Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

28.2.05
 
A esquerda ganhou as eleições... e agora?
O discurso sobre a “tanga”, a que nos habituaram nos últimos três anos em matéria de educação, associou abusivamente esquerda, desperdício, falta de exigência e falta de autoridade. A memória é curta e esquece-se muitas vezes os mais de trinta por cento de analfabetos que tínhamos na década de setenta e os progressos realizados desde então. Esquece-se que a autoridade com que tantos ainda sonham era indigna da democracia. Visava a formação de cidadãos passivos e acríticos.
É certo que há muitos problemas por resolver, mesmo muitos problemas, é certo que muitas escolas não cumprem os objectivos estabelecidos para a educação e não têm estratégias para avaliar os seus desempenhos e corrigir os seus erros.
Mas afinal em que se têm traduzido as políticas socialistas em matéria de educação? Serão essas políticas responsáveis pelos nossos problemas?

Destacarei duas apostas da esquerda sem pretender desvalorizar outras alterações introduzidas nos currículos e na gestão:

-O investimento nas pessoas
Se virmos por essa Europa fora, foi a esquerda que primeiro assumiu a prioridade na educação. As social-democracias dos países nórdicos investiram fortemente na educação e retiraram frutos muito positivos. Só bastante mais tarde a direita entendeu que aquilo que designava por gasto devia ser considerado um investimento, essencial ao futuro das pessoas e dos países. Felizmente a Europa em uníssono defende hoje a estratégia de Lisboa com relevo para a educação. Os socialistas portugueses também assumiram esta prioridade. Falharam na racionalização de recursos e na avaliação dos resultados.
Nos debates a que assistimos entre nós, o tema dos “gastos” tem ganho terreno. É importante repensar objectivos e metas mas o investimento na educação nunca é um desperdício.

-O combate pela integração educativa e social
É de destacar como apostas socialistas a educação pré-escolar e o combate ao abandono e insucesso escolar designadamente com adopção de processos de discriminação positiva, em geral marcas da esquerda. A educação de adultos, igualmente bandeira de muitos governos de esquerda, tem sido adiada entre nós. Valeria a pena contudo conhecer melhor o que de bom se fez neste sector, designadamente no que diz respeito ao reconhecimento e validação de competências.
O pré-escolar foi uma aposta de êxito dos socialistas portugueses, quer pela democratização do acesso verificada, quer pela criação de instrumentos de qualificação da sua rede.
Infelizmente os projectos de discriminação positiva criados, com inegáveis frutos em muitas situações educativas, escolas e territórios, não foram consistentemente apoiados e avaliados. Quantos abandonos da escola obrigatória se evitaram? Quantos alunos beneficiaram de uma melhor escolaridade com estes projectos? Por mim, conheci muitos e tenho a certeza de que muitos mais existem. Mas é pena que não se estudem e divulguem de forma mais sistemática e rigorosa os resultados obtidos.

Não podemos continuar como estamos: cada dia que passa, há crianças e jovens que abandonam a escola sem qualquer qualificação e o país fica muito mais pobre.
Ana Maria Bettencourt
* Publicado no jornal A Capital a 26 de Fevereiro
Comentários inquietacoes_pedagogicas@hotmail.com

Comments: Enviar um comentário

<< Home