Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

1.5.05
 
GRÃO A GRÃO ENCHE A GALINHA O PAPO
A propósito da apresentação pública dos resultados do estudo PISA* 2003, no passado dia 27 de Abril, foram definidas importantes linhas de orientação estratégica para a Educação.

O Primeiro Ministro referiu quatro principais objectivos:

1º - Rigor, avaliação e exigência para todos (governo, administração, professores, escolas, alunos);
2º - Medidas a tomar, dia a dia e pontualmente, de ataque aos pontos críticos já identificados e analisados e que estudos como o PISA sugerem. Fazer com que as conclusões e recomendações das análises e avaliações feitas tenham resultados práticos e abandone-se a ideia das grandes reformas;
3 º - Prioridade à matemática;
4º - Estabilização do corpo docente das escolas, sem o que políticas de rigor e exigência se tornam absurdas e ineficazes.

Foram também quatro as medidas concretas que a Ministra da Educação anunciou e que, em grande parte, decorrem directamente dos resultados de estudos como o PISA:

1 º Formação contínua em matemática e em situação (na escola) dos professores do 1º ciclo com o apoio das instituições do Ensino Superior;
2 º Revisão das condições de acesso e formação profissional dos professores do 1º ciclo;
3º Alteração das habilitações e condições de recrutamento dos professores de matemática do 2º e 3º ciclos do ensino básico;
4º Racionalização do uso dos recursos educativos, como sejam, por exemplo, o alargamento do horário escolar dos alunos com a articulação entre as actividades escolares e as de tempos livres, a ocupação plena dos tempos escolares e o agrupamento e rentabilização dos apoios educativos.

Parecem decisões do mais elementar bom senso porque os pontos críticos do sistema educativo estão, há muito, ampla e longamente identificados e é bom que alguns deles se vão resolvendo, “grão a grão”, gradual e sistematicamente.

Mas há riscos e alguns dos grãos não são fáceis de atacar. A educação é um sistema, as escolas são organizações e mexer numa pedra sem “aconchegar” e sustentar as outras pode fazer ruir o edifício. Há o enorme risco de – se as pequenas mudanças se não integrarem num plano geral sólido e articulado – ao invés de se ganharem, se perderem algumas das valências essenciais da qualidade da educação. Na definição de cada grão tem de estar subjacente a relação com o todo, com “o papo cheio da galinha”, para que ao fim e “a posteriori” a necessária grande reforma educativa acabe por ficar consagrada.

Se não veja-se, em apenas dois exemplos, como – e mantendo o suporte dos provérbios populares – uma árvore pode esconder a floresta:

- O 1º ciclo do ensino básico tem de ser, desejável e essencialmente e como consagra a lei de bases, “globalizante e da responsabilidade de um professor único”. A tentação da “disciplinarização”, mesmo que da matemática, tão no jeito dos docentes dos restantes ciclos do ensino básico, pode, sem proveito, agravar uma situação já em si tão frágil. Porque nada nos diz que à matemática não se seguirão outras especialidades (o inglês, as ciências, …) e de professores coadjuvantes passaremos a ter professores especialistas de disciplinas, dividindo-se a amplitude de espaço e de tempo imprescindíveis às iniciações e consolidações dos primeiros anos de escolaridade. Atente-se à formação dos professores “únicos” do ensino básico dos países europeus com melhores resultados em matemática!!!

- A racionalização de recursos que pode ter no agrupamento de escolas um dos seus sinais mais positivos e evidentes, pode – como muitas vezes se tem verificado – apenas significar uma rentabilização financeira, sem, como o programa de XVII Governo Constitucional consagra, “uma lógica em que a organização seja instrumental face às finalidades educativas”.

Apoia-se e valorizam-se as pequenas decisões que põem cobro a situações críticas evidentes e conhecidas, mas não se ignore que a sua pequenez e facilidade é só aparente e não prescindem de se enquadrar num todo articulado e sólido.



*Programme for International Student Assessement


Maria José Rau

Publicado no jornal A Capital a 30 de Abril

Comentários Inquietacoes_Pedagogicas@hotmail.com

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