Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

30.5.05
 
Em tempos de crise é preciso ter a coragem de investir no futuro
Fala-se muito por estes dias da necessidade de fazer cortes no orçamento. Creio que já compreendemos todos a inevitabilidade de tal vir a acontecer.
É preciso gastar menos, para além de outras medidas que se diz que estão a começar a dar frutos, como por exemplo o combate à fraude fiscal.

Todos olham para a saúde e para a educação como sectores gastadores.
Na educação, não acredito que seja desejável investir menos.
Sei que é possível gastar melhor.
É preciso uma análise cuidada dos nossos objectivos e dos meios que estão à disposição.
Os cortes cegos, ou os cortes decididos por critérios que nada têm a ver com prioridades políticas e que visam meramente evitar manifestações ou complicações com ministros ou lobbys poderosos são vias que comprometem o futuro, a inteligência e a nossa capacidade competitiva.

Um exemplo: o combate ao insucesso e abandono escolares, um dos cancros da nossa educação. Sabemos, rigorosamente, que a herança que temos de baixos níveis educativos condiciona os resultados escolares porque os pais têm dificuldades em enquadrar os filhos. Mas sabemos também que o bom funcionamento de uma equipa educativa, assessorada por sistemas de apoio aos alunos, pode ajudar a ultrapassar grande parte dos problemas que se colocam.
Existem hoje meios para diminuir o insucesso. Existem milhares de professores de apoio cujo trabalho pode ser decisivo, mas será que estão a desenvolver a acção necessária? Quem avalia este trabalho? As qualificações destes professores? E o investimento realizado?. Existe a área de Estudo acompanhado que deveria contribuir para que os alunos trabalhem e aprendam mais e melhor. Quem avalia o trabalho desenvolvido e os recursos avultados que esta importante proposta educativa, se for bem gerida, representa?
Sabemos que o sistema de colocação de professores mobiliza meios incalculáveis e é uma fonte de desestabilização das escolas, tão prejudicial a uma maior responsabilidade das equipas pelos percursos escolares e pelo sucesso dos alunos. São completamente diferentes os resultados obtidos por um grupo de professores, efémero, ou por uma equipa responsável. A situação que temos não é justa nem para os alunos, nem para os professores, nem para a sociedade.
Sabemos ainda que existem situações em que foram conseguidos excelentes resultados. Quem mostra à sociedade os caminhos seguidos? E o resultado do investimento realizado? Por que andamos sempre a dizer que somos maus e não resolvemos os nossos problemas quando conhecemos tão mal as nossas realidades?

Por estes dias em que se fala tanto do défice das contas públicas e das metas de Bruxelas, seria bom que todos assumíssemos os caminhos para ultrapassar o nosso défice educativo. E esse caminho passa por uma melhor gestão mas passa também pela definição de metas e pelo investimento no futuro e na inteligência. Jack Lang, citando P. Mauroy quando era primeiro ministro de França : neste período de austeridade, devemos deixar acesas as lanternas do futuro. Referia-se à educação, à cultura e à investigação científica.
Estes factores são fonte de crescimento económico, de integração e de civilização. Se for inevitável proceder a cortes na educação tem de se entender onde e porquê.

Ana Maria Bettencourt
Publicado no jornal A Capital a 29 de Maio

Comments: Enviar um comentário

<< Home