Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

15.6.05
 
Da autoridade na escola: é permitido proibir !
Le Monde de l’Éducation dedicou há tempos um espaço importante ao tema “é permitido proibir”. Parece-me um bom tema para uma reflexão.
O slogan de Maio de 68, “é proibido proibir” gerou muitos equívocos, grande parte deles em meio universitário, entre os quais a ideia de que numa escola democrática o poder deveria estar (sobretudo) na mão dos alunos.
Estendeu-se a ideia de que as proibições em meio escolar/universitário seriam antidemocráticas, invocando-se em vão pedagogias progressistas. No entanto esta nunca foi a posição assumidos pelos métodos activos herdeiros por exemplo de Freinet, Makarenko, Fernand Oury, em que existem leis e regras claras para a gestão da vida escolar.
Fernand Oury, um dos fundadores da Pedagogia Institucional, denunciou a escola sem lei e criou uma organização da turma baseada em regras de funcionamento democrático, em que o grupo tem uma função educadora, e em que a autoridade do professor é clara.
O cumprimento de regras e de leis, é essencial a um desenvolvimento em segurança dos alunos e à aprendizagem da democracia. Aprender a participar na construção de leis e na sua gestão é uma forma de aprender a ser cidadão.
Mas é importante que as regras e as leis sejam compreensíveis e que haja uma atitude de negociação sendo claro para todos, professores e alunos, o que é negociável e o que é constitucional num espaço educativo, e por isso não deve ser transgredido. Numa turma bem organizada onde se aprende a estudar, e se trabalha com rigor, é muito importante que se analise o modo de funcionamento do grupo relativamente às regras existentes, se aprenda a funcionar em assembleia de turma (tarefas onde se ganha um grande capital de tempo, pela responsabilização dos alunos que em geral se consegue), e se discutam temas, procedimentos, formas de divulgação do trabalho realizado.

No regime autoritário estas aprendizagens eram consideradas inúteis e mesmo perigosas para o funcionamento da escola. O papel do professor era fazer cumprir a disciplina de forma autoritária, calando argumentos que os alunos pudessem apresentar. A gestão de conflitos fazia-se através da repressão onde não havia lugar para a palavra e para os argumentos dos alunos.
Há ainda muitos que sonham com o regresso a este tempo. Que defendem que os problemas de indisciplina se resolvem sem repensar a organização da aula e do trabalho escolar, bastando para isso que o professor saiba organizar a sua retórica e saiba mandar calar os alunos. Estes métodos podem efectivamente conseguir o silêncio de alunos, mas deixarão um número muito significativo pelo caminho. E não é isso que queremos.
A instituição de regras e leis e o desenvolvimento de uma vida escolar baseada no estudo, no trabalho rigoroso, na entreajuda, na pesquisa, no desenvolvimento do sentido crítico são procedimentos pedagógicos essenciais para escapar ao laxismo e ao autoritarismo.
A solução dos problemas educativos é complexa. Por isso o património de conhecimento que nos trouxe a pedagogia é indispensável. Por isso acho escandalosa a ignorância de pessoas que tudo resolveriam com o regresso a um passado de uma grande pobreza cultural, em que a maioria dos alunos ia ficando pelo caminho.

Ana Maria Bettencourt

Publicado no jornal A Capital de 12 de Junho

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