Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

10.7.07
 
Pelos Estados Gerais da Filosofia
Celestino Froes David e João Santos*

Os números não mostram que a ‘filosofia dos liceus’ esteja em declínio:
. Há 30 anos, a taxa real de escolarização no ensino secundário (nº de alunos /nº de portugueses na faixa etária correspondente) era de 8,9%;
. Há 30 anos, na melhor das hipóteses, cada um dos 9 em 100 portugueses, entre os 15 e os 17 anos, que frequentavam o ensino secundário estudava Filosofia durante um único ano lectivo;
. Em 1999-2000 frequentavam o ensino secundário 331 mil alunos (a esmagadora maioria dos quais no ensino diurno), sendo a disciplina de Introdução à Filosofia obrigatória nos 10º e 11º anos e Filosofia opcional no 12º ano;
. As escolas de ensino superior resistiram longamente à fixação de nota mínima positiva (9,5 ou +) para ingresso, parecendo, em boa medida, indiscriminada a eleição das disciplinas específicas;
. Em 2004-5, a taxa real de escolarização no secundário era de 59,8% e a esmagadora maioria dos alunos frequentava cursos com oferta obrigatória de Filosofia ao longo de dois anos;
. Com a entrada em vigor do dispositivo curricular criado pelo DL 74/04, a carga lectiva semanal da disciplina de Filosofia cresceu de três para 4 tempos, nos dois anos em que é obrigatoriamente estudada, na componente de formação geral dos cursos de ensino secundário geral e tecnológico.
E no entanto,
- No ensino secundário, nunca foi explorada, com a indispensável determinação, a hipótese de uma disciplina de filosofia trianual com uma inteiramente diferente repartição das matérias, ponderados a diferente natureza dos cursos e o nível etário dos alunos;
- Também não tem havido disposição para discutir, serena e longamente, o estatuto e os recursos da filosofia, tanto no conjunto das formações secundárias (e não só nos cursos gerais e tecnológicos) como na formação inicial e contínua de adultos (nomeadamente nas profissões da justiça, da educação e da cultura);
- Finalmente, também não é geralmente discutida a questão das opções profissionais para os jovens licenciados e mestres sem vocação ou colocação no ensino;
Por isso, justifica-se, a nosso ver, apelar a um grande debate sobre as condições e os objectivos do ensino da filosofia e do trabalho filosófico em geral. Lembramo-nos dos anos, já longínquos, em que líamos as actas dos encontros do GREPH (Groupe de recherches sur l’ enseignement philosophique), nomeadamente as relativas aos Estados Gerais de 1979;
Parece-nos que vai sendo tempo de reunir os professores e os professores de professores e os filósofos para, num clima de abertura e genuína vontade de partilhar experiências e perplexidades, darmos expressão concreta, mais uma vez, à declaração de Jankélévitz na sessão de 16 de Junho de 1979:
«[A] função [da filosofia] é contestar, mas o seu destino é ser contestada; é portanto necessário reconquistá-la incessantemente, e sobretudo merecê-la.»

*Professores do Ensino Secundário

Publicado no Jornal de Letras - Educação Junho 2007

Comments: Enviar um comentário

<< Home