Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

11.9.08
 
A SEGURANÇA NO MUNDO DIGITAL
Teresa Gaspar*


Um pouco por todo o lado e da parte de pais, educadores e autoridades, crescem as preocupações com os malefícios que podem advir para as crianças do acesso a conteúdos potencialmente perigosos para a sua segurança e bem-estar, dada a massificação absoluta das novas tecnologias.

No sentido de prevenir os potenciais riscos, o governo inglês acaba de aprovar um Plano de Acção para melhorar a segurança das crianças na Internet, na sequência da apresentação do relatório do estudo realizado por Tanya Byron[1], conhecida psicóloga especializada em problemas de desenvolvimento da criança e do adolescente. O estudo foi encomendado pelo governo no sentido de conhecer com objectividade os riscos do contacto com material inapropriado e prejudicial difundido na Internet e em jogos de vídeo, avaliar a eficácia das medidas de prevenção existentes e ajudar os pais a perceberem e a gerirem melhor a vulnerabilidade dos seus filhos no mundo digital. Pelo interesse de que se reveste a investigação realizada, as recomendações que foram formuladas e os compromissos assumidos pelas autoridades inglesas para tornar mais segura para as crianças e os jovens a utilização da Internet e dos jogos de vídeo, apresentamos uma síntese do relatório Byron e das linhas de acção que as autoridades inglesas se comprometem a desenvolver.

A investigação de Tanya Byron centra-se na relação que as crianças e jovens estabelecem com as novas tecnologias e vai procurar identificar as probabilidades de risco que existem em diferentes circunstâncias, de acordo com o estádio de desenvolvimento em que estas se encontram. Reconhecendo o enorme potencial de diversão, aprendizagem e desenvolvimento da navegação na Internet ou dos jogos de computador, a investigadora assume também que as crianças se encontram muito desprotegidas e os próprios pais têm grande dificuldade em acompanhar a facilidade com que as crianças aprendem a jogar jogos ou a explorar as múltiplas possibilidades da Internet. Daí que o seu ponto de partida para a observação e recolha de dados tenha sido o de procurar encontrar um equilíbrio entre a liberdade da criança correr riscos, condição inerente ao seu próprio desenvolvimento, e a garantia de que sabe defender-se e pode utilizar de maneira segura e informada as novas tecnologias.

A recolha de dados baseou-se nas respostas de crianças a um questionário, 75% das quais com idades compreendidas entre os 8 e os 15 anos, e nos resultados de inquéritos dirigidos a empresas e instituições do sector das novas tecnologias, a profissionais que trabalham com crianças e jovens, a pais, investigadores e a responsáveis de um certo número de instituições públicas. Para além disso, foi feita a revisão de toda a literatura científica existente sobre o impacto dos media no desenvolvimento da criança, bem como foi analisado material da chamada área cinzenta, isto é, jogos de vídeo classificados para menores de 18 anos e uma enorme variedade de conteúdos existentes on-line que, embora legais, pudessem representar riscos para as crianças.

Para identificar esses riscos, a autora relacionou as etapas de desenvolvimento da criança e os processos característicos de cada idade com o desenvolvimento do córtex frontal na infância, cuja actividade é essencial na mediação da experiência e do comportamento. São estes os referenciais com que vai defender a revisão dos sistemas de classificação dos jogos e alertar para as condições em que a navegação das crianças na Internet pode apresentar riscos. A sua perspectiva é essencialmente globalizante e centra-se no modo como podemos ajudar as crianças a gerir os riscos a que estão expostas, da mesma maneira que as ensinamos a atravessar a rua em etapas sucessivas, primeiro dando a mão e ensinando a simbologia dos sinais, depois atravessando lado a lado, a fase seguinte em que as deixamos atravessar sozinhas mas as observamos à distância, até ao momento em que ficam entregues a si mesmas. É neste envolvimento que as crianças aprendem os diferentes códigos, reconhecem os comportamentos dos outros e aprendem a defender-se dos riscos.

Quanto à classificação dos riscos em termos de conteúdo, facilidade de contacto e influência no comportamento, Tanya Byron adopta o modelo proposto no projecto EU Kids On-line. Os dados obtidos mostraram que há uma crescente exposição das crianças e jovens a conteúdos sexualmente inapropriados, a atitudes e ideias negativas, a conflitualidades (cyberbullying) e acesso a sites cujos conteúdos promovem comportamentos prejudiciais. Por outro lado, a investigação tem mostrado que dada a natureza da Internet – anonimato, omnipresença e potencial de comunicação –, o comportamento das pessoas tende a ser diferente quando estão na rede e o seu código de valores morais altera-se, situação que se agrava nas crianças e jovens, numa idade em que ainda estão a interiorizar as regras sociais e não possuem capacidade de interpretar e avaliar criticamente a informação ou de perceberem como se devem comportar on-line. Quanto aos jogos de vídeo, sabe-se que a excitação provocada por alguns jogos pode gerar sintomas de stress nas crianças, as suas percepções sobre o mundo real podem ser afectadas pela dificuldade em distinguir entre os factos e a ficção e, ainda, a natureza interactiva dos jogos pode ter um efeito mais profundo que o de filmes, por exemplo, pois a criança aprende fazendo, num constante movimento de estímulo-resposta.

Para a prevenção destes riscos, a autora recomenda a adopção de uma estratégia nacional organizada em torno de três objectivos: reduzir a existência de material inapropriado e prejudicial nos sites mais vistos da Internet, o que terá de ter a colaboração da indústria; restringir o acesso das crianças, implicando mais os pais no modo como controlam e gerem o acesso dos seus filhos a esse material; e melhorar a capacidade das crianças parnsão e melhorar o controlo dos pais sobre as idades aconselhadas para os mesmos.


*Assessora do Conselho Nacional de Educaçãoa navegarem de forma mais segura, desenvolvendo a sua consciência dos riscos.

O governo inglês aceitou todas as recomendações feitas no Relatório Byron e lançou, no passado mês de Junho, um Plano de Acção para a sua concretização. Entre outras medidas, prevê-se a criação dum Conselho para a Segurança da Criança na Internet onde estarão representados todos os sectores directamente envolvidos, desde a indústria, aos pais e à educação, uma melhor regulação do sector das novas tecnologias, acções de informação do público e consciencialização das medidas de e-safety, maior intervenção educativa junto das crianças e das suas famílias, revisão do sistema de classificação de jogos de vídeo e melhor esclarecimento das famílias sobre a adequação dos mesmos.
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A título de exemplo, para a regulação do sector prevê-se que a indústria possa desenvolver, de forma independente e voluntária, um código de boas práticas que modere o acesso a conteúdos, fixe os limites de busca na Internet e permita introduzir nos computadores vendidos para uso doméstico um controlo de software por parte dos pais. Quanto aos jogos de vídeo será feita a alteração do sistema de classificação, tornando-o mais acessível aos pais e serão dadas orientações claras à indústria de produção sobre o modo de fazer publicidade aos jogos, prevendo-se ainda a criação de estímulos para acções que visem aumentar a compree


[1] Safer Children in a Digital World. Byron Review Children and New Technologies. Londres, 2008. www.dfes.gov.uk/byronreview/


Publicado no Jornal de Letras - Educação Agosto de 2008

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