Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

21.3.05
 
A aldeia lusitana e a poção mágica - a qualidade educativa revisitada*
Na expectativa do programa do XVII governo constitucional e dos eixos de orientação que ele proporá para o sector educativo, consultámos o programa eleitoral do partido socialista e aí deparámos com uma proposta especialmente merecedora de reflexão: a da estruturação de um sistema de garantia de qualidade no âmbito do ensino superior. O desígnio expresso é o de ir mais além da actual avaliação de cursos, avaliando o desempenho das instituições, que deverão, numa fase posterior, criar elas próprias os seus sistemas de “garantia de qualidade”.
Não é nossa intenção relembrar aqui os problemas do nosso sistema de ensino e as multiplas razões que justificam a criação de um sistema de regulação baseado na avaliação. Quanto a nós, tal ideia está mais do que justificada e, com as adaptações necessárias, deveria ser extensiva a todo o sistema de ensino.
O nosso propósito é chamar a atenção para as exigências de tal desiderato. Com efeito, criar um sistema de regulação assente na avaliação é uma tarefa exigente, que tem de ser politicamente perspectivada, estratégicamente planeada, prosseguida a longo prazo e atentamente monitorizada. Não se trata de um remédio milagroso ou de uma poção mágica, de efeitos imediatos e espectaculares. É sim uma terapia de longo prazo que exige trabalho, inteligência e perseverança por parte de todos os intervenientes, a todos os níveis de decisão.
A orientação política de um tal sistema de regulação deve ser democrática nos princípios organizativos e criar condições para que os processos de avaliação institucional sejam meios de aprofundamento da democracia a nível local, implicando a participação de todas as categorias de actores e, em especial dos diferentes tipos de utentes. Só dessa forma o sistema será eficaz, retirarando espaço de actuação a interesses ilegítimos instalados. Além de persistência, a gestão política do processo necessita de inteligência e coragem.
Quanto ao seu planeamento estratégico, ele deverá ser norteado pelo objectivo de pôr as instituições a desenvolver os seus próprios sistemas de auto-regulação institucional. Assim, diferentes fases terão de ser previstas no sentido de garantir a aprendizagem pelas organizações educacionais do saber-fazer relativo à auto-avaliação institutional e aos processos de negociação e monitoragem conducentes à revisão e ao aperfeiçoamento dos procedimentos internos das instituições.
Muitos países estão empenhados em processos deste teor e é possível beneficiar da sua experiência e desenvolver parcerias neste âmbito. A aldeia lusitana não está só, mas necessita de deixar de acreditar em poções mágicas, de efeitos fulgurantes, para vencer as suas fraquezas.
As terapias duradouras estão ao nosso alcance, mas exigem perseverança, em primeiro lugar ao nível da decisão política. Os profissionais da educação e os utentes estão cansados de mudanças efémeras, que duram o mesmo tempo do que o ministro da tutela. Para pedir aos intervenientes o esforço e o trabalho que uma real mudança requer, é necessário oferecer garantias, em especial, a de perseverança nas políticas de fundo. A criação de um sistema de regulação da qualidade educativa implica essa garantia, pois exige tempo e planeamento consequente, a longo prazo. Por isso perguntamos: Será que a aldeia lusitana está madura para um pacto de regime visando a qualidade educativa e para trabalhar a sério na sua concretização ou vamos continuar a acreditar em poções mágicas, adiando a resolução dos problemas?
Beatriz Bettencourt
* Publicado no jornal A Capital a 19 de Março
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