Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

28.6.05
 
Estágios nas Licenciaturas em Ensino
Uma das medidas anunciadas pelo Governo como parte da sua estratégia de redução de despesas no Ministério da Educação foi a de terminar com o pagamento dos estágios das Licenciaturas em Ensino, retirando aos estagiários a responsabilidade de leccionarem duas turmas durante o ano lectivo que corresponde ao 5º ano do plano de estudos destas Licenciaturas.

A leveza com que o assunto foi tratado e anunciado revela que a questão não foi suficientemente esclarecida e que os proponentes ignoraram as instituições do Ensino Superior responsáveis pelas licenciaturas, ignoraram igualmente todo o enquadramento legal que sustenta as mesmas e ignoraram ainda todo o esforço de organização das escolas e das direcções regionais que prepararam o ano que se inicia em Setembro e para o que já nesta altura e nos termos da lei haviam sido indicadas as escolas onde decorreriam os estágios, respectivos orientadores e estagiários.

Para quantos estejam longe destes processos é importante revelar que os estágios pedagógicos incluídos nos planos das licenciaturas datam dos anos 70, mais concretamente nas Faculdades de Ciências desde o ano lectivo de 1972-73. Em 1976 é publicado o Decreto 925/76 que regula os estágios em cumprimento do Decreto-Lei 443/71. Posteriormente foram sendo publicadas portarias com ajustamentos e clarificações, a Portaria 649/78, a Portaria 431/79, a Portaria 791/80, a Portaria 176/83, o Despacho 103/78 e outros diplomas paralelos para as Universidades “Novas” e Faculdades de Letras. Não interessa aqui fazer o historial completo mas chamar a atenção que este assunto é alvo de legislação há mais de 30 anos, sempre sustentando a ideia de que é muito relevante para a formação destes futuros professores uma prática profissional orientada que lhes exige a responsabilização pelo ensino em duas turmas, durante todo o ano, desde o primeiro dia até ao último, incluindo a avaliação dos seus alunos e a participação nos órgãos das escolas em parceria com os outros docentes.

Houve alguns ajustamentos, comissões e estudos desenvolvidos a pedido do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e sempre se manteve a estrutura básica, porque considerada uma mais valia, aliás sempre apreciada internacionalmente quando apresentada em instâncias de discussão de projectos de formação de professores. O último regulamento de estágios com algumas alterações e z c especificações sobre as obrigações das comissões de estágios na Faculdade de Ciências de Lisboa foi publicado em Outubro de 2003. O Decreto 925/76 continua em vigor como elemento fundador do estilo de estágios que estão agora em causa.

No meio do ruído, porque, para além do comunicado do Governo, as instituições não têm tido qualquer informação ou discussão com as tutelas respectivas, vão-se fazendo comparações com as Escolas Superiores de Educação (ESE). Ora tais comparações não têm de momento qualquer sentido pois nas ESE a prática coincide com a formação ao longo dos quatro anos de licenciatura e neste modelo de formação que agora está a ser posto em causa o estágio é remetido para um só ano, o último da licenciatura, onde se concentra praticamente toda a actividade. Neste ano, para além de alguns seminários realizados na universidade, o estagiário desenvolve quase todo o seu trabalho na escola onde passa a maior parte do tempo. Pensar que isso é equivalente a umas visitas a turmas de professores que os deixam fazer algumas actividades nas suas turmas é não saber entender as mais valias de um processo e não compreender as limitações do outro. Trata-se de substituir um modelo com provas dadas por outro projecto de formação totalmente minimalista.

Porquê então esta ideia do Governo? Claro está que apenas orientada pela poupança de recursos materiais. Ora acontece que por falta de imaginação deita-se o banho e o bebé fora, pois seria possível reduzir substancialmente os custos sem alterar de um dia para o outro uma estrutura de formação sobre a qual há muito trabalho de reflexão e experiência. Mas não quiseram ouvir ninguém e ultrapassaram sem ouvir nem respeitar a autonomia e responsabilidade das instituições de ensino superior, querendo-lhes formatar um ano das suas licenciaturas.

É bom que fique claro que não é equivalente atribuir ou não turmas aos estagiários e retirando-lhes a possibilidade de assumirem, com autonomia e responsabilidade , ainda que sob vigilância dos orientadores das escolas e das universidades, a docência e todas as demais tarefas que fazem parte do estágio e que assumem ao lado dos outros professores dentro da escola.

Espero bem que a Ministra de Educação e os Reitores se sentem lado a lado conjugando esforços para que se conciliem os objectivos e se estabeleçam percursos razoáveis.


Maria Odete Valente

Presidente do Departamento de Educação da FCUL

Publicado no jornal A Capital a 26 de Junho

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