Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

29.4.05
 
Há vida na escola?
Uma escola do 1º ciclo com jardim de infância, num bairro urbano, num edifício de boa arquitectura. É meio-dia e está um dia de sol deste Inverno frio e seco. Avanço pelo largo recreio, procurando a entrada principal, para tratar de um assunto com a direcção e assim vou passando pelos três pavilhões que compõem a escola.
Acumulam-se nos cantos de cada pavilhão folhas secas, caídas com os ventos já distantes do Outono. De cada uma das portas, vislumbra-se uma pequena entrada, com um conjunto de cabides correspondendo a cada sala. Sabemos que em cada sala se sentam, respiram, executam tarefas, mais de 20 miúdos … e no entanto, o que sai para o corredor é um cinzento silêncio, do qual sobressai de vez em quando uma voz de professora. Para quem gosta de escolas e gosta de sentir aquele palpitar colectivo de vida, de vidas, falta o inevitável fundo sonoro de alguma actividade conjunta, o som de uma canção, algum riso, algumas perguntas ou respostas, vozes de gente pequena e de gente adulta, pessoas a comunicar.
E é então que chego à porta da entrada “social”, que abre para um espaço largo, o átrio, o lugar de recepção, de reunião. Para aí convergem dois corredores e uma das paredes é um janelão de vidro que dá para um pequeno pátio.
E esse pátio é um lugar morto…
Em tempos plantaram aí uma roseira, mas cresceu desordenadamente com um ramo descomunal que conserva tristemente no seu topo os restos da última vez em que terá florido…Há também um arbusto, também ele desorganizado, parece que aflito, sufocando em erva bravia que cobre completamente o chão, seca e tombada pela impiedosa falta de chuva.
E as paredes desse átrio e desses corredores, recobertas com painéis de corticite, onde pontuam, num extremo, umas árvores de Natal pintadas em folhas A4, não nos transmitem nada senão um vazio de comunicação…

Não resisto a um pensamento sobre os importantes desígnios da educação que procuramos com tanta premência: mobilizar saberes culturais, científicos e tecnológicos para compreender a realidade e abordar situações e problemas do quotidiano. Por outras palavras, espera-se que a escola do nosso tempo proporcione às crianças e aos jovens o desenvolvimento de competências, que são a forma do saber incorporado na vida, o saber em acção. Saber muito e bem e usar esse saber na vida, para a vida da pessoa e a da sociedade.
Cabe à escola construir para os alunos um percurso feito de muitos momentos, de experimentações, de treinos, de esforços e de prazeres, de contactos e lugares variados, um percurso que levanta hipóteses e interrogações, em que surgem surpresas, erros e sucessos, um trajecto com múltiplos caminhos, cruzamentos, lugares, paragens, encontros e desencontros, enfim um currículo baseado em experiências de aprendizagem que sejam mobilizadoras e produtoras de conhecimento e de desenvolvimento pessoal e social.
E assim, o ambiente escolar que me surge nesta tranquila manhã de sol, em que (não) se exprime a acção dos que a frequentam todos os dias, dá a evidência de quanto não se vive o próprio espaço escolar como uma experiência de produção individual e de participação no bem comum.
A acção de aprendizagem sobre a natureza (no Estudo do Meio?) não utiliza um pátio com dimensões proporcionadas à acção de uma turma, não se organiza e não se realiza nos espaços livres alguma actividade de recolha dos resíduos das folhas mortas (que podem não ser apenas lixo, mas converter-se em valioso fertilizante). E no entanto, ouço referir protocolos com a autarquia no âmbito da Educação Ambiental….E haverá pais ou avós com gosto para orientar práticas de jardinagem e pequenas experiências de botânica e para colaborar nelas…
E talvez se tenha aqui realizado uma festa de Natal… Terá havido leituras, escritos, saudações… Onde se guardaram? Não poderiam já ter-se retirado (é Fevereiro…) as desbotadas árvores de Natal? Não estarão já a seguir-se outros produtos, resultantes de trabalho pedagógico? Será que poderiam criar-se trocas desses produtos entre as turmas desta escola de média dimensão, que povoassem as mudas paredes dos corredores e oferecessem aos seus pequenos autores um espelho das suas realizações?

Maria José Martins

Publicado no jornal A Capital a 24 de Abril

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