Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

26.3.05
 
As Sete Virtudes da Educação
No Público de Domingo (20/3/05), António Barreto escreveu na sua coluna semanal um artigo intitulado "Sete Pecados Capitais" onde enuncia os principais erros da educação portuguesa. Aos "pecados" que aponta parece-me ser possível e de elementar justiça contrapor as virtudes que, ao longo dos últimos trinta anos, mudaram radicalmente o sistema educativo herdado do Estado Novo. A realidade educativa de hoje nada tem a ver com o passado e o caminho percorrido merece ser recordado, mesmo quando se reconhece a existência de distorções profundamente enraízadas e a necessidade de introduzir melhorias significativas no funcionamento do sistema. Eis, pois, alguns bens conquistados pela educação "ano após ano, década após década".
DEMOCRATIZAÇÃO. A igualdade de oportunidades de todos no acesso à educação é, sem dúvida, o maior dos bens conquistados na sequência da instauração do regime democrático. A expansão do ensino, que não é por si só garantia de igualdade de oportunidades de sucesso escolar, representou, de facto, a institucionalização do princípio da sua universalização, confrontando a antiga organização escolar fechada e elitista com a entrada em níveis mais elevados de educação de muitos milhares de crianças e jovens provenientes dos mais diferentes extractos sociais.
EDUCAÇÃO GERAL. O aumento dos anos de escolaridade obrigatória, que passaram a incluir a frequência do ensino secundário de primeiro nível (3º ciclo), alargou a formação geral comum de todos com resultados evidentes nos níveis de escolarização das gerações mais novas. Se tivermos em conta que a primeira geração abrangida pela decisão de aumentar a escolaridade para 9 anos apenas em 1996 os terá concluído, teremos de reconhecer o seu efeito significativo no nível de escolaridade mais elevado que o grupo de idade dos 18-24 anos já apresenta, quando ainda não se completou uma década.
REDE ESCOLAR. O alargamento da rede escolar e a sua cobertura territorial são assinaláveis. Em todos os concelhos do país existem jardins de infância, escolas básicas e secundárias, quando há trinta anos os liceus se concentravam nas capitais de distrito e a oferta de educação pré-escolar se reduzia a um pequeno número de estabelecimentos privados também eles concentrados nas grandes cidades. O ritmo de construção de escolas, a substituição de instalações degradadas, o apetrechamento com equipamentos escolares modernos (pavilhões desportivos, bibliotecas, laboratórios) têm sido uma constante do investimento público em educação, apoiado por fundos comunitários mas exigindo um esforço nacional importante.
INCLUSÃO. Importa recordar que há trinta anos o atendimento de crianças e jovens com deficiência era feito quase exclusivamente em internatos da responsabilidade da assistência social. O movimento de pais que um pouco por todo o país começou a organizar escolas que respondessem às necessidades educativas dos seus filhos, bem como a perseverante luta a favor da integração das crianças deficientes na escola regular, levou a que finalmente em 1990 se consignasse o direito à educação de todas as crianças em idade de escolaridade obrigatória. A integração de alunos que apresentam problemáticas específicas são hoje uma orientação assumida, seja no âmbito da educação especial, seja nos programas de educação intercultural ou de outros apoios educativos.
INOVAÇÃO. Ao contrário do que alguns possam pensar, as experiências pedagógicas são um factor essencial para a melhoria do sistema educativo e condição necessária para sua própria transformação. Ao longo dos anos, programas como o Minerva que visou a introdução das TIC na escola e cuja necessidade hoje ninguém discute, Educação para Todos, de prevenção ao abandono escolar através da criação de observatórios na escola sobre o percurso escolar dos alunos, ECO, projecto de ligação da escola à comunidade e de combate às escolas isoladas, Boa Esperança, destinado a incentivar e valorizar as boas práticas educativas, Ensinar é Investigar como ensaio metodológico da prática reflexiva dos professores do ensino primário, são alguns exemplos de experiências que permitiram ensaiar novas estratégias de acção, muitas delas hoje completamente absorvidas e rotinizadas no sistema.
ENSINO SUPERIOR. A explosão verificada no ensino superior com o surpreendente número de novas instituições criadas, de formações oferecidas e do número de alunos que o frequentam, é provavelmente o melhor sinal de que a educação se tornou um bem social de inquestionável valor.
EXPECTATIVAS. O que nos últimos trinta anos se consolidou na sociedade portuguesa foi a confiança na escola para ultrapassar as desigualdades sociais e promover uma melhor formação pessoal para vencer na vida. Mesmo que a distância entre as expectativas e a realidade ainda seja grande e sinuosa, ninguém duvida das virtudes da educação.

Teresa Gaspar
Comentários inquietacoes_pedagogicas@hotmail.com

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