"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…" Jorge de Sena in Metamorfoses
Escolas e educação permanente
Os seres humanos estão condenados a aprender, algo tão necessário, natural e inevitável como respirar. Mas a verdade é que a maior parte daquilo que sabemos não foi aprendido na escola. Para lá dos seus méritos, a escola tem o gravíssimo defeito de não trabalhar com pessoas, mas sim com alunos. O seu propósito principal é habituá-los a estar sentados, em silêncio, a cumprirem o que lhes é prescrito e, com frequência, a tentar adivinhar o que o professor pretende deles. A afirmação de que, na escola, o “mais difícil é sentá-los” exprime a ideia de que a socialização nas regras escolares constitui um pré requisito, dissociado da aprendizagem. Se a vontade e o desejo de aprender é algo de intrínseco ao ser humano, cuja recompensa reside no seu próprio exercício, talvez não seja exagerado afirmar que é na escola que o aprender se torna um problema. O ensino escolar pressupõe, em regra, a incompetência e a ignorância do aluno, ignorando o seu património experiencial e dificultando a construção de um sentido para o trabalho escolar. É por isso que, como afirmou o famoso psicólogo Jerome Bruner, as situações escolares, por vezes, tornam os alunos “funcionalmente estúpidos”.
A crença cega nas virtudes da escolarização conduziu à extensão em massa da educação escolar ao mundo dos adultos, transformando a Terra numa imensa sala de aula à escala planetária. Esta extensão da educação ao mundo dos adultos teve o mérito de alimentar uma acção teórica e prática de crítica ao modelo escolar (visto como “natural”) e tornar visíveis e concretizáveis modalidades de intervenção educativa orientadas para a emancipação e a realização plena da pessoa humana (é o exemplo da obra teórica e prática de Paulo Freire). Outro efeito importante foi o de ajudar a construir abordagens teóricas da educação e da aprendizagem que esbatem as fronteiras ou dicotomias entre as diferentes idades da vida. No essencial, as crianças e os adultos aprendem da mesma forma e esse processo coincide com o seu ciclo vital.
Será então possível regressar a uma ideia nunca concretizada, e hoje em desuso, a de uma educação permanente, em que a escola terá um lugar importante, mas cuja matriz essencial serão os processos educativos não escolares, reforçando-se o potencial educativo dos vários contextos de socialização e articulando-se num processo único o aprender, o viver e o trabalhar.
Então o que fazer à escola? Na minha opinião, um dos caminhos mais promissores para transformar positivamente a escola é torná-la num conjunto de recursos plurifuncionais abertos a uma utilização intensiva por parte de públicos e parceiros diversos, empenhados em desenvolver actividades de aprendizagem, as mais variadas. O meu pressuposto é o de que a escola, entendida como um “colectivo inteligente”, precisa de aprender a partir de experiências educativas não escolares. O objectivo seria que cada escola se pudesse transformar num centro de educação permanente, profundamente enraizada no contexto local e fazendo interagir múltiplos tipos de aprendentes. O que está em causa não é fazer regressar os adultos à escola, mas fazer dela um lugar onde se multipliquem as oportunidades de aprendizagem e se tornem habituais situações similares à que é descrita, num texto escolar, por uma criança de uma escola rural do concelho de Portalegre “Fui eu que ensinei a minha avó a ler e a escrever. Ensinei-a a ler para me ditar os ditados. E depois a escrever, para ela conseguir fazer a sua assinatura”
Rui Canário
Publicado no jornal A Capital a 22 de Maio
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