Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

23.6.05
 
Como estamos de Rede Escolar
Lembram-se do ano passado? Havia uma proposta de Lei de Bases da Educação em discussão no Parlamento que propunha a alteração da organização dos níveis de ensino básico e secundário, transferindo o 3º ciclo do básico para o ensino secundário, com base no argumento de que um nível de ensino com a duração de três anos (o secundário) era insuficiente para incentivar o prolongamento da escolaridade de 12 anos que se queria tornar obrigatória. Esta proposta do Governo, que veio a ser aprovada pela maioria parlamentar do PSD e CDS, não foi promulgada pelo Presidente da República mantendo-se em vigor a Lei de Bases de 1986 e a organização dos níveis de ensino nela prevista.
Antecipando-se, porém, ao processo legislativo que estava em curso, o ministro da Educação David Justino deu orientações às direcções regionais de educação para reorganizarem a rede escolar de acordo com a proposta do Governo, cuja aprovação, no seu entender, era apenas uma questão de pormenor...Foi assim que muitas escolas básicas dos 2º e 3º ciclos em todo o país foram confrontadas com a directiva das direcções regionais que as impedia de aceitar novas matrículas de alunos para o 7º ano de escolaridade, uma vez que o 3º ciclo deveria transitar para as escolas secundárias existentes na região, mantendo-se apenas em funcionamento naquelas escolas os 8º e 9º anos até à sua progressiva extinção em anos subsequentes.
A aplicação da directiva teve efeitos desastrosos: os pais viram-se confrontados com uma nova mudança de escola dos seus filhos e muitos não encontraram vaga na escola das suas preferências; as escolas secundárias voltaram a confrontar-se com um fluxo excessivo de alunos, obrigando a desdobramentos de horários, prática que há muito tinham abandonado; a mobilidade dos professores não pertencentes aos quadros de escola foi agravada e aumentou o número de professores das escolas básicas dos 2º e 3º ciclos sem serviço lectivo atribuído, os chamados horários zero.
E tudo isto no pressuposto ilegítimo da urgência da implementação de uma nova organização do ensino anunciada que, felizmente, não se veio a concretizar!
O planeamento da rede escolar e o investimento anualmente feito em construção de novas escolas ou substituição de instalações degradadas são condições essenciais à prestação de um serviço público de educação de qualidade. Representam, além do mais, um esforço financeiro considerável que a todos os envolvidos na tomada de decisão deve responsabilizar.
Mas pese embora a importância de bem gerir a coisa pública, há neste caso considerações de política de educação e de orientação pedagógica que devem estar antes de tudo o mais. Há perto de vinte anos, o país decidiu que as gerações seguintes teriam uma educação geral comum a todos com a duração de nove anos, que no seu ciclo terminal incluía o primeiro nível de ensino secundário (3º ciclo), que essa seria a educação básica necessária a todos para participarem plenamente na nossa sociedade democrática e a ferramenta imprescindível para que cada um pudesse construir o seu projecto de vida, continuar os seus estudos ou adquirir a formação adequada aos seus interesses, partilhando um tronco comum de formação básica capaz de desenvolver as competências essenciais de cidadania, mas também a formação da identidade nacional que só a escola hoje pode assegurar.
Com estes princípios enformadores, a administração da educação foi progressivamente organizando a rede escolar, investindo numa malha fina de implantação de escolas básicas, procurando assegurar a integração pedagógica dos seus três ciclos, primeiro em experiências de escolas básicas integradas, depois através da constituição de agrupamentos verticais que facilitassem a articulação e continuidade territorial do pré-escolar até ao final do 9º ano, o aproveitamento dos recursos e a entre-ajuda dos diferentes profissionais, em benefício duma maior proximidade e acompanhamento do percurso escolar de cada criança e jovem.
A decisão tomada o ano passado foi ilegítima, contrária aos princípios a que fizemos referência, contrariada pelo veto do Presidente da República, mas até hoje não sabemos quais foram as suas consequências, nem quais as orientações emitidas pelo novo ministério em matéria de rede escolar para o próximo ano lectivo. Pela minha parte, gostava de saber!


Maria Teresa Gaspar

Publicado no jornal A Capital a 19 de Junho

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