Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

27.3.05
 
DOIS PECADOS, UMA VIRTUDE E CINCO DESAFIOS CAPITAIS*
O artigo do António Barreto esta semana no Público suscitou-me uma releitura, uma reconstrução!

Vamos então – à luz de um resistente optimismo e do programa do governo agora já aprovado – reler os sete pecados, já numa nova construção de dois pecados, uma virtude e cinco desafios:

Os dois pecados:

MODAS – Concordo. As modas são redutoras e perigosas. Mas as modas não são exclusivas da educação e sempre houve e haverá e quem sabe se não são necessárias. Mas as modas que “pecam” na educação não me parecem ser as que constam da listagem feita. Foram ou têm sido o respeito passivo pelo ritmo de cada um e a recusa da comparação ou da competição em benefício de uma auto-estima muitas vezes medíocre. Mas moda também são, actualmente, os exames, a excelência e a competitividade na escola como única ou principal forma de se assegurar o sucesso, o rigor e a exigência. Há soluções melhores e mais produtivas. Veja-se o que outros países fizeram. E não se esqueça que a “coesão social”, moda ou não, é um princípio base do estado social europeu.

DEMAGOGIA – Mais uma vez concordo. Mas se é demagogia tudo o que refere, também é outra demagogia dizer que somos os piores, os mais incompetentes e “facilitistas”. Ou, ainda, que a culpa é dos professores, dos políticos ou de querer maiores vencimentos ou melhores condições de trabalho. Porque, afinal, todos os queremos, em Portugal e em qualquer parte do mundo? E não será também demagogia singularizar demasiado o caso português e ficar-se pela superfície fácil do conhecimento das coisas.

Uma virtude:

INFORMAÇÃO – Há uma grande virtude no programa de governo para a educação, se ela se vier a verificar, que é “consolidar e disponibilizar um sistema de informação actualizado e credível, coerente e acessível”… para “todos os interessados”. É que sem isto as generalidades, as ideias vagas (em vez da memória certa) mantêm-se como apanágio das inovações, das experiências, dos grandes “veredictos opiniosos” sobre o estado da educação. E não esqueçamos que os dados disponíveis revelam um progresso efectivo no que se podem designar por indicadores quantitativos do sistema. Faltam os qualitativos porque a estes não basta mais dinheiro e esforço, é também necessário que seja alterado o modelo em que assenta a escola.

Os sete desafios (porque de virtude anunciada podem tornar-se pecado):

DINHEIRO – Concordo que corre o risco de se tornar pecado. Está provado que, a partir de um nível aceitável, não é mais dinheiro que dá melhores resultados. Em especial não o é quando se quer mais dinheiro para as mesmas coisas. Há alterações estruturais a fazer que podem custar dinheiro mas que também permitem vir a arrecadá-lo a médio e longo prazo. A reconversão de perfis e funções profissionais, o reordenamento da rede educativa, a disponibilização de equipas técnicas multidisciplinares de apoio às escolas, começando por eventuais custos, podem possibilitar mais bem-estar, menor retenção e abandono escolar, menos desperdício. Julgo que é isso que se pretende. Não menos dinheiro, mas o mesmo ou mais, mas mais bem utilizado.

PROFESSORES – Muitos países discutem agora o que se entendeu designar por “mandato” dos professores. Afinal o que é que lhes compete na sociedade europeia do século XXI quando se quer uma escola para todos e com todos? Claramente e no ensino básico, competências mais amplas e diversificadas, mais orientadas para o aluno que não deve repetir nem abandonar a escola, para as crianças e jovens que nunca são iguais e todos eles têm de ter sucesso. Uma escola que tem, até porque é obrigatória, de ser “atractiva” e como já foi “slogan” dizer “uma escola completa e a tempo inteiro”. Porque se esta é uma preocupação de muitos países europeus e se é este o debate que interessa, a situação em Portugal é mais grave.

CENTRALIZAÇÃO – É, de facto, um pecado. Mas para que a descentralização tenha condições para ser uma virtude tem de se assegurar, previamente, a avaliação das escolas e dos professores, a aferição do desempenho dos alunos, e o tal “sistema de informação actualizado e credível, coerente e acessível”. Foi este o percurso que fizeram os países com a educação “demasiado descentralizada”, é o que estão a fazer os que a estão a descentralizar. Caso contrário os riscos são muitos e os resultados podem ser desastrosos!

SISTEMA FECHADO – Esta questão precisa de mais tempo e de mais debate, mas atenção, os quartéis-generais das direcções das escolas, da administração autárquica, das universidades e centros de investigação, podem não ser mais abertos nem menos burocráticos do que o do Ministério!

GESTÃO DEMOCRÁTICA – O corporativismo e a perda do sentido de serviço público em prol do aluno, é, sem dúvida, uma das marcas negativas colada à gestão democrática. Mas a questão é muito mais ampla e complexa porque é possível – talvez não seja fácil - uma boa gestão com o actual modelo e não é só no modelo português que reside o “fechamento" e o risco do “docentocentrismo”! Noutros modelos, noutros países também há questões destas em debate!

Maria José Rau
* Publicado no jornal A Capital de 26 de Março
Comentários inquietacoes_pedagogicas@hotmail.com

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