Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

17.5.05
 
Formação matemática dos professores: uma questão a discutir
Face aos baixos resultados obtidos pelos alunos portugueses no PISA2003, a Ministra da Educação enunciou um conjunto de medidas concretas no sentido de valorizar a formação matemática dos professores do ensino básico.

Não poderia estar mais de acordo com este objectivo! Qualquer pessoa de bom senso concordará que todo o professor que ensina Matemática deverá ter uma boa formação em matemática. A questão que gostaria de deixar aqui para reflexão é: O que significa uma boa formação matemática para os professores?

O que se entende por uma boa formação matemática para os professores tem vindo nos últimos anos a estar na agenda de educadores matemáticos e de matemáticos em diversos países. Existe um considerável número de investigações que alertam para que a formação matemática dos professores tem particularidades específicas distintas daquela que é necessária para os que usam esta ciência, como seja os matemáticos. Uma coisa é fazer matemática, outra é ensinar. Enquanto um utilizador de matemática pode fazer recurso ao seu saber matemático, sem em cada momento se questionar porque o faz deste ou daquele modo, quem ensina matemática não só tem de conhecer o procedimento, como tem de ter presente o seu significado, a sua origem histórica, a sua justificação e procedimentos equivalentes. A consciência de que estas ideias têm tido pouco eco na formação matemática dos professores levou a que, há cerca de um ano, fosse criado um grupo de trabalho, a convite da Secção de Educação e Matemática da Sociedade Portuguesa de Ciências de Educação, envolvendo representantes desta secção, da Associação de Professores de Matemática e da Sociedade Portuguesa de Matemática. O seu objectivo é elaborar um conjunto de recomendações para a formação inicial de professores de qualquer nível de ensino, no que respeita à componente matemática.

Muito embora o trabalho desta equipa ainda não esteja concluído, é desde já possível avançar com algumas das ideias que temos vindo a discutir e que gostaria de aqui deixar. Desde logo é de assinalar que melhorar a formação matemática de professores não significa necessariamente aumentar o número de disciplinas de matemática e o tempo dedicado a esta componente. A questão não é tão simples. Se é certo que num ou noutro caso tal terá de acontecer, a questão central que atravessa a formação matemática do professor de qualquer nível de ensino é de que não basta saber matemática, é essencial que esta formação favoreça, através de experiências matemáticas ricas e significativas, o desenvolvimento de uma compreensão profunda da matemática que se via ensinar. É preciso, por exemplo, que o professor conheça os conceitos, procedimentos e estruturas matemáticas, a sua origem histórica, diversas abordagens e perspectivas, e as relações entre diferentes temas matemáticos de forma a poder utilizá-los e a interrelacioná-los no seu ensino. Como pode um professor responder a um dado aluno com dificuldades de compreensão num dado conceito matemático com uma outra abordagem possível se ele próprio não conhece mais nenhuma? Como pode o aluno ter uma visão integrada da Matemática se o próprio professor não a tem?

Uma compreensão profunda da própria natureza da matemática é outra característica essencial. Tal como é largamente documentado na investigação, o entendimento que se dá à matemática marca de forma inevitável o modo como se ensina. Se se acredita que na matemática, por exemplo, o raciocínio intuitivo e os processos de tentativa e erro são secundários e apenas usados na criação matemática, remetida exclusivamente para os matemáticos, o ensino certamente será fortemente marcado por apresentar uma matemática já acabada, muitas vezes incompreensível para os alunos.

Estas duas ideias, embora não cubram todas as orientações que estamos a elaborar, são por si já suficientes para questionar o que são ainda muitas das práticas da formação matemática que se faz nas instituições de formação inicial e contínua de professores de todos os níveis de ensino. Este parece ser um momento particularmente adequado – Portugal está presentemente a reequacionar todo o ensino superior, nomeadamente por razões decorrentes do Processo de Bolonha – para que se repensem as opções do passado, enfrentando os desafios que hoje se colocam.


Leonor Santos
Faculdade de Ciências
Universidade de Lisboa
Comentários inquietacoes_pedagogicas@hotmail.com

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