Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

16.9.06
 
EQUIDADE E EFICIÊNCIA NO SISTEMA EDUCATIVO*
Os estudos empíricos de Economia da Educação

Entre 2003 e 2005 decorreu um estudo* que teve como objectivo a análise do antagonismo ou da complementaridade entre eficiência e equidade em educação na presença de programas de inovação educacional. O estudo, apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, embora tenha incidido em especial sobre os TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), não era a sua avaliação que estava em causa. Pretendia-se, sobretudo, analisar como, em Educação, se inova em Portugal e como se avalia essa inovação. A escolha recaiu nos TEIP porque também existia o aliciante da identidade de preocupação política que a sua criação revela, e a semelhança e diferença como, com os mesmos objectivos, se procurou inovar e dar respostas adequadas para situações problemáticas em França e no Reino Unido.

Resultados e condições de sucesso

Em resultado da análise de eficiência que se procurou fazer, foi interessante reconhecer, apesar de alguma fragilidade dos dados disponíveis, que:
- O facto de ter ocorrido um TEIP num dado concelho não contribui para explicar o coeficiente de eficiência concelhio, ou seja, a relação específica existente em cada concelho entre o número de professores por aluno e o abandono escolar.
- O nível de instrução da população adulta é importante na explicação da eficiência. Quanto mais instruída for esta população, menor é o abandono escolar para o mesmo nível de recursos concelhios em professores.

Pode-se assim dizer que experiências como os TEIP, as ZEP (Zones d’Education Prioritaire) em França e as EAZ/EiC (Education Action Zones/Excellence in Cities) no Reino Unido confirmaram não existir uma relação directa – naturalmente que em situações razoáveis de qualidade de recursos humanos e físicos – entre o sucesso dos alunos e o aumento de recursos físicos ou a redução do rácio professor/ aluno. Os bons resultados parecem ter muito mais que ver (i) com um bom ambiente da escola, (ii) com interesse e dinamismo de uma equipa educativa competente e “preocupada” com a situação de todos e de cada um dos alunos, (iii) com a existência de apoios aos alunos integrados e articulados num processo de educação diferenciada.
A informação necessária para a avaliação

Para avaliar da equidade, da eficiência e da eficácia dos recursos afectos à educação, será necessário assegurar a elaboração, manutenção e monitorização de bases de dados adequadas. Parece urgente e desejável proceder à avaliação das bases de dados existentes e, tendo em conta o muito esforço e a competência já investidos, melhorar e, sobretudo, articular para que os dados se complementem e as bases de dados se estabilizem.

O significado e a pertinência dos estudos e das análises que devem fundamentar as decisões políticas e as práticas administrativas da educação aos mais diferentes níveis, a começar na própria escola, requerem dados pertinentes, sólidos, comparáveis e sequenciais. Tem de haver clareza nos níveis de desagregação (aluno, escola, agrupamento, concelho, distrito ou região, nação), na periodicidade da recolha de informação (anual, bienal, início/meio ou fim do ano escolar, etc.), na identificação das escolas e dos agrupamentos pelos seus códigos e na integração de todas as despesas (recursos humanos, recursos físicos, despesas de capital e outras), independentemente da sua origem (administração central, local ou outra).

A implementação e monitorização destes processos estão intimamente relacionadas com a própria estrutura desconcentrada do Ministério da Educação e com as competências de cada nível da administração. Não é possível pensar num sistema ideal de informação sem pensar, simultaneamente, na estrutura administrativa que o alimenta, controla e disponibiliza os dados para a comunidade educativa e científica.

A unidade de recolha terá de ser sempre, conforme os casos, ou o aluno ou a escola/agrupamento, sem o que se perdem aspectos essenciais das análises educativas, como sejam, por exemplo, o enquadramento económico e cultural dos alunos ou as características das escolas (instalações, equipamentos, espaços) e dos professores (nível de formação e tipo de vínculo). Sem dados sobre o que foi designado como “recursos estudantis” (nomeadamente características socioeconómicas do estudante e sua família), nenhuma avaliação consistente é possível. Neste momento, o Ministério da Educação disponibiliza abundante informação sobre “recursos escolares”, mas fornece pouca ou nenhuma sobre “recursos estudantis”.

A situação agrava-se ainda quando, para certos programas de inovação experimental, se organizam bases de dados autónomas com interpretações divergentes de determinados conceitos (por ex., transições, abandonos, repetências) o que conduz a valores não coincidentes.

Os dados disponíveis referentes a custos são francamente mais deficientes e incompletos, nomeadamente pela dificuldade de acesso a tudo o que diga respeito ao primeiro ciclo do ensino básico e à educação pré-escolar, em especial em escolas não integradas em agrupamentos. Aí, não há clareza na classificação das diversas categorias de pessoal não docente e não existe informação sobre as verbas despendidas com pessoal docente e não docente disponibilizado pelas autarquias.

A regularidade do levantamento de informação é uma questão chave de que o caso das provas de aferição pode constituir paradigma. A forma de recolha e os resultados destas provas, que parecem constituir uma base de dados sólida e valiosa, perdem muito do seu interesse quando não têm regularidade de aplicação, nem quanto à periodicidade, nem quanto ao público-alvo[1]. Abranger o universo dos alunos, mesmo que ano sim, ano não, parece imprescindível quer para estudos externos como este, quer, sobretudo, para todo o esforço de auto-avaliação das escolas. Na avaliação feita no Reino Unido dos projectos EAZ ou EiC, a existência de testes de aferição aplicados regular e sistematicamente aos alunos com significativa informação de enquadramento foi essencial para o controlo, regulação e impacto daquelas medidas de política.
Limitações da análise e recomendações

Não se conseguiu obter conformidade entre a informação disponibilizada pelos serviços do Ministério da Educação e os relatórios de acompanhamento da experiência. Questões tão significativas como o pessoal não docente afecto às escolas TEIP e não TEIP, a evolução no desempenho dos alunos submetidos às provas de aferição em escolas TEIP e não TEIP, verbas especiais afectas às escolas/agrupamentos, para além das que eram dirigidas directamente para a função TEIP (e as conseguidas através de outros projectos e experiências a que muitos dos TEIP se candidataram), não se puderam esclarecer e não constam da informação levantada, surgindo mesmo de forma diversa e por vezes contraditória nos Relatórios TEIP, consoante a Direcção Regional que organiza e divulga a informação.

Reconhece-se que, no caso dos TEIP, o período em que esta experiência se desenvolveu correspondeu a um momento de grandes movimentações, instabilidade e alterações da rede escolar, com alguma fragilidade de conceitos e enquadramento organizacional. O mesmo, aliás, se reflecte nos dados recolhidos pelo DAPP/GIASE (Departamento de Avaliação Prospectiva e Planeamento), dada a grande mobilidade com que os agrupamentos se constituíam, se alteravam e se desfaziam.

Se se analisar a forma como certas inovações foram lançadas em Portugal e em outros países com que se conseguiu confrontar alguma informação, podem-se retirar conclusões e recomendações:
- Procurar que o objecto da inovação seja tanto quanto possível o mesmo do início ao fim do tempo de observação ou, sendo diferente, que as alterações sejam devidamente consideradas, enquadradas e justificadas;
- Assegurar que, para além da avaliação e acompanhamento realizados pelos serviços que promovem a inovação, haja outra feita por entidades externas, por exemplo um serviço de Inspecção, se for essa a sua função (como é o caso do OFSTED no Reino Unido), mas também por instituições do ensino superior com esta vocação;
- Garantir que a informação de base a utilizar seja integrada ou integrável e, sobretudo, que não esqueça os custos envolvidos e que, tanto quanto possível, seja do mesmo tipo da que existe para a totalidade das escolas e alunos para permitir análises comparativas. É interessante ver, por exemplo, o esforço feito pelos serviços do Ministério da Educação francês para, a partir da crítica de alguns centros de investigação universitários, organizar, ainda que já no decurso avançado do processo ZEP, um sistema mais credível de acompanhamento que, nomeadamente, passou a permitir a análise da evolução dos mesmos alunos ao longo dos anos.
Estudos empíricos de economia da educação

Os estudos empíricos de economia da educação são essenciais para a monitorização dos processos utilizados e para avaliação dos resultados das medidas de política empreendidas, sempre que se pretender assegurar uma efectiva melhoria do desempenho do sistema educativo, utilizando melhor os recursos de que se dispõe. O desenvolvimento desta área de investigação tem sido significativa, pelo que existem hoje várias revistas científicas dedicadas apenas a este tema[2].

Caso exista informação consistente disponível, é possível analisar o processo educativo como uma relação entre recursos escolares e estudantis, por um lado, e resultados, por outro. E é também possível analisar o eventual valor acrescentado das experiências de inovação educativa.

Os estudos empíricos de economia da educação, se sustentados em informação pertinente ao nível dos alunos e das escolas, permitem importantes conclusões que se podem retirar a partir da monitorização de uma reforma ou de um programa de inovação, ou mesmo da vida regular de um sistema educativo estabilizado.

Confirma-se, pois, que há trabalho de uma enorme relevância que é possível fazer, assegurando que, para além das úteis e necessárias análises qualitativas dos resultados, outras se fazem e que ultrapassam o mero reconhecimento da eventual diminuição ou aumento do insucesso e do abandono escolar. Podem relacionar-se estes resultados e os níveis do desempenho dos alunos com os recursos afectados e com as condições socioeconómicas do estudante, o que torna possível decidir quanto à alocação de verbas e à aplicação de medidas que propiciem maior equidade e eficiência no funcionamento do sistema.

O domínio destas matérias exige uma continuidade de investigação de acordo com linhas que neste estudo se procuraram enunciar e desenvolver. Espera-se a sua utilidade a três níveis, (i) antes de serem tomadas decisões políticas importantes, (ii) antes de serem estabelecidas as prioridades de investigação em matéria de educação e (iii) antes de serem divulgadas notícias pelos comunicadores e fazedores de opinião, muitas vezes com ligeireza e sensacionalismo.
Equidade e eficiência: antagonismo ou complementaridade?
Apesar da limitação da informação existente, o tratamento preliminar dos dados disponibilizados sobre os TEIP sugere a possibilidade de melhorar a eficiência e a equidade do sistema educativo através de uma melhor reafectação dos recursos disponíveis do que aquela que foi praticada.

O que parece importante na definição de estratégias e políticas educativas é que a busca de maior equidade não seja justificação para a ineficiência, nem que a procura de eficiência justifique a iniquidade. Ora isto não é tarefa fácil! Os dois objectivos têm de ser analisados em continuidade e permanência para que possa haver uma melhoria de ambos. Tudo leva a crer que ainda se está longe da “fronteira de eficiência” em que seria necessário optar por mais equidade, sacrificando alguma eficiência, ou o reverso.

As despesas com a educação em Portugal, primordialmente públicas, são avultadas em percentagem do PIB. Gasta-se, por aluno do ensino básico ou secundário, apenas um pouco menos do que a média dos países da OCDE e possui-se um elevado número de professores, de que resulta um baixo rácio aluno/professor.

No entanto, os resultados deste esforço financeiro não são animadores. A escolarização progrediu de forma notável e o número médio de anos de escolaridade da população adulta registou um elevado aumento. Contudo, o fraco nível de instrução da população portuguesa continua ainda a ser um obstáculo ao pleno desenvolvimento económico e social do País. O abandono precoce do sistema escolar é ainda demasiado elevado em muitas regiões do País e os níveis de desempenho dos nossos estudantes em estudos internacionais são medíocres. A dispersão e a diversidade de resultados entre escolas e entre regiões do País são outra das constatações que deve preocupar os portugueses.

De entre as causas mais profundas da ineficiência do sistema educativo, deve ser salientada uma importante inércia, que urge alterar. A melhor educação dos jovens de hoje resultará em pais mais educados amanhã e em melhores resultados e mais eficiência do sistema no futuro.

A resposta à questão que se colocou desde o início deste estudo é que pode e deve haver complementaridade entre equidade e eficiência e, se esse constituir um desígnio nacional, deve desenvolver-se um sistema de informação que permita monitorizar a evolução de indicadores que traduzam esse duplo objectivo.


*Síntese das Conclusões do Relatório ”Equidade e Eficiência no Sistema Educativo: Antagonismo ou Complementaridade?”, realizado, em 2006, por Maria José Rau, Miguel St. Aubyn, Paulo Trigo Pereira, Rita Veiga da Cunha


[1] Os resultados das provas de aferição são relevantes sobretudo pela consideração de todas as distribuições de resultados, mais do que por indicadores simplistas como a média ou a mediana que podem variar apenas com o grau de dificuldade da prova.
[2] Entre outros, merece destaque a Economics of Education Review.

*Publicado no Jornal de Letras - Educação

Comments: Enviar um comentário

<< Home