Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

19.2.08
 
OUTRA MANEIRA DE PENSAR
A Formação de Professores de Língua Portuguesa e o Programa Nacional de Ensino do Português no 1º ciclo do Ensino Básico (PNEP [1])

Luísa Álvares Pereira*

1 – A questão da formação de professores de Português no 1º ciclo do Ensino Básico adquire uma relevância estratégica inquestionável, resultante quer da importância da educação linguística nos primeiros anos de vida, quer do reconhecimento de que os sistemas de formação de professores não têm desempenhado, até agora, um papel determinante na estruturação de práticas profissionais inovadoras e relevantes para o processo de aprendizagem.

A investigação realizada neste domínio tem assinalado um conjunto de tendências negativas, de entre as quais importa destacar:

i) as dificuldades dos formadores relacionarem e articularem perspectivas teóricas com as práticas pedagógicas;

ii) a pouca relevância da informação teórica disponibilizada aos (futuros) professores;

iii) a exterioridade da formação relativamente aos professores e aos seus contextos de trabalho;

iv) a predominância de uma racionalidade técnica na organização da formação, inibindo a sua regulação pela própria prática profissional.

2- O modelo de formação estabelecido pelo Programa Nacional de Ensino do Português no 1º ciclo do Ensino Básico (PNEP) teve em conta tais tendências na definição dos seus referenciais estruturadores.

Assim, o PNEP realça a importância da formação dos professores se centrar, ao mesmo tempo, na escola e na sala de aula, dando particular ênfase às dimensões cognitivas do trabalho pedagógico e ao processo de conceptualização a partir de (actividades) práticas.

Deste modo, privilegia-se como modalidade formativa a oficina de formação em articulação com o apoio tutorial na sala do professor/formando. Este trabalho é assegurado por formadores residentes que mantêm, simultaneamente, uma relação com o seu contexto de trabalho e com a Instituição de Ensino Superior, responsável pela sua formação permanente.

Esta dupla vinculação dos formadores, se, por um lado, os permeabiliza aos problemas da prática pedagógica, facilita, por outro lado, que os possam equacionar, introduzindo novas facetas e novas formas de tematização.

Espera-se que este trabalho formativo desenvolva entre os participantes uma cultura de colaboração, capaz de induzir e fixar no terreno estruturas mais ou menos formalizadas e que possibilitem a continuidade do processo (auto) formativo dos intervenientes.

Este programa de formação define-se em torno de um núcleo duro de temáticas (desenvolvimento da linguagem oral; o ensino da leitura; o ensino da expressão escrita; a utilização do computador como recurso de aprendizagem da língua por adultos e por crianças), temáticas estas que incorporam os resultados da investigação científica que se desenvolve em vários campos do saber que tratam da linguagem -, e sobre as quais estão a ser elaboradas brochuras e outros materiais de apoio, no sentido de criar uma cultura comum de conteúdos essenciais à formação de profissionais do desenvolvimento linguístico e literário na infância.
Tenta-se, assim, evitar a deriva de uma selecção das disciplinas da formação que só muito remotamente se reportam à prática profissional, lógica que sabemos presidir a muitos currículos da formação inicial. Aliás, constitui um dos objectivos deste programa “contagiar” a formação inicial de professores de modo a que a esta seja alimentada pela investigação e desenvolvida em estreita relação com a formação contínua, especializada e pós-graduada em áreas relevantes para a finalidade em questão.

É importante sublinhar que todos os protagonistas nesta formação se encontram, em algum momento do processo, no estatuto de formandos, seja a equipa de Coordenação (Nacional e Regional), os formadores residentes e, obviamente, os “formandos”. Esta formação em rede constitui um dos pilares fundamentais deste modelo e assegura a necessária continuidade de temáticas e problemáticas. Daí que no ano de 2006/2007 se tenha dado prioridade à formação de formadores, quer através do estabelecimento de coordenadas comuns entre as equipas das instituições de ensino superior ligadas ao desenvolvimento do Programa (Outubro de 2006 a Janeiro de 2007), quer através da formação do primeiro grupo de formadores residentes que em 2007/2008 iniciou o programa de formação contínua nas Escolas/Agrupamentos do 1º ciclo.

Pretende-se, ainda, que na regulação do programa, a análise das aprendizagens dos alunos desempenhe um papel estruturante e que estas sejam articuladas com o desenvolvimento de estratégias de ensino da língua.

O PNEP assume, assim, que as dificuldades de aprendizagem das crianças da “escola primária” não podem ser separadas das dificuldades de ensino e que estas, por sua vez, não podem ser desconectadas dos modos de formar os professores de Português no 1º ciclo do ensino básico.

*Professora Auxiliar do Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa/Universidade de Aveiro e Membro da CNA (Comissão Nacional de Coordenação e Acompanhamento) do PNEP


[1] A Comissão Nacional de Coordenação e Acompanhamento do PNEP é coordenada pela Professora Inês Sim-Sim (Escola Superior de Educação de Lisboa).

Publicado no Jornal de Letras - Educação em Fevereiro de 2008

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