Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

11.4.05
 
Notas de mais uma "Peregrinação Pedagógica"
Se as almas inquietas fazem peregrinações, os "Inquietos da Pedagogia" servem-se das viagens de trabalho para, a partir da observação de outros contextos, interpelarem e interrogarem os seus próprios contextos. Desde há largos meses que, como consultora da Fundação Soros para os seus projectos educativos nos antigos países da Europa de Leste, hoje os países do Centro da Europa, (nomeadamente no âmbito da Associação Internacional Step by Step que aglutina diversas ONG’s que entretanto se foram formando), tenho vindo a fazer breves reuniões de trabalho que são sempre precedidas pela visita a uma ou duas escolas. Foi assim que estive em Budapeste, Liubliaina, Varsóvia, Praga… acabando há dias de chegar de Vilnius, na Lituânia. Devo confessar que, mais uma vez, vi reforçado aquilo que tenho vindo a observar. É que a arte e o engenho destes países recentemente tornados democracias, tem sido a de, procurando renovar e inovar os respectivos sistemas educativos, guardar aquilo de bom que o sistema soviético tinha proporcionado: uma educação para todos, uma rede de edifícios escolares de superior qualidade, exigência nas aprendizagens formais, o gosto pela leitura e pela pesquisa, a valorização, em geral, da educação como promotora do desenvolvimento. Tornando-se críticos do centralismo burocrático e do controle ideológico, foram capazes de “não deitar fora o menino com a água do banho” e têm conseguido, a partir de dentro, com o contributo de ONG’s que proporcionam formação contínua e apoio no terreno a milhares de professores, introduzir a inovação, dinâmicas democráticas, real participação das crianças e, sobretudo, um amplo envolvimento dos pais. Tenho ficado especialmente impressionada com as amplas salas do 1º ciclo, organizadas por áreas, com os materiais e equipamentos (incluindo, claro, pelo menos dois computadores por sala ligados à Internet) ao dispor das crianças que os utilizam de modo autónomo, bibliotecas de turma e de escola – sem a industria dos “manuais” que tornam os professores meros executores de orientações ou “programas” definidos por outros e não gestores e re-construtores do currículo definido a nível nacional. Movendo-se nestes contextos as crianças, demonstrando níveis de iniciativa, auto-confiança e auto-controle significativos, lêem, resolvem problemas, trabalham em projectos, não deixando de produzir trabalhos de alta qualidade artística e estética – nomeadamente no âmbito das artes visuais e musicais. Crucial a esta dinâmica tem sido o papel dos directores de escolas que possuem largas margens de autonomia e que não gerem apenas burocraticamente mas, também, assumem tarefas de supervisão pedagógica. Crucial também o papel de consultores externos às escolas que assumem, não apenas o papel de formadores mas o papel de mentores. Confrontada com o “abandono” total a que tem sido votado o 1º ciclo no nosso país – apesar da existência de algumas “ilhas” de superior qualidade pedagógica – pergunto-me se não será tempo de nós, sociedade civil ou organizações não-governamentais, começarmos a fazer propostas (eventualmente ligadas a dinâmicas de investigação-acção) que promovam processos de suporte (mentorship nos contextos que observei) a propostas de maior qualidade nas escolas e, sobretudo, que introduzam nas crianças e jovens o desejo e a paixão por aprender e por criar.

Teresa Vasconcelos

Texto publicado na Capital em 9.04.2005

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