Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

31.5.05
 
Venturas e desventuras duma donzela docente
Sou professora contratada do 1º ciclo. Este ano já estive em três escolas diferentes, todas de bairros ditos "difíceis". São bairros sociais que realojaram os habitantes de antigos bairros da lata. A maior parte dos pais dos meus alunos são muito novos, tiveram muitos filhos e tiveram-nos muito cedo. Quase todas as mães e muitos pais (quando presentes) estão desempregados ou dedicam-se a biscates. Valorizam pouco a escola. Talvez não acreditem nela. Talvez a receiem. Talvez até tenham alguma razão.

Fui colocada na primeira escola em finais de Outubro. Era um 2º ano com horário duplo (das 8 h às 13 h). Antes de mim os alunos já tinham conhecido as seguintes situações : como a professora que lhes foi atribuída estava em licença de parto, foram distribuídos pelas outras turmas durante duas semanas; depois foram atribuídos a uma professora que se ia reformar muito proximamente e depois a mim que lá fiquei até os entregar à sua professora entretanto regressada da licença de parto.
Claro que as professoras têm todo o direito às suas licenças de parto e de maternidade mas parece-me que, nos casos em que já se sabe que a professora vai estar de baixa ou em licença de parto, se devia logo colocar um/a professor/a substituto/a para evitar esta instabilidade. Fiquei "passada" quando comecei a trabalhar com os meus alunos : tinham-me dito que a turma era "excelente" à excepção de um ou dois "casos difíceis". Alguns nem reconheciam as letras !

. Porque é que quando se sabe que uma professora vai estar de licença de parto lhe atribuem uma turma que vai andar de Herodes para Pilatos durante esse tempo ? Todas as escolas precisam de professores de apoio. Quando a professora terminasse a sua licença e regressasse podia ir para os apoios. Ou então que lhe fosse atribuída uma turma mas que se soubesse desde o início quem seria a substituta e que ficassem as duas até ao fim - até porque em geral a professora que esteve em licença de parto terá uma redução de horário para amamentação - o que obriga a mais soluções instáveis.

Na segunda escola em que estive fiquei com um terceiro ano em horário regular (das 9 h às 15 h). Estes meninos também só começaram as aulas em Outubro. A professora que lhes foi atribuída pediu destacamento e só lhes chegou a dar uma semana de aulas. Depois eles ficaram em casa ou foram distribuídos pelas outras turmas durante duas semanas Em finais de Outubro deram-lhes uma professora grávida. Embora o bebé estivesse previsto para meados de Dezembro nasceu logo a seguir ao 1 de Dezembro e a professora já não voltou. Entre 2 de Dezembro e as férias de Natal foram distribuídos por várias turmas ou não foram à escola. Eu fui lá colocada no início do 2º período. Ou seja : em Janeiro já era a 4ª ou 5ª professora que conheciam ! E não fui a última.

Esta escola era mais complicada do que a primeira e os meninos bem mais difíceis. Provavelmente também porque a instabilidade dos professores tende a agravar a situação à medida que o ano avança, não é ? E no entanto a minha terceira escola tem sido uma experiência feliz. Logo que possa falo-vos das instalações, dos equipamentos e das intervenções pedagógicas que podem, apesar de tudo, ultrapassar em parte estas dificuldades. Ah, e talvez também dos agrupamentos de que todas es escolas do 1º ciclo se queixam. Parece que uma solução que podia ser tão boa para todos tem sido pervertida e desnaturada. Mas esperamos conseguir um final feliz !

Alexandra Magno

Publicado no jornal A Capital a 29 de Maio

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