Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

9.5.05
 
Portugal, a educação e as comparações internacionais:que fazer com estes resultados?
Mais uma vez, com a publicação do relatório PISA relativo ao ano de 2003, a imprensa denunciou os “maus resultados” obtidos pelos nossos alunos nas comparações internacionais e fez eco das inúmeras tomadas de posição de dirigentes do Ministério da Educação, de associações de pais e de professores, bem como de alguns “líderes” da opinião publicada, sobre o assunto.
Embora pela negativa, o relevo que durante uns dias foi dado aos problemas da educação na comunicação social é importante e podia contribuir (juntamente com muitos outros diagnósticos e estudos já realizados em outros contextos) para uma análise informada dos problemas que afectam a educação em Portugal e para uma indagação fundamentada das melhores soluções.
Infelizmente, tal não acontece, porque o que faz o êxito mediático do PISA não são alguns dados interessantes que o relatório fornece sobre cada um dos países envolvidos no estudo, mas sim a tensão competitiva que a divulgação de um “ranking” de países, em função dos resultados obtidos pelos alunos nos vários testes, facilmente gera.
Embora nestas questões da educação a “coopetição”(isto é, uma “competição colaborativa”) seja mais importante do que a “competição”, a divulgação do “ranking” não traria grande mal ao mundo se fosse devidamente ponderada e explicada e se, na ânsia de comparar os países, e de encontrar nos campeões as “receitas de sucesso”, não se esquecesse o que faz a especificidade de cada caso.
Relativizar as comparações
Na verdade, as leituras apressadas (e simplificadas) que se fazem dos resultados dos alunos nos testes do PISA não têm, normalmente, em conta a multiplicidade de factores (muitos deles contextuais) que interagem com esses resultados e a diversidade de “leituras” que é possível obter através dos mesmos dados quando cruzados entre si . É o que acontece, entre muitos outros exemplos, com Portugal, quando cruzamos os resultados obtidos nos testes, com o grau de escolaridade da mãe dos alunos. Atendendo aos baixos índices de escolaridade que apresenta a população adulta portuguesa (e especificamente as mães dos inquiridos) os alunos portugueses obtém resultados claramente superiores aos “expectáveis”, por comparação com os países onde as mães têm níveis de escolaridade claramente superiores. Assim, se houvesse ponderação destas variáveis, Portugal estaria entre os 10 primeiros lugares nos referidos “rankings”, revelando (nesta como em outras análises do mesmo tipo) índices de equidade superiores à maior parte dos países abrangidos pelo estudo.
Esta observação e outras que se poderiam fazer para ilustrar que nem tudo vai mal na nossa educação, não visam diminuir o impacto da avaliação negativa que, objectivamente, os dados do PISA, na sua maioria, revelam. Elas visam, por um lado, contrariar as teses catastrofistas que, de tanto exagerarem as dimensões da crise, mais não fazem do que ter um efeito paralisante, face à “magnitude” dos problemas a resolver. Por outro lado, elas pretendem sublinhar o facto de não podermos compreender os problemas do presente sem conhecer o nosso passado (e neste caso o nosso passado recente).

O que foi preciso fazer para chegar aqui
Não podemos esquecer que Portugal, nos últimos trinta anos, e no que se refere ao crescimento e aperfeiçoamento do sistema educativo, teve de saltar múltiplas etapas que os outros países europeus já tinham percorrido, desde o princípio do século XX e, em particular, a partir dos finais da segunda guerra mundial, no que concerne a articulação entre a educação e desenvolvimento económico. E nestes trinta anos Portugal conseguiu não só recuperar o enorme atraso que tinha, nomeadamente, na quantidade e equidade da oferta educativa, mas também, e apesar das insuficiências, promover a democraticidade da escola pública que um passado, de pelo menos 50 anos, tinha amputado.
Para se perceber o esforço que foi preciso fazer neste domínio, basta lembrar quatro factores macro-estruturais que condicionaram (e dificultaram) a expansão do ensino público após o 25 de Abril de 1974:
- Construir, na educação, o “Estado Providência”, em plena crise global do modelo do “Estado Providência”.
- Desenvolver uma política expansionista (típica dos “30 gloriosos anos” de crescimento económico que os países europeus mais desenvolvidos tiveram a seguir à segunda guerra mundial), nos anos pós-1974 que não foram “tão gloriosos” quanto isso (na ressaca das crises petrolíferas, dos acordos com o FMI, com a recessão à vista, etc.)
- Ter necessidade de introduzir mudanças estruturais fortes na oferta educativa (construções escolares, planos de estudo, formação de professores, etc.), com um Estado fraco, em perda de legitimidade, submetido às críticas do centralismo e da burocracia.
- Promover a “refundação democrática” do sistema educativo nacional, no mesmo período em que aumentava a influência política externa (e por consequência a regulação transnacional), na sequência da nossa integração na União Europeia e do aumento dos processos de globalização económica.
Nem milagres nem “clones”
Apesar de tudo isto, muita coisa foi feita. O balanço é suficiente? Claro que não! Ainda há muita coisa para fazer? Claro que sim! Os problemas estão identificados, as soluções existem e muitas já são postas em prática na invisibilidade dos espaços escolares não mediatizados. Em vez de carpir a perda de um passado nostálgico que nunca existiu, ou de cantar hossanas por soluções “milagrosas” copiadas de outros países que são fruto da sua História, mais vale que cada um de nós, em Portugal, saiba o que pode fazer pela educação, a começar pelos responsáveis políticos, passando pela sociedade no seu todo e acabando onde tudo começa: a sala de aula.

João Barroso
Publicado no jornal A Capital a 8 de Maio
Comentários inquietacoes_pedagogicas@hotmail.com

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