Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

31.3.05
 
"Se não lhes transmitimos o mundo, eles vão destrui-lo"
Hanna Arendt

Nos dias de hoje, é um lugar comum e uma verdade sentida por muitos, dizer que os portugueses andam aflitos com a crise económica que lhes chega a casa, perplexos com o momento político, indignados com os escândalos das burlas e dos abusos sexuais que estão a ser julgados pela Justiça, chocados com todas as tragédias mundiais que teimam, quase todas as semanas, em acontecer, preocupados com a escolaridade e o futuro profissional dos filhos, tudo motivos para se sentirem com uma grande inquietude em relação ao que serão os próximos anos e o que o futuro lhes trará.
Perante esta aflição, esta perplexidade, esta indignação, esta preocupação que, no seu conjunto, fazem os adultos andarem irritados, sem paciência, semblante carregado, com um discurso pessimista, as crianças e os adolescentes, como andam?
As crianças , também, andam inquietas, ansiosas, por vezes, hiperactivas, por vezes sem aprenderem na escola. Os adolescentes mostram-se mais provocadores e em oposição aos adultos do que é o próprio da adolescência., não sabendo, muitos deles, com que futuro profissional sonhar, em que desafio investir, por que projectos se empenharem, porque as notas são baixas, as médias para os cursos universitários são altas, os conhecimentos que foram adquirindo na escola não se mostram ferramentas eficazes para lidar, realmente, com o dia a dia com que se deparam.
E os pais, os pais o que fazem? Os pais que, também, não fogem ao clima aflito, pessimista, semblante carregado, que reina nos adultos dos nossos dias, parecem esquecer-se que ser pai , ser mãe é, também, transmitir valores, pôr limites, impor interditos, com a autoridade firme e responsável inerente ao estatuto de se ser o primeiro cuidador e o primeiro educador dos seus filhos. Valores, limites, interditos que (e eis, aqui, uma boa notícia !) não custam, pela sua grande maioria, muitos euros, mas que exigem, para que os filhos os possam aprender, respeitar e integrá-los no seu pensar e no seu agir quotidiano, que os vejam ser praticados pelos pais, nesse mesmo quotidiano. É certo que este quotidiano dos pais anda difícil, parecendo mais a pôr entraves, a não avançar, do que a ser solidário com um projecto de vida para a família, mas não deve ser razão para que essa missão parental seja descuidada, antes pelo contrário, ela deve ser reforçada como uma verdadeira e preciosa herança que se deixa aos filhos.
No passado mês de Outubro, reuniram-se, em Paris, num encontro internacional, pedopsiquiatras e psicólogos de todo o mundo, tendo, os mais ilustres e sábios, falado da sua inquietação face à constatação de que parece que os pais, de hoje, se demitiram de educar os filhos, de lhes transmitirem valores. Notavam, ainda, esses sábios, que as crianças e os jovens vivem num mundo em que foram diminuindo os limites e as proibições mas aumentando as exigências de sucesso, parecendo que um dos lemas dos pais de hoje, por essa Europa fora, é " Faz o que quiseres mas fá-lo o melhor possível ", ficando, assim, subestimado o papel dos pais de guia e mediadores responsáveis, lúcidos e sabedores.
E se, aos pais, lhes são dadas, cada vez, mais receitas de como se tornarem em pais conscientes do que deve ser o seu papel através de programas de televisão, de rádio, de artigos de revistas e de jornais ( sendo este mais um exemplo! ), eles parecem, paradoxalmente, tomar as decisões, inerentes ao seu estatuto de pais, com medo de impor limites, restrições, interditos que possam ser, psicologicamente, nefastos para os filhos o que os leva, muitas vezes, a decidirem de forma enervada, apressada e não ponderada e firme. Ora, como afirmavam esses especialistas do psicológico infantil e juvenil, os limites e os interditos, também, são modos de estruturar os afectos porque, vindos de uma autoridade parental responsável e justa, eles dão a segurança interior indispensável para que, os filhos possam sentir prazer com a vida e saber apreciar, no respeito pelos outros, a liberdade de se ser pessoa. Liberdade que é indispensável para que, cada um, se possa dar o tempo necessário, sem pressas nem atropelos, para alcançar os desafios a que se propôs, desafios que, quando realizados, são o melhor alimento para a esperança e o melhor reforço para a segurança interna.
Se os pais não forem , nas suas casas, os fazedoras das regras e das leis e os organizadores do universo dos afectos dos filhos, as crianças e os jovens podem tornar-se em tiranos domésticos, cujas escolhas estão dominadas pelo prazer imediato de ter coisas, de satisfazer, na hora, ou melhor, no minuto, os seus desejos, tiranos que impõem a sua vontade a pais que se sentem culpabilizados porque não conseguem ser os pais perfeitos, cumpridores da cartilha vigente de se ser "pais psicologicamente correctos". E pais culpabilizados que aspiram à perfeição são pais tristes e inseguros.
Para agravar a situação dos pais, o hiperinvestimento do mundo perceptivo, com imagens que, a toda a hora, invadem o dia a dia das crianças e dos jovens e que têm, como o mostram inúmeros estudos, um enorme poder de moldar emocional e intelectualmente as crianças e os jovens, criando um pensamento superficial, pobre simbolicamente e arredado da actividade reflexiva, é um forte concorrente do papel educador dos pais.
Perante este panorama pouco animador para os pais, os sábios salientavam a necessidade urgente dos pais se centrarem nas verdadeiras necessidades das crianças e dos jovens do nosso mundo ocidental, necessidades que sejam verdadeiros impulsionadores e catalisadores para um crescimento psicológico saudável em todas as suas facetas, individual, relacional, cultural, de cidadania. E todos os sábios concordaram que, para responder a estas necessidades, com caracter de urgência, as crianças e os jovens precisam de pais lúcidos e coerente e não de pais "psicologicamente" perfeitos, precisam de pais alegres, optimistas, bem dispostos e não pessimistas e carrancudos, de pais que ajudem, realmente, a pensar o que aflige a alma e o pensamento dos filhos, que ensinem a compreender as imagens de horror, de aflição, de desamparo, de abandono humano que passam na televisão, contrapondo-lhes, também, as imagens de solidariedade , de bem agir e bem comportar-se com o outro que, essas imagens de tragédia, felizmente, também, mostram, pais que guiem a saber lidar com os insucessos escolares e a encontrar soluções eficazes para acabar com esses insucessos, pais que consolem os filhos para que eles aprendam, interiormente, a tolerar a dor das traições dos amigos e os primeiros desgostos amorosos.
Será esta a boa notícia que os sábios pedopsiquiatras dão, para este ano de 2005, aos pais: mais do que euros, para ter coisas, os pais têm de dar aos filhos, com caracter de urgência, uma ajuda real que transmita, aos filhos, uma segurança no sistema de valores e de regras dos pais, num clima de optimismo realista gerador da criatividade que guia a vida e que, quando é preciso, salva o destino.
Ana Vasconcelos (pedopsiquiatra)
Comentários inquietacoes_pedagogicas@hotmail.com

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