Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

27.6.05
 
O arrastão, a televisão e a escola
Nestes últimos dias, infelizmente ricos em acontecimentos e decisões provocadores de profundas “inquietações pedagógicas”, um sobressai pela sua enorme gravidade : o anunciado “arrastão” de Carcavelos e as suas sequelas imediatas, sobretudo a difusão repetida e pela televisão de um video mostrando um grupo de jovens negros roubando passageiros numa carruagem de combóio.

Os jornais – designadamente “A Capital”, pela pena de Nuno Guedes – trouxeram já um desmentido do “arrastão televisivo” por um “gang” de 500 jovens africanos : não teriam sido 500 e sim 20 ou 30, não seriam africanos e sim portugueses, se “gang” havia pode não ter sido só um, não terá havido arrastão e sim confusão e registaram-se apenas quatro detenções e uma queixa de assalto com agressão.

Não pretendo nem relativizar a violência dos actos porventura cometidos, nem desculpar os seus autores. Mas haverá que nos inquietarmos também com, pelo menos, os seguintes aspectos:

- a leviandade com que órgãos da comunicação social difundem notícias não verificadas nem confirmadas e com um enorme potencial para gerar pânico, contribuir para um clima de insegurança e reforçar ou mesmo criar preconceitos geracionais e sobretudo racistas;

- o reconhecimento generalizado da existência de circunstâncias propiciadoras de ocorrências deste tipo : os guetos urbanísticos criados, a difícil inclusão, na sociedade portuguesa, de jovens portugueses ou não mas de outras cores, etnias, origens, línguas...

Todos conhecemos certamente imigrantes de Angola ou Cabo Verde, já há 20 ou 30 anos em Portugal, trabalhando duramente, pagando impostos, lutando por reunir e criar as suas famílias e sofrendo inimagináveis angústias ao verem os filhos crescer num “meio” que sabem propiciador de delinquências várias e perigosas.

A escola não pode resolver problemas sociais tão graves e complexos. Mas há escolas que abandonam os alunos a este terrível “destino” e há escolas que o contrariam e conseguem oferecer a estes alunos “difíceis” (porque em situações difíceis) um ambiente que os reconhece, os inclui e lhes dá os meios de acreditarem e lutarem por um futuro melhor.

Numa estadia recente em França impressionou-me ver como, depois de um período difícil para os chamados “imigrantes de 2ª geração”, os “muçulmanos de França” parecem ter conseguido um lugar próprio na sociedade francesa, enriquecendo-a com a sua “diferença”.

Será que nós estamos a fazer tudo para que todos os cidadãos – e todos os futuros cidadãos – tenham a possibilidade de crescer em segurança e desenvolver-se com educação e para que a nossa sociedade se possa enriquecer com estas contribuições diferentes ?

Esta é certamente uma das missões mais difíceis, mas também das mais importantes, que a nossa sobrecarregada escola terá que assumir*.

Maria Emília Brederode Santos


* Tanto sobre este terrível episódio como sobre práticas escolares interculturais inovadoras e com qualidade ver, entre outros, o sítio www.acime.gov.pt



Publicado no jornal A Capital a 26 de Junho

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