Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

11.7.05
 
ENSINO PÚBLICO VERSUS ENSINO PRIVADO
Em Maio passado saiu no jornal “Público“ um artigo de Vital Moreira, oportuno e certeiro, com o título “Ensino Básico a Tempo Inteiro”. Nele afirmava-se que “o horário reduzido das escolas do 1º ciclo do ensino básico constitui um dos grandes factores de discriminação social e de privatização furtiva desse grau de ensino”. Poderia ter dito mais: os horários e o funcionamento da maioria das escolas de todos os ciclos do Ensino Básico público constituem um convite sedutor e justificado para o ensino privado.

O que pode levar os pais, na sociedade portuguesa de hoje, a optarem pelo ensino privado sempre que essa alternativa existe:
- a qualidade no desempenho escolar dos alunos confirmada, nomeadamente, pelos resultados nos exames nacionais;
- os horários de funcionamento regulares e ajustados - ou com condições de se ajustarem - aos horários das famílias, em que, cada vez mais, ambos os pais trabalham;
- a existência, dentro da escola ou com ela articulada, de outras actividades (música, desporto, língua estrangeira, etc.) que “compete” hoje uma criança ter, e do apoio ao estudo (trabalhos de casa!) que a família já não tem tempo para prestar;
- a segurança com base na certeza que a escola se responsabiliza pelos seus filhos entre a hora de entrada e a hora de saída;
- a confiança em saber que há um professor responsável e que acompanha o seu filho e uma entidade – a direcção da escola - que quer saber e sabe do que se passa com ele, nem que seja para o manter como aluno ou para o expulsar porque a “incomoda”;
- saber que se trata de uma escola para a vida, desejavelmente do pré-escolar ao secundário, em que a criança e o jovem conhecem os seus amigos e professores e os pais não têm que, no final de cada 2, 3 ou 4 anos, interrogar-se sobre o seguimento e sequência da educação formal dos seus filhos;
- a preferência por determinada escola, perfeitamente justa e legal, decorrente ou de uma opção religiosa, de um interesse cultural ou educativo, ou do desejo efectivo de selecção social. Como dizia um meu amigo londrino: os meus filhos andam na escola privada (public scholl!) porque eu não quero que eles venham da escola pública a falar com aquele “linguajar” que nem eu percebo!

Ora se há alguns destes razões a que a escola pública não pode nem deve aspirar e que têm que ver com as opções das famílias, outras há a que tem de dar resposta, quer alterando claramente o mandato das escolas, quer articulando-se íntima e consistentemente com o sistema de tempos livres, quase todo ele também subsidiado pelo Estado, seja ele de iniciativa da própria escola ou dos pais, ou venha da já ampla oferta privada solidária.

As medidas anunciadas pelo governo de estabilidade do corpo docente, de refeições escolares, horários alargados e ensino do inglês no 1º ciclo podem constituir já parte da resposta. Mas só parte, faltando ainda muito para o todo!

É, sobretudo, importante que num tempo de contenção financeira não se prescinda, mais uma vez, de redefinir o papel e as responsabilidades da escola e de rentabilizar recursos disponíveis e não se somem despesas e se dupliquem serviços.

Não posso deixar de referir um dos programas a que, na Europa, é reconhecido maior sucesso no combate ao abandono e ao insucesso escolar, o “Excellence in Cities” em escolas públicas do Reino Unido, em que das medidas mais emblemáticas são a apoio individual de cada aluno mal ele começa a sentir a primeira dificuldade (os “learning tutors”) e a atenção dispensada, mesmo em meios desfavorecidos, às crianças mais dotadas.

Termino de novo com um excerto do mesmo artigo de Vital Moreira:“Urge tomar as medidas adequadas, incluindo as necessárias mexidas no ordenamento da rede escolar e no regime laboral dos professores e demais pessoal. As escolas existem para os alunos e não para os professores”. Só acrescentaria: e também não devem existir para as vicissitudes do Ministério da Educação e dos seus compartimentados serviços educativos, para as hesitações e desregulação nas transferência de competências entre autarquias e administração central, e para o difícil processo de articulação das atribuições educativas e sociais entre o Ministério da Educação e o da Segurança Social.
Maria José Rau

Publicado no jornal A Capital a 10 de Julho

Comments: Enviar um comentário

<< Home