Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

18.2.05
 
Uma Escola em que Todos Aprendam*
Neste período de campanha eleitoral todos os partidos apresentam as suas propostas para a educação. Em termos gerais, verifica-se que todos atribuem à educação um papel crucial no desenvolvimento do país, coincidindo no diagnóstico de que os níveis de abandono e insucesso escolar são preocupantes e deverão dar origem a programas de emergência, mais ou menos concretizados nos diferentes textos programáticos. Para o PCP, "um plano de combate ao abandono e insucesso escolares" consta das 25 medidas urgentes que o partido se propõe realizar; o BE inclui no capítulo dedicado a "resolver a dívida interna e o défice" as questões da educação, definindo o objectivo global de "combater o défice do atraso com a educação" para alcançar uma "educação de massas e de qualidade". O programa do PSD quantifica as metas a alcançar, designadamente a redução da taxa de abandono escolar de 45% para 20% no período da legislatura, como um dos 10 compromissos do seu "contrato com os portugueses". Quanto ao PS, "mais e melhor educação" implica a "redução drástica do insucesso no ensino básico e do abandono na transição para o secundário", comprometendo-se a tornar obrigatória a frequência de ensino secundário ou de formação até aos 18 anos de idade.
O que nenhum dos partidos diz é como irá proceder para que todos aprendam, para que todos desenvolvam o gosto por saber mais, para que todos encontrem orientação para os seus projectos de vida. Em parte nenhuma se questiona o enorme desperdício de recursos que significa um aluno poder transitar ano após ano (frequentemente do 5º ao 9º ano de escolaridade) reprovado a Matemática ou a Inglês, sem que nada seja feito para o ajudar nas suas dificuldades. No ano seguinte, o programa será o mesmo para todos e a avaliação servirá mais uma vez para confirmar que o aluno não sabe! E o que dizer de todos aqueles que acreditaram que podiam continuar na escola, ir para o 10º ano, fazer o secundário, ganhar uma qualificação, e que de trimestre para trimestre acumulam notas negativas sem que ninguém os oriente, os ajude a estudar, a descobrir os seus próprios interesses e também a fazer escolhas acertadas?
Mas há também um outro lado das razões do abandono escolar de que raramente se fala, e que têm a ver com o chamado "nivelamento por baixo". As crianças que iniciam os seus percursos escolares cheias de entusiasmo, de desejo de aprender, que rapidamente fazem as aprendizagens que lhes são propostas, que querem saber mais, que estão cheias de curiosidade e querem trabalhar mais e ir mais além e para as quais, com lamentável frequência, a escola e os professores adoptam aquela máxima de que o ensino tem de ser igual para todos… Não me refiro a crianças sobredotadas, cujas necessidades educativas especiais requerem formas particulares de organização do processo de ensino e aprendizagem, mas àquelas crianças e jovens que, de ano para ano, vão perdendo o interesse, se vão desmotivando por falta de estímulo intelectual, por falta de alimento para a sua curiosidade, por falta de propostas que mobilizem as suas capacidades e a sua imensa energia para novas descobertas: os trabalhos de pesquisa sobre problemas que realmente lhes interessem são raros, as práticas de observação natural ou as actividades experimentais na área das ciências são esporádicas e as actividades de expressão artística, da música ao teatro ou à pintura, são praticamente inexistentes durante os nove anos de escolaridade básica. Porquê perder tempo ali, quando a vida os espera cá fora ?
Claro que quando falamos destas coisas que são o cerne do processo de ensino e aprendizagem parece que nos afastamos das questões da política educativa. Contudo, estas são verdadeiras inquietações que gostaríamos de ver contempladas nas propostas políticas da educação.

Teresa Gaspar
* Publicado no jornal A Capital a 12 de Fevereiro

Comentários: inquietacoes_pedagogicas@hotmail.com

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