Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

10.9.08
 
O TUDO QUE AFINAL É NADA
Uma breve nota a propósito do Despacho n.º 19308/2008

Maria José Rau*


1 - A SEQUENCIALIDADE ENTRE OS CICLOS DO ENSINO BÁSICO

A falta de coerência entre os três ciclos do ensino básico, em especial entre o primeiro e o segundo, é uma das dificuldades/singularidades do nosso sistema educativo que há muito se identificou, há muito se pretende alterar e há muito que não se consegue combater com sucesso. O mais meritório dos esforços terá sido a Lei de Bases do Sistema Educativa do 1986.
Ao ouvir a notícia de que o Ministério da Educação ia procurar finalmente organizar o ensino básico "tal como preconizado pela Lei de Bases do Sistema Educativo Português" no que respeita a esta urgência de sequencialidade e coerência, vários terão exultado. Outros tantos ou mais terão duvidado quando se aperceberam que esse "arrumar de casa" ia ser feito através de um despacho "abrangente", mais desconfiaram ainda quando viram a dimensão e falta de clareza e concisão do referido despacho. Será que afinal algo que tem sido sucessiva e reiteradamente tão difícil, se ia facilmente resolver (ou resolvendo) através de um despacho?


2 - OS ESPAÇOS DE AUTOMOMIA DAS ESCOLAS

Para promover essa sequencialidade e coerência o despacho pretende que também se faça uso das ACND (áreas curriculares não disciplinares) que "constituem espaços de autonomia curricular da escola e dos professores". E já que são de autonomia e temendo que as escolas não os saibam utilizar de forma adequada, o despacho bondosamente sugere orientações, propõe deveres, faz recomendações e manifesta preocupações.

3. SOMOS TODOS BEM-AVENTURADOS

As escolas e os professores que, não se sabe bem porquê, nunca quiserem/conseguiram cumprir o que estabelece a LBSE, irão por certo ouvir e pôr em prática o que estabelece este despacho embora fique bem claro que, com pés de lã, ele apenas sugere, com toda a precaução que se faça "sempre que possível", que se assegure "preferencialmente, que se "possa" integrar, que se realize "quando necessário"!

Todos fomos objectos e até talvez sujeitos de despachos deste tipo, bondosos nas suas intenções, previsivelmente ineficazes nos efeitos pretendidos, mas sobretudo prolixos, complexos e até contraditórios com outras orientações que se expressam e outras práticas que se mantêm: espaços de autonomia que se oferecem e a todo o momento se retiram, resultados que se gostariam de ter mas que apenas se sugerem, condições de exequibilidade que constituem pressupostas mas que se não criam.

Mas nada nos tira a fé de que lá chegaremos por esta via!

4 - A AVALIAÇÃO

A exigência de uma avaliação através de relatórios descritivos não deixa de constar do despacho, no final do ano e através de sucessivos patamares de avaliação (escola, direcção regional, direcção geral). Os critérios, processos e indicadores a construir são inexistentes o que prefigura um relatório final maciço mas provavelmente inútil.

Ora se algum efeito ainda se acredita que venha a ter este despacho só a avaliação criteriosa dos seus resultados o pode confirmar. Para isso é imprescindível que desde o início se desenhe a avaliação que se pretende fazer e se recolham os dados imprescindíveis a um posterior tratamento que interesse e seja significativo para mudanças mais sólidas que se pretendam fazer..

É por essa avaliação que ficamos à espera.

* Técnica de Educação

Publicado no Jornal de Letras - Educação Julho 2008

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