Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

11.2.05
 
Os mais pequenos e a sua educação*
Encontrei ontem a Marta e o João. Ainda bem que a encontramos: não sabemos onde havemos de ir bater à porta. A nossa filha Beatriz tem três anos e no Jardim-de-infância público aqui ao pé de casa respondem-nos que só têm vagas para as crianças de cinco anos, a quem devem dar prioridade. E parece que depois das 3 ou 4 horas teríamos que pagar para a criança ficar lá em prolongamento ou regime de tempos livres Onde vamos pôr a miúda? Acabamos a conversa à volta de uns cafés na pastelaria mais próxima. E da questão familiar concreta e restrita, passou-se rapidamente para a troca de impressões sobre a educação de infância e as políticas públicas neste sector.
Depois de vários anos de total desinvestimento governamental na educação pré-escolar, quando na anterior legislatura tinha sido feito um esforço eficaz para dotar esta área de reformas estruturais e legais sem precedentes, vale a pena trazê-la de novo para o debate público. Deixo aqui uma breve análise dos Programas Eleitorais dos diferentes partidos no domínio da educação, concretamente ao modo como perspectivam a educação das crianças pequenas.

O P.C.P. propõe a expansão do sistema público de educação pré-escolar, (…) garantindo a frequência universal, gratuita e obrigatória no ano que precede o ingresso das crianças no ensino básico, bem como a criação de condições para a universalidade da frequência a partir dos 3 anos e garantindo a curto prazo uma resposta de qualidade para a faixa dos 0 aos 3 anos.

O B. E. considera o Estado responsável por uma intervenção precoce contra a exclusão social, defendendo a expansão da oferta educativa de modo a garantir que todas as crianças tenham acesso à Educação para a infância a partir dos 4 anos de idade. Seja em contexto familiar, quando as famílias explicitamente fizerem essa opção, seja em contexto de instituição educativa do Estado.

O C.D.S./ P.P. propõe a continuação do desenvolvimento e consolidação da rede de ensino pré – escolar, como patamar de preparação para a entrada no ensino básico.

O P.S.D. assinala a frequência do ensino pré-escolar na fase crucial que vai dos 3 aos 5 anos de idade muito importante como factor facilitador das aprendizagens e da prevenção do insucesso escolar e propõe a generalização da educação pré-escolar, cuja rede deve cobrir toda a população até 2010.

O P. S. elege como uma das suas ambições para esta legislatura o alargamento progressivo a todas as crianças em idade adequada a educação pré-escolar e pretende atingir a meta de ter, daqui a quatro anos, 100% das crianças com cinco anos a frequentar a educação de infância.

Estas referências, retiradas da leitura dos diversos programas, revelam por um lado um certo consenso em torno da importância da educação pré-escolar (e em alguns casos exclusivamente como preventiva do insucesso escolar) e por outro lado um desigual papel atribuído ao Estado na sua implementação e regulação. Mas, o que estas citações escondem é o modo como a educação em geral e a educação da infância em particular estão perspectivadas em alguns programas. Se para alguns Partidos o programa se resume a uma listagem de medidas avulsas com alguns laivos ideológicos, para outros as medidas que se propõem tomar estão enquadradas num pensamento educativo consistente e coerente que inspiram as opções concretas e são transversais ao sistema educativo. Destacaria aqui, no caso do P.S., um parágrafo do seu programa que me parece corajoso por centrar de novo uma intenção que nos remete pêra o essencial: Mudar a maneira de conceber e organizar o sistema e os recursos educativos, colocando-nos do ponto de vista do interesse público geral e, especificamente, dos alunos e das famílias. O que determina que questões tão importantes como o recrutamento dos docentes, os tempos de funcionamento dos jardins de infância e das escolas ou a estruturação dos serviços, sejam abordados da perspectiva dos destinatários últimos do serviço público da educação, as populações.
Esta ambição, quando operacionalizada no âmbito da educação de infância, terá no mínimo consequência na organização do horário dos profissionais e na organização da componente de apoio às famílias (os tais “tempos livres” de que me falavam a Marta e o João). Mudar de perspectiva é uma exigência difícil. Supõe recursos repensados e avaliação séria do que se passa no terreno. Supõe negociação. Supõe a consciência de que há mudanças que não acontecem por decreto.
Destacaria, do mesmo modo, no programa do B.E um ponto que considero determinante na garantia da qualidade da educação de infância: Defendemos um modelo de avaliação formativa e aferidora da qualidade educativa que permita identificar debilidades e qualidades e seja promotora de uma escola de sucesso, que valoriza as boas práticas pedagógicas, ao contrário do que hoje acontece, quando o papel central da avaliação é promover a selecção e a dualidade social.
Dissiminar com rigor programas de avaliação interna e externa será uma mola para sustentar um grau de exigência desejável na intencionalidade educativa. Uma cultura de exigência não é difícil propor aos educadores. Eles sabem que são o primeiro instrumento do seu trabalho.
Então, que chegue um Governo com um programa estimulante, que respeite as famílias e os profissionais e garanta a imprescindível qualidade da educação dos mais pequenos.


Maria da Conceição Moita inquietacoes_pedagogicas@hotmail.com
*Publicado no jornal A Capital a 5 de Fevereiro de 2005

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