Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

13.5.05
 
Para além do Pisa...
“Em vez de carpir a perda de um passado nostálgico que nunca existiu, ou de cantar hossanas por soluções ‘milagrosas’ copiadas de outros países que são fruto da sua História, mais vale que cada um de nós, em Portugal, saiba o que pode fazer pela educação, a começar pelos responsáveis políticos, passando pela sociedade no seu todo e acabando onde tudo começa: a sala de aula”

João Barroso
Jornal A Capital de 8 de Maio de 2005

Este poderia ser o parágrafo de início do meu artigo, não sendo meu, pedi-o emprestado ao professor João Barroso. E porquê? Porque tem o mérito de (d)enunciar, mais uma vez, a nossa tradicional tendência para nos preocuparmos com o estado das nossas coisas quando é reflectido por outros, ou seja, de fora para dentro. Nas últimas semanas assistimos mais uma vez à divulgação, repetida quase até à exaustão, dos resultados do Pisa levando-me a pensar no que internamente está por fazer e por reflectir. Penso essencialmente na formação de professores e embora sabendo que a sala de aula de que fala João Barroso não é a sala de aula onde decorre a formação de professores, atrevo-me a dizer que também é urgente pensar nessas outras salas de aula. É que não podemos deixar-nos enredar em raciocínios circulares que não ajudam muito a romper com lógicas e práticas instaladas se a montante não conseguirmos mudar os modelos de formação e as maneiras de pensar o que acontece na sala de aula (agora falo da sala de aula dos ensinos básico e secundário).

A lógica reprodutora ainda impera na formação de professores e mesmo nas situações em que as instituições de formação conseguem introduzir mudanças a ‘aterragem’ dos jovens professores no campo profissional é demolidora e, em muitos casos, o confronto com os colegas é dissuasor do empreendimento de novas formas de estar e de trabalhar.

João Barroso retoma alguns elementos (e a meu ver justamente, porque são dimensões de que os analistas de pendor mais economicista se esquecem sistematicamente) da clássica análise sociológica da relação escola-classes sociais. No entanto, a aceitação desta realidade não pode produzir os mesmos efeitos que produzia há uns anos atrás, ou seja, de resignação dos indivíduos face ao determinismo estrutural que lhes tolhia movimentos e ambições, mas deve servir para aclarar situações, sobretudo num país como Portugal em que a democracia ainda está em construção e em que a origem social ainda pesa de sobremaneira nas escolhas e oportunidades individuais. Contudo muito caminho já foi percorrido e embora os efeitos da massificação sejam nocivos, a democratização que lhe esteve na origem é inquestionável. É sabido que Portugal está longe de ser um país sobreescolarizado e os actuais frequentadores do ensino superior são, na sua maioria, oriundos de famílias que não atingiram esse grau de ensino e isto é um dos resultados evidentes do processo de democratização da Educação (p.ex., em 1999, cerca de 70% dos pais diplomados do 1º ciclo do ensino básico tinham apenas concluído a antiga 4ª classe - ODES, 2000).

Assim, quando falamos de uma profissão em que a constante actualização é uma necessidade inegável e em que se exige uma lúcida consciência sobre o mundo, as pessoas e as coisas, torna-se ainda mais urgente desenvolver modelos de formação, que incluam dimensões que ajudem a rasgar os horizontes culturais e profissionais dos jovens professores. Por isso, a insistência continuada na necessidade de desenvolver competências específicas (a Matemática e o Inglês) parece-me redutora e empobrecedora de um processo desejavelmente mais global em que os professores recém-formados percepcionem o seu trabalho num contexto mais amplo de intervenção educativa com uma forte componente de intervenção social.

Por outro lado, sem um sistema de monitorização/acompanhamento/reequacionamento das práticas dos profissionais que estão há mais tempo no terreno, será difícil mudar os processos de ensino/aprendizagem que decorrem na sala de aula de modo a obter resultados diferentes dos evidenciados pelo Pisa. A proposta da Ministra da Educação sobre os dispositivos de monitorização como apoio às escolas e ao desenvolvimento do sistema educativo é de aplaudir e desenvolver.

Resta, pois, recentrarmos o nosso olhar no que é essencial, retirando dos exemplos exteriores os ensinamentos necessários ao entendimento do que ocorre internamente, de modo a desenvolver formas de pensar e trabalhar mais eficazes mas simultaneamente mais consentâneas com a nossa realidade .
Cristina Gomes da Silva

Comentários inquietacoes_pedagogicas@hotmail.com

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