Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

29.3.05
 
A Ana e os exames:indignações e perplexidades*
Pouco tempo depois de ter deixado a minha filha na escola onde frequenta o 9º ano, recebo um telefonema dela para desabafar a sua indignação. O conselho directivo tinha proibido todas as iniciativas que implicassem sair da escola, como viagens de estudo ou de “finalistas”. A justificação era a necessidade de cumprir os programas por causa dos exames. Esta razão pode à primeira vista parecer razoável e até louvável. Mas a minha filha continuou argumentando que não havia o direito de o conselho directivo tratar os alunos de forma tão arrogante e mesmo irresponsável. Desde o início do ano que o conselho directivo sabia que a turma ia fazer uma viagem de finalistas nos últimos três dias antes das férias da Páscoa, que já tinha tudo organizado, havendo mesmo já compromissos financeiros assumidos entre os alunos e a estrutura de acolhimento. Fiquei naturalmente chocado, pois sabia o gosto e o investimento que a Ana e os seus colegas de turma tinham posto nesse projecto. A turma organizou-se como um colectivo no 8º ano para arranjar fundos para a dita visita. Para esta campanha, tiveram que desenvolver iniciativas, umas de cariz mais cultural, outras mais recreativas. Tiveram que escolher o local em função do orçamento que tinham e do princípio assumido de que a viagem deveria ser para todos e, portanto, o local a escolher teria que ser compatível com as carteiras de todos os pais. Assim, para que isto se tornasse realidade pesquisaram várias hipóteses e escolheram um local perto de Lisboa onde fosse compatível o turismo de aventura e ao mesmo tempo o desenvolvimento de actividades culturais. Naturalmente que para desenvolver este projecto tiveram que pôr em acção diversas competências, mobilizar saberes e assumir valores. Será que os exames que aí vêm asseguram uma melhor aprendizagem para o futuro? Tenho a certeza que não! Tenho a experiência de ter vivido numa escola cheia de exames na 4ª classe, no 2º ano, no 5º e no 7º ano dos liceus. Esta situação, aparentemente tão exigente, conseguiu produzir algumas elites, mas sobretudo uma população pouco escolarizada e mesmo um número considerável de analfabetos.

Mas os exames voltaram em nome do rigor e da qualidade da Escola porque alguém esqueceu a história e confundiu ignorantemente a qualidade de ensino com exames escritos. A qualidade constrói-se investindo na aprendizagem e nas suas condições de exequibilidade e não em exames e mais retenções. Interrogo-me mesmo se os exames não são um obstáculo à desejável transformação da Escola? Tomando este episódio, como exemplo, vemos que, por causa dos exames, as aprendizagens correm o risco de empobrecer, porque ficam confinadas ao que pode ser avaliado numa prova escrita. O desenvolvimento dos valores fica para segundo plano. Os exames passam a condicionar de uma forma quase subliminar a vida e o sentido da Escola. Será isto que se pretende duma Escola de qualidade? Ou será que os exames representam um regresso ao passado, porque não houve a coragem nem o engenho de reinventar uma Escola de futuro?

Jorge Pinto
*Publicado no jornal A Capital a 26 de Março de 2005
Comentários inquietacoes_pedagogicas@hotmail.com

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