Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

16.5.05
 
CUIDAMOS MAIS DAS ELITES DO QUE DO BÁSICO PARA TODOS

Numa visita recente a escolas portuguesas, um grupo de noruegueses, interpretando uns gráficos que uma delas disponibilizava sobre a avaliação do ano anterior, chegou à conclusão que em Portugal nos preocupamos mais com as elites do que com as bases, contrariamente ao que acontece no regime que os rege. Conforme explicaram, no seu caso e também no ensino básico, a atenção é mais dirigida à elevação do nível cultural de todos do que a fazer evoluir mais aqueles que, à partida, já têm mais facilidade. Desiludam-se aqueles que, como eu, pensam que todo o esforço dos professores deste nível de ensino, aqui em Portugal, se concentra nos alunos que têm mais dificuldade, para que todos consigam atingir um determinado patamar de conhecimento que o Estado define como essencial. Acredito mesmo que, se se lhes perguntasse, essa seria a imagem que a maioria dos professores devolveria daquilo que fazem.
Mas, afinal, parece que estão à vista as provas do contrário…

O que levou o grupo de visitantes a pensar que o nosso sistema é selectivo foi obviamente o elevado número de “negativas” em cada disciplina e o elevado número de alunos que não transitaram de ano. Mas o que mais contribuiu para confirmar as suas suspeitas foi a frequência com que os alunos são classificados (por ano e por período), os prazos demasiado curtos entre os vários momentos de avaliação e, sobretudo, uma primeira classificação numérica atribuída a escassos três meses do primeiro contacto. Não esqueçamos que no nosso país esta situação tem contornos ainda mais preocupantes, se considerarmos que, ano após ano, os professores mudam de alunos e os alunos mudam de professores. E se a esta mudança acrescentarmos o facto de um professor ter, em cada ano, mais de cem alunos, fácil é deduzir que o tempo de apreciação é demasiado curto para um conhecimento aprofundado de cada um e para uma intervenção individual. Nas condições que temos e apesar de um discurso de orientação diferente, o que é, de facto, incentivado é que os alunos sejam classificados conforme as competências que já detinham: os “mais desenvolvidos” estão votados ao sucesso e os “menos desenvolvidos” são votados ao fracasso.

O mínimo que se pode dizer é que impera a ambiguidade. A um sistema de classificação mais consentâneo com a selecção dos mais capazes são frequentemente associadas normas de sinal contrário, mais próximas da retórica da educação para todos, que mais não fazem que gerar efeitos não desejados. São exemplo disso a tentativa de desmotivação, por via burocrática, quer da atribuição de uma percentagem elevada de “negativas” por disciplina, quer das chamadas “descidas” de nível ao longo do ano. Mantendo-se a organização do processo de ensino entre parênteses, a primeira é susceptível de produzir como consequência a desaceleração do ritmo para possibilitar o acompanhamento de, pelo menos, mais alguns (aqui encontrarão razão os que consideram que o sistema de ensino é nivelado por baixo); quanto à segunda, não admira que provoque alguns mecanismos de defesa na atribuição dos níveis, sobretudo no primeiro momento de avaliação (que é quando menos se conhecem os alunos) e que leve, muitas vezes, à aplicação do princípio in dubio contra reo.

Poderão eventualmente os professores não ter ainda encontrado o melhor modo de agir face às características das novas populações escolares (os tempos já não são o que eram e a questão é muito mais complexa do que um mero assumir de exigência e rigor…), mas a incoerência entre o discurso e a prática aos vários níveis de decisão não é certamente o melhor caminho.
Filomena Matos
Publicado no jornal A Capital a 15 de Maio de 2005
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