Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

20.7.05
 
Bestial!!! 70% de níveis negativos!!! Conseguimos!!!
O que se pretende com uma prova nacional, afinal?
Avaliar conhecimentos?
Avaliar técnicas?
Avaliar conceitos?
Talvez tudo isto, não será assim?
Atendendo ao que se disse atrás e a que:
1) não pode haver nenhum esclarecimento de dúvidas durante a prova,
2) os professores correctores não sabem quem é o aluno cuja prova estão acorrigir,
3) cada aluno está habituado à linguagem do professor que teve, pelomenos, ao longo do ano, como se deve fazer, então, uma prova de matemática a nível nacional?
Fazem-se perguntas dirigidas a cada tipo de item que se pretende avaliar(conhecimento, técnica ou conceito), evitando misturá-los:
1) se um deles depender do outro para a continuação do exercício,
2) se dois coexistem forçando a que se dominem ambos para responder àpergunta.
Fazem-se perguntas claras sem termos ambíguos.
Fazem-se exercícios em que não se sobrecarregue a atenção, não exigindo que,simultaneamente, se sigam várias indicações.
Fazem-se perguntas que avaliem apenas as competências que são exigidas noprograma.
Ora a prova de Matemática da 1ª chamada do 9º ano (feita pela esmagadora maioria dos alunos) conseguiu a proeza de cometer todos estes erros:
Numa pergunta de cálculo de probabilidades, os alunos que tenham um baixo factor espacial erram-na (menos 6 pontos) mesmo que dominem a fórmula de Laplace, porque têm de fazer uma contagem de objectos num desenho em perspectiva.
O que se avalia então nesta pergunta?
Numa outra pergunta pede-se um número irracional entre 4 e 5. Nos critériosde correcção do próprio Ministério sugere-se como resposta correcta "pi +1".
Ora, para um aluno do 9º ano, "pi + 1" não é um número mas sim uma expressão numérica, logo, se pensou nesta solução, poderá não a escrever pora julgar errada. Menos 5 pontos.
No capítulo da proporcionalidade inversa pede-se, primeiro, o preenchimento dum quadro e, na alínea seguinte, a escolha dum gráfico de acordo com o quadro.
Um aluno que se engane e considere, por exemplo, que a área é a de um triângulo, preenche o quadro para o dobro da constante de proporcionalidade e há um gráfico - o "D" ­ que corresponde a este engano.
O aluno enganou-se por se ter precipitado na leitura da primeira alínea, tem zero e muito bem, mas, depois, tem zero na segunda alínea e até sabe fazer corresponder o gráfico à situação. Menos 5 pontos.
Há uma pergunta sobre aproximações em que se não diz para usar a aproximação do número "pi" que está no formulário que é fornecido.
Se o aluno não usar a aproximação do formulário tem a resposta errada e, como é uma pergunta de escolha múltipla, não pode explicar o seu raciocínio. Menos 5 pontos.
Numa pergunta de trigonometria pede-se em simultâneo:
o cálculo em metros do comprimento da rampa, o resultado arredondado até aos décimos, e aconservação de 4 casas decimais nos cálculos intermédios.
A desatenção a qualquer destas indicações fará perder de 1 a 4 pontos.
Finalmente no problema envolvendo volumes de sólidos, pede-se uma competência que não vem expressa no programa de Matemática nem nas competências essenciais do "Currículo Nacional do Ensino Básico": a relacionação de fórmulas. Talvez por isso não tenha conseguido encontrar um único manual em que esta competência seja exigida. Menos 8 pontos.
Sucessivos estudos têm demonstrado que o nível conceptual e relacional dos alunos portugueses, em Matemática, é muito baixo. Com uma prova nacional com erros deste calibre, juntam-se, ao enorme exército de alunos com dificuldades conceptuais e relacionais, aqueles que, não as tendo, foram vítimas do que atrás se disse.
A pergunta mais interessante, portanto, será: o que é que se pretendeu comesta prova? Entretenha-se o leitor a conjecturar respostas.
João Rangel de Lima
Publicado no jornal A Capital a 17 de Julho

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