Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

21.9.06
 
O MARKETING E A EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA
Ou:

Da necessidade de sermos (nós e as crianças) “consumidores” esclarecidos


Estamos no “arranque” do novo ano lectivo. As caixas de correio (mesmo com avisos de “publicidade não, obrigado!”) enchem-se de panfletos, os nossos endereços electrónicos são invadidos por propostas aliciantes, as promoções são muitas, em qualquer loja onde me desloque perguntam se tenho “cartão de cliente” e enumeram-me vantagens sem fim em me “fidelizar” . Antes de férias, vi, nas “grandes superfícies”, escaparates com uma variedade enorme de livros de fichas para… “trabalhos de férias” para as crianças, mesmo para as mais pequenas… para quê? “escolarizar” ainda mais a entrada no jardim de infância? E o direito inalienável da criança… BRINCAR, consagrado na Convenção dos Direitos da Criança?
Entretanto, continuamos a ser um dos países europeus que menos lê, que menos compra livros, considerados um produto “quase” de luxo, que menos entende a matemática como forma de organizar a vida, de resolver problemas e de estruturar o pensamento. Esta contradição confrange-me.
Ouvi há dias o Manuel Jacinto Sarmento, numa das suas brilhantes análises sociológicas sobre a infância, falar no “mercado de serviços” para as crianças, no “franchising” de produtos para as crianças, no mercado de materiais didácticos” para os jardins de infância, nos processos de “marketing” que invadem as mentes das crianças e as bolsas dos seus pais. Lembro a quantidade de materiais didácticos que começaram a surgir no mercado desde que, em 1997, se publicaram as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, muitos – tenho a obrigação moral de o dizer publicamente! – de muita fraca qualidade e adulterando os princípios pedagógicos subjacentes a esse documento orientador. Habituei-me desde sempre, como educadora, a trabalhar com materiais e recursos limitados, investindo sobretudo em materiais que possibilitassem a expressão livre das crianças. Compreendo que os tempos são outros. Mas tenho consciência quanto hoje é mais difícil para os educadores fazerem escolhas esclarecidas e responsáveis e de como, eventualmente, serão as próprias famílias a perguntar, no arranque do ano lectivo, qual é o “manual” para os 5-6 anos ou a colecção de “fichas” que devem comprar....
Como formadora de futuros educadores tenho consciência de que a minha instituição deve informar e formar os estudantes nessa matéria, chamando a atenção para a estética dos materiais, para a sua correcção em termos de multiculturalidade ou na não promoção de estereotipos de género. Não me parece que isso baste e afirmo que, numa lógica de “prestação de serviços à comunidade”, temos que ajudar os educadores de infância a fazerem selecções criteriosas dos materiais que colocam nos seus jardins de infância e, decorrentemente, dos modelos explícitos e implícitos que passam às crianças e às suas famílias. Com o Manuel Jacinto Sarmento afirmo “lógicas de acção que recusem a dominação” e “lógicas de acção que afirmem os Direitos da Criança” e promovam “uma concepção alternativa de uma cidadania da infância” nos tempos que são os de hoje. Uma cidadania esclarecida, que faça escolhas conscientes, que não deixe poluir a ética e a estética das suas vidas com produtos que não serão os de… primeira necessidade!

Teresa Vasconcelos
Setembro de 2006

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