Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

6.6.05
 
A PROPÓSITO DO ESTUDO “AS AUTARQUIAS E A EDUCAÇÃO”[1]
Em ano de eleições autárquicas seria um bom indicador da maturidade cívica dos eleitores se estes, em todas as disputas eleitorais, exigissem aos candidatos e respectivos partidos um balanço sobre a situação educativa local e uma avaliação dos resultados obtidos nos mandatos que agora cessam.

Longe vão os tempos em que os cidadãos consideravam que o ensino era um domínio reservado da administração central e das escolas e que, por isso, não valia a pena tentar intervir ao nível local. Longe vão os tempos em que as câmaras municipais se consideravam a si próprias como os “empreiteiros” do sistema público de ensino e, no cumprimento ritual desse papel, gastavam o seu engenho e recursos. Tal como o ambiente, a saúde ou o desenvolvimento económico, também a educação e o ensino representam hoje domínios onde uma renovada participação das autarquias tem marcado diferenças, nalguns casos para melhor e noutros nem por isso.

É urgente avaliar a capacidade de resposta educativa das autarquias para se perceber em que sentido apontam as mudanças que a sua crescente intervenção determina. A urgência dessa avaliação tem também muito a ver com a permanência, de novo legitimada pelo voto, dos modos como cada câmara municipal tem interpretado a procura do “bem comum” em matéria educativa e de ensino.

Para onde caminha o Estado? Para uma descentralização da educação básica pública que o descomprometa em termos de regulação, de financiamento e de responsabilidades sociais? Para a privatização das “escolas de excelência” e para a municipalização das “escolas das massas”, nada mais restando, no meio, para administrar? Embora tenha como consequência a redução imediata do déficite orçamental da administração pública, esta não é, certamente, a descentralização reivindicada por recentes políticas educativas que pretendiam concretizar na vida das escolas a democratização, a igualdade de oportunidades e a qualidade do serviço público educativo.

E as autarquias? Estarão elas interessadas na municipalização da “escola mínima para a maioria” e na privatização da “escola máxima para a minoria”? Ficarão satisfeitas se forem protagonistas de um novo domínio “clientelar” sobre os munícipes, que se manifestará com o poder de contratação de pessoal docente e não docente, de nomeação das direcções das escolas, de financiamento das actividades educativas? Ou preferirão, pelo contrário, manter o velho “statu quo” com a administração central e as escolas? Os dados disponíveis apontam para a possibilidade de uma “3ª via”, embora de contornos e ritmos ainda pouco definidos e variáveis de município para município.

Tal alternativa parece consistente por três razões essenciais: em primeiro lugar, porque o território tradicional de intervenção educativa das autarquias – a educação pré-escolar e o 1º ciclo – foi o que mais sentiu as consequências dos vários processos de reconfiguração organizacional e curricular; em segundo lugar, porque no desenvolvimento desses processos, as autarquias tiveram que submeter as suas diferentes estratégias e capacidades de intervenção ao escrutínio das escolas e das comunidades locais; em terceiro lugar, porque co-responsáveis pelos contratos de autonomia, pelas cartas educativas, pelos conselhos municipais de educação e pelas decisões tomadas pelas assembleias de escolas e agrupamentos, as autarquias passaram a ter que partilhar poderes e a assumir responsabilidades que até aí eram só seus, ou só das escolas, ou só da administração central.

É no contexto do desenvolvimento desta interdependência de quatro vértices – comunidades locais, escolas, autarquias e administração central – que se poderá buscar o sentido da referida “3ª via”. Num próximo artigo, avançaremos com alguns dados que permitirão caracterizar essa alternativa.

JORGE MARTINS


[1] “Estudo sobre a capacidade de resposta educativa autárquica no contexto de mudança e desenvolvimento da sociedade portuguesa” da autoria de Fernando Leite, Gracinda Nave e Jorge Martins, com financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian e o apoio da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte.

Publicado no Jornal A Capital a 5 de Junho


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