Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

21.2.08
 
Escolas Superiores de Educação: VIDA E MORTE (?) DE UM PROJECTO NACIONAL
Ana Maria Bettencourt* e Teresa Vasconcelos**



Se pretendemos criar nichos de excelência no ensino superior, a formação de professores e educadores deveria ser considerada uma área estratégica de grande investimento. Enquanto alguns países tentam criar sistemas de apoio à formação de professores para um desenvolvimento educativo sustentado, em Portugal desinstala-se a capacidade desenvolvida pela rede de Escolas Superiores de Educação (ESE) públicas.



Com uma distribuição ao nível das capitais de distrito, enquanto instituições destinadas a formar professores e outros agentes educativos, esta rede foi criada em 1979. Tinha como objectivo contribuir para a generalização da escolaridade obrigatória, então de seis anos e promover a formação contínua, contribuindo para a melhoria da qualidade da educação. Previa-se também a sua intervenção ao nível da formação de agentes para a alfabetização de adultos e para a animação cultural no desenvolvimento da investigação educacional aplicada. A grande justificação para este projecto inovador era uma missão institucional clara: contribuir para o desenvolvimento educativo do país, através de uma formação necessariamente enraizada na prática profissional, “artesanal ”, em estreita articulação com as escolas onde essa mesma prática se realizaria, construindo dinâmicas de formação integradoras da formação inicial, contínua e especializada, ou mesmo, graduada.





Tratava-se de um modelo alternativo à formação de professores tradicionalmente praticada nas universidades, onde o “estágio” aparece no final, enquanto forma de “aplicar” o que se havia aprendido nos anos de formação teórica. Modelo posto em causa no início dos anos 70.



Como diz Maria do Céu Roldão no seu texto, o professor não é apenas aquele que ensina, mas aquele que “sabe ensinar”. E este “aprender a aprender a ensinar”, não se faz apenas com uma formação marcadamente teórica, faz-se em contextos educativos diversificados. Era este o caminho das ESE. O Decreto-Lei 43/2007 de 22 de Fevereiro, veio colocar ainda mais num “colete de forças” aquilo que poderia ter sido um conceito inovador de formação de professores.



Algumas razões estiveram na origem do quase desaparecimento de missões essenciais ao desenvolvimento educativo do país. Entre elas as regras de financiamento do ensino superior contemplando exclusivamente a formação inicial e também a insinuação progressiva do modelo universitário. E, no entanto, a imagem positiva das ESE ficou marcada por processos inovadores no domínio da formação de professores, quer através da inserção progressiva na prática pedagógica, quer através de projectos de apoio ao desenvolvimento educativo em Portugal e nos PALOP. É frequente surgirem pedidos de informação de países europeus e africanos sobre as nossas ESE.



A diminuição de candidatos ao ensino superior e o aparecimento das escolas de formação de professores privadas (sem se pautarem pelas mesmas regras das públicas), vieram contribuir para saturar o mercado da formação inicial de professores conduzindo a alguns processos de deriva institucional para novas formações para as quais as ESE não estavam especialmente qualificadas, com prejuízo da formação contínua, do apoio à inovação e do desenvolvimento da investigação em educação. Com algumas excepções e mesmo que estes percursos correspondam a necessidades regionais, este caminho de sobrevivência, não terá sido, na maioria dos casos, o mais adequado para dignificar o projecto das ESE.
Teriam as razões que justificaram a criação das ESE desaparecido? Podia o país dispensar uma rede regional de apoio ao desenvolvimento educativo? Os Centros de Formação de Associações de Escolas desempenham esse papel? Que viabilidade existe hoje para as ESE?



A solução deveria ser a avaliação e correcção das disfunções e a reconversão para a formação contínua de uma parte da capacidade instalada, uma formação em contexto como instrumento de melhoria das práticas e resultados escolares. A formação de professores é o instrumento por excelência das reformas, a falta de alunos da formação inicial, não pode ser razão para se desviar as escolas de formação dos seus objectivos, até porque o país precisa ainda de muitos formadores, atendendo designadamente à dimensão das necessidades de qualificação dos adultos. A criação de cursos em que as escolas nunca poderão ser excelentes por falta de massa crítica é um erro histórico que pagaremos caro. Seria necessária a criação de uma equipa que coordenasse o trabalho dos dois ministérios que tutelam a área. Tal como a saúde, que mereceu um grupo de missão e um trabalho de estudo e planeamento, a formação de professores necessitaria de um trabalho de coordenação forte: uma reforma da formação de professores. Ainda estaremos a tempo?

*Professora Coordenadora na Escola Superior de Educação de Setúbal


**Professora Coordenadora na Escola Superior de Educação de Lisboa





Publicado no Jornal de Letras - Educação em Fevereiro de 2008

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