos, retira a violência do alcance dos nossos olhos, gera infelicidade. A ligação deve ser cultivada por ambas as partes: as instituições devem ser chamadas à escola, fazendo-se, por exemplo, representar nas associações de pais, tal como a escola deve procurar conhecer a instituição.
Todos podemos melhorar a nossa atitude no que respeita à integração destas crianças. Os professores de crianças institucionalizadas estão num posto privilegiado de observação dos seus problemas específicos, de denúncia de situações de violação dos seus direitos, sendo fundamentais no seu desenvolvimento como cidadãos, titulares de todos os direitos e de mais um: o de receberem da sociedade e do Estado uma especial protecção imposta pela sua condição de crianças privadas de ambiente familiar normal.
Teresa Morais
Adjunta do Gabinete do Provedor de Justiça
Publicado no Jornal de Letras - Educação - 21 de Dezembro de 2005